Folha de S. Paulo


Cheque mostra propina da merenda, diz investigação

Um cheque apreendido pela Operação Alba Branca, que apura um suposto esquema de desvios na compra de merenda para escolas públicas em São Paulo, demonstra, segundo investigadores, que a cooperativa suspeita de fraudar licitações pagou a ex-assessores do presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Capez (PSDB).

O cheque da Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar) no valor de R$ 50 mil, ao qual a Folha teve acesso, foi feito em nome de José Merivaldo dos Santos, assessor do gabinete de Capez de 2010 a 2011 e da liderança do PSDB na Assembleia de 2013 a 2015.

Editoria de Arte/Folhapress
CAMINHO DO DINHEIRO Investigados na máfia da merenda, assessores de Fernando Capez (PSDB) teriam recebido pagamento de propina
CAMINHO DO DINHEIRO Investigados na máfia da merenda, assessores de Fernando Capez (PSDB) teriam recebido pagamento de propina

Além do cheque, há um contrato de gaveta feito entre a Coaf e outro ex-assessor de Capez, Jéter Rodrigues Pereira, que trabalhou no gabinete do tucano de 2013 a 2014.

Pelo contrato, de R$ 200 mil, a Coaf conferiu a Pereira a "condição de consultor para sua relação comercial junto à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo".

Para os investigadores, tratam-se do cheque e do contrato de parte da propina.

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CAMINHO DO DINHEIROInvestigados na máfia da merenda, assessores de Fernando Capez (PSDB) teriam recebido pagamento de propina

A Alba Branca investiga negócios entre a Coaf e a Secretaria de Educação do governo Geraldo Alckmin (PSDB) para fornecimento de R$ 11,4 milhões em suco de laranja. A operação apura também negócios entre a entidade e dezenas de municípios.

A parte da investigação relativa ao governo está sob responsabilidade da Procuradoria-Geral de Justiça, órgão máximo do Ministério Público, por envolver Capez, que tem foro especial.

PARCELADO E SIGILOSO

O contrato de gaveta entre a Coaf e Pereira, assessor de Capez à época, é de 25 agosto de 2014, período eleitoral.

O documento menciona o cheque de R$ 50 mil que seria para pagar a primeira parcela do valor acordado. Isso indica, ainda segundo a investigação, que Merivaldo e Pereira atuariam juntos.

Embora tenha sido emitido pela Coaf em 2014, o cheque era pré-datado para 20 de março de 2015. Conforme depoimento do ex-presidente da cooperativa Cássio Chebabi, esperava-se que nessa data o Estado já estivesse pagando pelo suco e o caixa da Coaf estivesse "cheio".

A entidade havia vencido um edital da Secretaria de Educação, mas o negócio estava travado e só foi efetivado a partir de abril de 2015, após uma nova concorrência.

O cheque chegou a ser depositado por Merivaldo em sua conta pessoal, mas voltou porque não tinha fundos, segundo a investigação.

A cláusula sétima do suposto contrato de propina estipulava que os repasses seriam feitos à medida que o Estado pagasse pelo suco.

"As partes obrigam-se a manter a mais absoluta confidencialidade de todas as informações, dados e documentos", estipulava a cláusula nona do contrato.

Ainda conforme o documento, os negócios fechados entre a Coaf e o governo deveriam ser informados à Paciello Consultoria, atribuída à advogada Vanessa Paciello Laurino, para que fossem feitos os pagamentos a Pereira.

Vanessa é apontada por investigadores como cunhada do lobista Marcel Ferreira Julio, que atuava para a Coaf nos negócios junto ao Estado.

FILHOS

Em abril, Pereira revelou à Folha a existência do contrato de gaveta. Ele disse que aceitou assinar porque, posteriormente, o negócio passaria para a Thiago Merivaldo dos Santos Biodegradáveis, empresa de um dos filhos de Merivaldo, cujo objeto social vai de venda de perfumaria e eletrônicos a "preparação de documentos".

Essa firma chegou a ter as atividades cassadas em 2013, mas permanece aberta na Junta Comercial e na Receita.

Servidor de carreira da Alesp, Merivaldo é conhecido na Assembleia como "Doutor". Seu filho Thiago e sua filha, Ana, tiveram cargos comissionados na Casa –ela, na liderança do PSDB até abril passado.

OUTRO LADO

O ex-assessor do deputado estadual Fernando Capez (PSDB), José Merivaldo dos Santos, negou que o cheque seja de propina ou relacionado à Coaf. "Esse cheque foi de uma dívida que me deram", afirmou.

Confrontado com a informação de que a reportagem tinha uma cópia do cheque, o ex-assessor indicou seu advogado para falar, mas não forneceu nome nem contato dele. Nesta segunda (8), após a publicação desta reportagem, o advogado Mauricio Jalil disse que o nome de Merivaldo foi indevidamente envolvido no escândalo.

Merivaldo, que está de licença médica há cerca de cinco meses, recusou-se a falar sobre a empresa de seu filho –que, segundo o outro ex-assessor, Jéter Rodrigues Pereira, assumiria os negócios do contrato com a Coaf. Segundo Merivaldo, essa empresa já está fechada.

Pereira não quis comentar o teor do contrato de gaveta que, segundo a investigação, foi assinado por ele.

Em abril, em entrevista à Folha, ele havia dito que firmou o documento sob orientação de Merivaldo, que tinha "mais experiência nesse tipo de trabalho" de consultoria.

A assessoria de Fernando Capez, presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, afirmou que o deputado "tem todo o interesse na apuração, sempre esteve e sempre estará à disposição para esclarecer o que estiver a seu alcance".

A Secretaria Estadual de Educação afirmou, em ocasiões anteriores, que o negócio fechado com a Coaf, após a abertura do segundo edital, foi mais vantajoso para os cofres públicos do que teria sido após o primeiro edital.

"Em setembro de 2013 houve uma chamada pública que foi cancelada. Um ano depois, a [nova] chamada registrou uma redução no preço de 8,3% para unidades de 200 ml –saindo de R$ 1,56 para R$ 1,43– e de 1,61% nas unidades de 1 litro, saindo de R$ 6,20 para R$ 6,10", afirmou.

A Folha não localizou a advogada Vanessa Paciello.


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