Folha de S. Paulo


Lançamento da candidatura de Haddad tem ataques a Marta e Temer

Às vésperas da votação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff no Senado, a convenção do PT que oficializou a candidatura à reeleição do prefeito Fernando Haddad, neste domingo (24), foi marcada pelo discurso de "fora, Temer".

Líderes do PT e dos partidos que compõe a aliança –PC do B, PDT, PR e PROS– em torno de Haddad afirmaram a reeleição do petista em São Paulo será uma forma de "impedir o retrocesso no país" e "dar uma resposta ao Brasil". O ato, que aconteceu na Quadra dos Bancários, no centro da cidade, contou com a presença dos ex-ministros Carlos Lupi e Ciro Gomes, ambos do PDT.

Em um discurso de pouco mais de 25 minutos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu que a eleição deste ano será "possivelmente a mais difícil" que o PT disputará na cidade de São Paulo, mas que afirmou que a reeleição de seu afilhado político é prioridade. "Obviamente vou ter que viajar por várias cidades do Brasil, mas quero que vocês saibam que a prioridade é São Paulo", disse.

Lula conclamou ainda a militância do partido a "defender" a gestão do petista na capital paulista e "enfrentar as provocações sem ódio".

Em referência ao PMDB de Michel Temer e aos partidos que integram o governo interno, Lula afirmou que, "depois de tudo que nós [o PT] passamos neste país", o PT não pode deixar que "eles tentem evitar que o partido continue governando com um homem da qualidade do Haddad".

"Com a sabedoria de quem não tem ódio, não podemos aceitar desaforo, não aceitar ser chamado de ladrão porque ladrão a gente sabe quem é. Não podemos aceitar desaforo e não levar para casa. E, principalmente, não baixar a cabeça", disse o ex-presidente.

Na única referência direta ao presidente interino, Lula afirmou que "se Temer tivesse se preocupado em olhar o comportamento da vice-prefeita de São Paulo, Nádia Campeão (PCdoB), certamente ele não teria dado o golpe. Ele deveria auxiliar a titular, mas não foi o que fez".

Puxando o coro da militância contra Temer, o presidente municipal do PT em São Paulo, o vereador Paulo Fiorilo, afirmou que "não se pode permitir o retrocesso" na cidade. "Aqui em São Paulo, o jeito de a gente representar o 'fora, Temer' é a reeleição do companheiro Fernando Haddad", disse. "Cada um de nós que veio aqui hoje sabe a importância que tem a continuidade do nosso governo."

Em uma fala em que evitou fazer uma defesa enfática do PT, o prefeito Fernando Haddad afirmou que o "país vive um retrocesso" e que "o que está em jogo nesta eleição é muito mais do que um partido".

"O que está em jogo nesta eleição é muito mais do que um partido, é muito mais do que um candidato. O que está acontecendo no país é um retrocesso, do ponto civil e político, do ponto vista trabalhista e do ponto de vista social", disse.

O prefeito também usou seu discurso para criticar a ex-companheira de partido, senadora Marta Suplicy, que em abril de 2015 trocou o PT pelo PMDB e hoje é sua rival na disputa pela Prefeitura de São Paulo. 'Neste caldo partidário que a a gente vive é uma coisa é, por conveniência, por uma briga ou desentendimento interno, mudar de partido, mas outra coisa muito mais grave, sobretudo em momentos de definição, é quando você muda de lado."

Haddad exaltou ainda o que chamou de "gesto simbólico" de Gabriel Chalita, que trocou o PMDB de Michel Temer pelo PDT para ser vice na chapa do petista em São Paulo. "Qual dos políticos no Brasil, prestes a assumir o poder, sendo sondado para ser ministro desse governo interino, teria a atitude do Chalita de sair do PMDB e vir para o lado de cá, progressista, para lutar contra a desigualdade do nosso país? Quantas pessoas fariam isso?', disse o prefeito.

Haddad disse ainda que vai ir para esta eleição de "cabeça erguida" e, em referência indireta a Temer, afirmou que "Chalita não está na política em busca do poder, mas sim em busca de transformação social no país mais injusto da América Latina".

Convidada para o ato, a presidente afastada Dilma Rousseff não compareceu, mas enviou uma carta de uma página e meia, que foi lida pela mestre de cerimônia do evento. "O Brasil vive, neste momento, a exacerbação do confronto entre forças progressistas e democráticas, com atuação em vários partidos e nos movimentos sociais, e facções conservadoras e retrógradas, fortemente representadas no Congresso Nacional", escreveu a petista.

Segundo Dilma, "é inevitável que a maior cidade brasileira seja palco deste antagonismo político" na eleição municipal deste ano. "São Paulo será cenário real e emblemático da disputa entre dois projetos distintos de país e duas visões antagônicas de mundo."

Também em clara referência à candidatura de Marta Suplicy pelo PMDB de Michel Temer, Dilma escreveu que "o Brasil golpista e o Brasil democrático estarão duelando na eleição de outubro em São Paulo".

Ovacionado pelas cerca de 4.000 pessoas que segundo o PT compareceram ao ato, o ex-ministro Ciro Gomes também usou seu breve discurso para levantar questões nacionais. "Essa crise que transferiu-se para a política e aqueles que se acostumaram a chafurdar na ladroeira e na corrupção agora tomaram do povo até o discurso da honestidade", disse.

PROPAGANDA

Em seu discurso, o ex-presidente Lula disse que Haddad "cometeu o pecado de não fazer propaganda" de seus feitos. "O Chacrinha dizia há muito tempo atrás: que quem não se comunica, se trumbica".

"Haddad, você tem que convencer o povo do que você me convence", disse. "É muito importante que, daqui para frente, as pessoas saibam de tudo".

Lula afirmou que Haddad foi atacado pela imprensa do "café da manhã à meia-noite" em seu mandato. "Haddad é vítima disso", disse.

DIFERENTE

Com slogans como "nossa cidade ainda mais humana" e "para seguir lutando por uma nova cidade", o lançamento oficial da candidatura mostra fotos de Haddad tocando guitarra, andando de bicicleta e sentado no banco de motorista de um ônibus.

Haddad buscou dar tom jovial à campanha, aproveitando sua boa avaliação pelo eleitorado mais novo. No alto da quadra, cartazes em formato circular tinham palavras sempre antecedidas do símbolo # (hashtag).

O lançamento da candidatura repetiu o slogan de quatro anos atrás do petista: "Um homem novo para um novo tempo".

Sem o marqueteiro João Santana, preso na Operação Lava Jato, e com o PT em crise, a produção foi bem mais modesta.

Se em 2012 havia luzes especiais, teleprompter virtual (que projetava as frases na luz) para leitura de discursos e destacar promessas, neste ano só havia um telão. Todo o resto era de papel.

O lançamento da campanha atual custou cerca de R$ 40 mil. Em 2012, o mesmo evento custou R$ 1,6 milhão.

Muito diferente foi também a quantidade de petista graúdos. No lançamento de 2012, um José Dirceu ainda à espera de julgamento do mensalão tinha posição de destaque ao lado de Lula. Hoje, Dirceu também integra a lista de presos na Lava Jato.

CRÍTICA

O ex-presidente Lula criticou a Folha e o Instituto Datafolha durante discurso de lançamento da campanha de reeleição de Haddad.

"Nunca na história deste país a imprensa escondeu tanto um prefeito ou, quando mostrou, mostrou de forma negativa como a imprensa fez com Fernando Haddad", disse.

Em seguida, afirmou que "mentira tem perna curta".

"A Folha, que sempre foi o jornal imparcial, foi pega de calça curta, escondendo números de pesquisa nesta semana. O mesmo que a Globo fez com o Brizola em 1982, ou seja, 40 anos depois, a Folha repete a mesma lorota, a mesma mentira e a mesma falsidade", disse.

Sobre 1982, Lula se referia ao chamado escândalo da Proconsult. Na ocasião, um sistema de informática contabilizou votos nulos e em branco como votos para o candidato Moreira Franco (então PDS, ex-Arena), que concorria com Leonel Brizola (PDT) ao governo do Estado. O pedetista acabou vencedor. Na ocasião, a TV Globo divulgou números oficiais da apuração do TRE, realizada pela empresa Proconsult.

Sobre a crítica à Folha, o ex-presidente fez referência à acusação de que o jornal, para favorecer Michel Temer, teria omitido uma das perguntas em que, oferecida a hipótese de renúncia tanto de Dilma quanto do presidente interino, a maioria dos entrevistados (62%) se disse favorável a novas eleições.

Sobre a não publicação de algumas perguntas da pesquisa, Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha, afirmou na quarta-feira (20) que é prerrogativa da Redação escolher o que acha jornalisticamente mais relevante. Na ocasião, Dávila ressaltou que a situação de renúncia dupla não é mais levada em conta.


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