Folha de S. Paulo


'Não dá para confiar que todos fazem o certo', diz diretora da Odebrecht

A diretora de conformidade (compliance, em inglês) da Odebrecht, a engenheira Olga Pontes, disse em entrevista à Folha que não é exagero a empresa chamar a polícia quando se deparar com crimes.

Ela é uma das responsáveis pelas novas diretrizes da empresa, que deram origem ao decálogo anticorrupção para funcionários divulgado nesta sexta-feira (15). No documento, a empresa se compromete a combater todas as formas ilícitas de fazer negócios.

"Combater e não tolerar a corrupção, em quaisquer de suas formas, inclusive extorsão e suborno", diz o primeiro ponto do decálogo. O documento é um código de conduta interna, resultado de um seminário que o grupo realizou em São Paulo no último dia 6.

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Folha - O que a Odebrecht fará quando um funcionário transgredir o decálogo com princípios éticos?
Olga Pontes - A companhia tem um código de conduta desde 2014. Os conteúdos divulgados agora [o decálogo] visam reforçar um código que já existe.

O código anterior não funcionou? O grupo está negociando um acordo de delação no qual relata uma série de ilicitudes.

O que houve foi um distanciamento não só da nossa cultura, mas de princípios e valores. É por isso que esses princípios e valores precisam ser reforçados internamente. Respondendo à sua pergunta, o que adotaremos é a não tolerância. Se for fornecedor, haverá potencial quebra de contrato. Se for com integrante, haverá um potencial desligamento.

O diretor de conformidade da Siemens na Alemanha disse à Folha que, quando um funcionário fosse apanhado praticando ilicitudes, chamaria a polícia. A Odebrecht vai fazer isso ou é exagero?

Não é exagero. Mas nem todo caso é caso de polícia. Tem casos que devem ser levados ao Ministério Público Federal. Já temos dois casos do grupo que foram encaminhados espontaneamente ao Ministério Público para tomada de ação. Os dois casos não são relacionados a corrupção e foram levados entre 2014 e 2015. Mas o motivador não foi a Lava Jato. Depois que a empresa fez tudo o que poderia ser feito, a gente entrega o caso ao Ministério Público.

A sra. disse que houve um afastamento de alguns integrantes dos princípios da Odebrecht.

Alguns integrantes não seguiram à risca o código de conduta e por isso que a gente está nessa jornada para promover a evolução da organização. Essa jornada requer uma série de ações para alcançarmos o nosso objetivo maior, que é o de sermos reconhecidos daqui a alguns anos como referência em governança e conformidade.

Esse afastamento dos princípios éticos inclui o ex-presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, que está preso há um ano?

Qualquer um dos 120 mil integrantes que não esteja de acordo com as orientações da empresa, não importa o nível hierárquico, é um afastamento da nossa cultura. Um dos nossos princípios é fazer o que é certo em qualquer circunstância. Quem não fez o que é certo se afastou desses princípios.

Por que a Odebrecht, apesar de ter um código de conduta, tornou-se o principal grupo econômico associado à corrupção no Brasil?

Um código de conduta em si, em qualquer lugar do mundo, não é suficiente para prevenir atos ilícitos ou ilegais. É por isso que estão requerendo das empresas um sistema de conformidade, que é composto por três pilares: prevenção, detecção e remediação. Código de conduta é apenas um elemento entre as dezenas de elementos do pilar da prevenção. Para evitar condutas ilícitas não basta ter apenas um código de conduta.

Temos que investir em governança corporativa, aumento o número de conselheiros independentes. O grupo aprovou também a criação de comitês de conformidade, formado por membros do conselho de administração, para reforçar a transparência. Antes o diretor de conformidade era também líder jurídico. Com essa mudança recente, a responsabilidade sobre conformidade está segredada do jurídico, reportando-se diretamente ao comitê do conselho de administração. É preciso também fortalecer o processo educacional. Não adianta ter lindas políticas se o integrantes não sabem fazer o que é certo e como fazer isso.

Por que as tentativas anteriores de evitar ilicitudes fracassaram?

A gente não tinha um sistema de conformidade robusto. A Odebrecht tinha apenas princípios e valores, uma cultura muito forte. Não tinha todos os elementos que estão sendo implementados agora. Não dá para confiar que todos sabem fazer o que é certo. É necessário capacitar, treinar e disciplinar para a prática correta.

A sra. vem de uma empresa, a Braskem, que está sendo investigada nos Estados Unidos sob acusação de práticas ilícitas muito graves. Dá para garantir que não haverá mais corrupção na Odebrecht?

Eu respondo pela Odebrecht S/A, mas a Braskem implantou de maneira inédita no Brasil uma série de sistemas de controle baseados em conformidade e transparência. Nenhum sistema existente no mundo garante que não haverá corrupção. O que existe são sistemas de prevenção e detecção.

Há um caso famoso no Morgan Stanley. Eles tinham um sistema de conformidade implantado, tinham ações de treinamento e capacitação e nem por isso uma pessoa do alto escalão deles deixou de cometer atos ilícitos. O Morgan Stanley levou o caso às autoridades e não sofreu nenhuma sanção pelo ato praticado pelo funcionário. A empresa conseguiu demonstrar que o funcionário tinha recebido instruções expressas sobre o que não devia ser feito. É por isso que a Odebrecht está implantando um sistema de conformidade.


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