Folha de S. Paulo


Pedalada não é crime, decide procurador do Ministério Público

O procurador do Ministério Público Federal no Distrito Federal, Ivan Cláudio Marx, arquivou nesta sexta-feira (8) procedimento criminal que apurava as chamadas pedaladas fiscais do governo -atrasos nos pagamentos de valores devidos a bancos e fundos públicos.

Ele já havia arquivado uma semana atrás um procedimento específico sobre o BNDES e, agora, arquivou todas as outras investigações de atraso em pagamentos com o mesmo entendimento: os atrasos no pagamento são "inadimplemento contratual", configuram uma tentativa de maquiagem das contas públicas para torná-las melhores.

Marx levantou suspeitas sobre "eventuais objetivos eleitorais" com as pedaladas e disse que o caso "talvez represente o passo final na infeliz transformação do denominado 'jeitinho brasileiro' em 'criatividade maquiavélica'". Mas, para ele, a maquiagem não se caracteriza como crime, como apontou o TCU (Tribunal de Contas da União) em diversas decisões desde abril de 2015.

Um dos atos apontados como criminosos pelo TCU, o atraso no pagamento de dívidas junto ao Banco do Brasil no ano de 2015, é um dos dois motivos apontados no processo de impeachment para o afastamento da presidente Dilma Rousseff que tramita no Congresso Nacional. Para o procurador, esse ato, assim como todos os outros investigados, não configuram crime.

A defesa de Dilma na comissão que analisa o impeachment usa o mesmo argumento do procurador, alegando que o atraso no pagamento não configura operação de crédito. Os relatores do processo, tanto na Câmara (deputado Jovair Arantes, do PTB-GO), como no Senado (Antonio Anastasia, PSDB-MG), discordam.

Para o procurador, mudar o entendimento de que os atrasos nos pagamentos passam a ser operação de crédito travaria todo o sistema de pagamentos do governo e que nem mesmo os altos valores e o reiterado atraso podem mudar esse entendimento legal.

"Não há que se concordar com a afirmação do TCU de que seria a reiteração no atraso, aliada ao montante dos valores, que transformaria o contrato da CEF com a União em uma operação de crédito", escreve o procurador sobre as dívidas da União com o banco em relação ao Bolsa Família.

O procurador afirma que se as pedaladas fossem crime, o TCU deveria ter determinado o fim desses atos em suas decisões, o que não ocorreu.

"Ainda, e mais curioso, seria o fato de que esse crime continuaria sendo praticado, inclusive no instante em que essas letras estão sendo jogadas no papel. Isso em razão de que o TCU, muito embora tenha apontado a existência de crime no caso, não determinou nenhuma medida para sua correção, limitando-se a determinar que os débitos não deveriam mais se acumular e, ainda, que deveriam ser captados pelo Bacen para as estatísticas fiscais. Ou seja, o TCU aponta a existência do crime de operação de crédito, mas determina correções apenas no que se refere aos atos de maquiagem fiscal (atrasos sem captação pelo Bacen para fins de estatística)", escreve o procurador na decisão.

No arquivamento Marx, caracteriza os atos dos servidores como improbidade administrativa a tentativa de maquiar os resultados das contas públicas. A improbidade está sendo investigada em outro procedimento civil sob os cuidados do mesmo procurador, ainda não concluído, e pode gerar multa aos servidores e perda do cargo, mas não é crime.

De acordo com o procurador, ele ainda vai investigar um ato específico denunciado pelo TCU, o de que os pagamentos de parte das dívidas com o FGTS foram realizados sem autorização legislativa, também configurando crime. Segundo ele, nesse procedimento específico, é necessário ouvir testemunhas.


Endereço da página:

Links no texto: