Folha de S. Paulo


Relator aceita recurso e defende anular votação da cassação de Cunha

O deputado Ronaldo Fonseca (Pros-DF) apresentou na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) seu relatório que defende a anulação da votação da cassação do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no processo de cassação do Conselho de Ética, apontando violações no devido processo legal.

Ao se justificar antes de começar a leitura do voto, Fonseca afirmou que levou em conta a defesa do "Estado democrático de direito" e que não se trata, na CCJ, de dizer se Cunha recebeu propina em contas no exterior, mas apenas violações no processo. "Sei o quanto serei cobrado pela minha posição, não tenho receio, minhas convicções defenderei sempre", afirmou.

Fonseca chamou a votação por chamada nominal de "emenda regimental". Segundo destacou em seu parecer, há no regimento interno da Câmara a previsão de duas modalidades de voto, ostensivo - que pode se desdobrar em simbólico ou nominal - ou secreto.

"Esses dispositivos não dão liberdade, porém, para que se proceda à votação nominal de forma diversa daquela que é prevista regimentalmente. Mais que isso: a aprovação do requerimento em questão representou verdadeira emenda regimental, sem respeitar o devido e democrático processo legislativo", afirmou o relator.

Ele alegou ainda que a ordem da votação, nominal e por blocos partidários, como ocorreu no Conselho em 14 de junho, é "ilegal". Para ele, a chamada nominal deve ser alternadamente entre deputados de Norte a Sul nas hipóteses em que o regimento permite essa votação: quando o painel eletrônico não funcionar e no caso de votação de impeachment.

"O fato de a votação ter sido feita por chamada, prejudicou o recorrente. Acabou-se por influenciar o voto de, pelo menos um parlamentar", completou Fonseca, referindo-se ao voto do deputado Wladimir Costa (SD-PA).

O relator no Conselho de Ética, Marcos Rogério (DEM-RR), afirmou que Fonseca está correto na fundamentação da chamada nominal, mas errado na tese de anular a votação.

"Aqui vigora o princípio da transparência. Qualquer decisão que reduzisse a transparência do plenário estaria equivocada. Vale a colegialidade, tanto que se faz muito acordo de procedimento que vai até contra o regimento".

O presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PR-BA), rechaçou os argumentou de Ronaldo Fonseca. Destacou que a votação por chamada nominal se deu por escolha unânime dos integrantes do colegiado. "O plenário é soberano. Não admito a hipótese de refazer a votação. [Caso seja aprovado o relatório na CCJ] Mas teremos que estudar o calendário".

Autor do recurso e um dos mais atuantes da tropa de choque de Cunha, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) afirmou que o relatório mostra que o presidente do Conselho de Ética atuou com o objetivo de cassar o peemedebista. "Ignorou o regimento, estabelecendo um sistema de votação com o objetivo de constranger os deputados que ali votaram", disse.

Já o autor do requerimento para a votação da chamada nominal, o deputado José Geraldo (PT-PA), disse não se arrepender. "Não sabia que havia esse problema. Fiz para pressionar".

Companheiro de partido, o deputado Wadih Damous (RJ) disse que a tese de Ronaldo Fonseca "não se sustenta em pé" e que então deveriam rever o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, que ocorreu por meio de votação nominal. "A sociedade não compreenderia esse apego na formalidade do regimento para gerar uma nulidade num processo como esse", afirmou.

Havia a expectativa entre os colegas da Câmara de que Fonseca acatasse os argumentos de Cunha sobre a suspeição de Rogério no Conselho de Ética. No relatório, o deputado do Pros afirmou que "o recorrente não logrou demonstrar qualquer dano ou prejuízo" pelo fato de Marcos Rogério ser do DEM, partido integrante do bloco de apoio a Cunha nas eleições do ano passado.

A sessão se encerrou por volta das 14h, após pedido de vista coletivo dos integrantes da comissão para estudarem melhor o voto do relator. A discussão sobre o assunto será retomada na segunda-feira (11), em uma convocação extraordinária da CCJ.

PROCEDIMENTO

O parecer foi protocolado na terça (5) e mantido em sigilo. O envelope entregue ontem ao presidente da CCJ, Osmar Serraglio (PMDB-PR), foi aberto somente no início da sessão desta manhã, quando houve uma pausa nos trabalhos para que a secretaria do colegiado pudesse tirar cópias do documento para os demais parlamentares.

Sob o argumento da "complexidade do caso", Fonseca quis garantir que não houvesse interpretações diversas de sua escrita. Pretende fazer ao longo da leitura das 69 páginas explanações do relatório.

O presidente afastado por decisão unânime do Supremo Tribunal Federal desde 5 de maio deste ano poderia comparecer esta manhã na sessão. Chegou a informar ao STF que o faria. Usou, contudo, o Twitter para destacar que só aparecerá na Câmara na próxima semana, quando o parecer de Fonseca será votado.

"Decidi não comparecer por enquanto já que será feita a leitura e terá pedido de vistas regimental de duas sessões", escreveu em seu rede social.

O presidente foi aconselhado por aliados e não comparecer hoje para evitar mais desgaste. Além disso, faz parte da estratégia dele usar a palavra só na próxima semana. Serraglio marcou a sessão de votação para terça (12), uma vez que se espera um pedido de vistas tão logo Fonseca termine a leitura do relatório.

Para a defesa, o peemedebista disporá do mesmo tempo que o relator usar hoje para a leitura. Ou seja, se Fonseca levar quatro, cinco hora para a leitura, Cunha também terá esse mesmo tempo para se defender.

Em seguida, é aberta a fase de discussão da matéria. Segue-se uma nova rodada do relator e da defesa, dessa vez, mais breve, de 20 minutos cada. Além disso, ainda há as apresentações dos votos em separados.

Serão apresentados, pelo menos, dois votos em separados. Um do relator do caso no Conselho de Ética, Marcos Rogério (DEM-RR). Outro, assinado em conjunto pelos líderes do Psol Ivan Valente (SP) e Chico Alencar (RJ). O deputado do DEM disse que vai reformular seu voto com base nos argumentos do relator.

Adversários de Cunha calculam que ele não tem votos no colegiado para fazer seu processo retroceder. O recurso apresentado por ele, analisado por Fonseca, questiona 16 pontos da tramitação de seu processo no Conselho de Ética.

Apesar da tendência de derrota, o grupo de Cunha não se dá por vencido. As articulações se mantém a todo vapor no Conselho. No último mês, integrantes da CCJ de partidos aliados a Cunha - PR, PTN, SD - foram trocados para favorecer o peemedebista e aumentar o número de votos pró-cunhistas no colegiado.

Batalha final


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