Folha de S. Paulo


Polícia Federal diz que Jucá mudou medida provisória a pedido de Gerdau

Pedro Ladeira/Folhapress
Ministro Romero Jucá (Planejamento) concede entrevista na qual se defende de denúncia sobre ação para conter avanço da Lava Jato
Romero Jucá, que foi ministro do governo Temer por breve período

Um relatório da Polícia Federal produzido durante a Operação Zelotes indica que o senador e ex-ministro (Planejamento) Romero Jucá (PMDB-RR) alterou o conteúdo de uma medida provisória a mando do presidente do Conselho de Administração do grupo Gerdau, Jorge Gerdau Johhanpeter.

Trata-se da MP 627 de 2013, que impactava nas regras de tributação do lucro das multinacionais no exterior e da qual Jucá era relator-revisor. O texto foi aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidência da República com ao menos uma alteração idêntica a que foi sugerida pela Gerdau.

É a primeira vez que vem a público a participação direta de um senador nos fatos investigados pela Zelotes.

Para a PF, o material "indica possíveis práticas de negociação ilegal de medidas provisórias[...], tendo como contraprestação doações eleitorais, com elementos que apontam para a participação de condutas (em tese, criminosas)" de Jucá e dos deputados Alfredo Kaefer (PSL-PR) e Jorge Côrte Real (PTB-PE).

A troca de emails que chamou a atenção dos investigadores começa no dia 27 de fevereiro de 2014, cerca de dois meses antes de a MP ser aprovada pelo Congresso.

Naquela data, o gabinete do senador envia a Jorge Johannpeter uma mensagem com um trecho da MP. O executivo encaminha o email ao seu consultor jurídico e recebe o que, segundo a PF, era a minuta da resposta que ele endereçou a Jucá.

Nela, o assessor acrescenta um outro parágrafo e diz que o texto do parlamentar, como foi enviado, "não atende plenamente", já que apenas uma das emendas de interesse do grupo havia sido incluída.

A Folha confirmou que o parágrafo acrescido pelo consultor jurídico da Gerdau consta na versão final do texto da lei. O trecho em questão diz o seguinte: "Aplica-se o disposto no caput aos débitos ainda não constituídos que vierem a ser incluídos no parcelamento de que trata o art. 40 da Lei no 12.865, de 9 de outubro de 2013." Os investigadores não fazem uma avaliação técnica sobre a importância da inclusão no texto.

No caso dos deputados Kaefer e Côrte Real, eles assinam três emendas cujas aprovações foram defendidas por Johhanpeter junto a Jucá e ao Ministério da Fazenda. Os investigadores não detalharam se alguma delas foi acatada. A Folha não encontrou no texto da lei as propostas contidas nessas emendas.

O relatório policial salienta que só um dos braços do grupo Gerdau doou R$ 27,3 milhões a partidos políticos em 2014, "destacando-se como maiores recebedores, nessa ordem, PSDB, PT, PSB e PMDB", esta última a sigla à qual Jucá é filiado.

Informa ainda que Côrte Real foi beneficiado com uma contribuição de R$ 50 mil do grupo. Nas prestações de contas de Jucá e Kaefer referentes àquela corrida eleitoral, não há registros de doações feitas pela Gerdau.

Os emails foram apreendidos na sede da Gardau, no Rio Grande do Sul, onde os policiais cumpriram mandado de busca e apreensão durante a fases da Zelotes deflagrada no dia 25 de fevereiro deste ano.

Na ocasião, o presidente da companhia, André Gerdau, foi conduzido para prestar depoimento. No mês passado, ele e outras 18 pessoas acabaram indiciadas pela PF.

Executivos do grupo são suspeitos de terem pago propina a integrantes do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda e responsável por julgar autuações aplicadas pela Receita Federal aos contribuintes.

Os principais alvos da Zelotes são o esquema descoberto no Carf e indícios de venda de três medidas provisórias - entre elas a 627.

Como os emails apreendidos envolvem dois deputados e um senador, todos com prerrogativa de foro, a PF enviou um ofício com todo o material coletado à Justiça Federal em Brasília. No despacho, pede ao juiz de primeiro grau que o caso ao STF (Supremo Tribunal Federal), a quem compete analisar a possibilidade de abertura de inquérito para investigar a conduta dos parlamentares.

OUTRO LADO

Em nota, a Gerdau informou que participou de forma legítima "de discussões sobre a bitributação de lucros provenientes do exterior", tema contido na MP 627. Acrescentou que o debate se deu "em conformidade com a lei [...] e foram lideradas por entidades de classe e em conjunto com outras empresas de atuação internacional".

O deputado Alfredo Kaefer afirmou que suas emendas citadas pelos investigadores nem sequer foram aprovadas. "Fiz dezenas de emendas em matérias da área econômica, mas nunca a pedido de ninguém. Não negociei absolutamente nada com Romero Jucá nem com a Gerdau, que deve ter visto minha proposta e achado interessante para o setor deles", especulou.

O deputado Jorge Côrte Real afirmou que não apresentou propostas por orientação de Jucá nem da Gerdau, mas que prefere não se pronunciar até ter acesso às suspeitas contra ele.

A Folha tentou diversas vezes entrar em contato com o senador Romero Jucá e sua assessoria, que sugeriu que o advogado do parlamentar fosse acionado. O defensor disse não ter conseguido falar com seu cliente.


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