Folha de S. Paulo


Juízes entram com novas ações contra jornalistas no Paraná

As ações de juízes e promotores movidas contra jornalistas da "Gazeta do Povo", do Paraná, já somam 48 processos, em dezenas de cidades pelo Estado.

Os magistrados, que afirmam terem sido ofendidos por uma reportagem sobre os "supersalários" da categoria, entraram com ações individuais de dano moral em 19 cidades do Paraná –num caso que lembra a enxurrada de processos de fiéis da Igreja Universal contra a repórter Elvira Lobato, da Folha, em 2008.

Cinco das ações, quase todas idênticas, foram iniciadas após a repercussão do caso, no início de junho, quando a Folha e outros jornais trouxeram a história a público. Outras sete já haviam sido ajuizadas, mas foram notificadas posteriormente.

Os autores afirmam que sua remuneração está dentro da lei, e que estão exercendo seu direito de ação ao buscarem reparação na Justiça.

A "Gazeta do Povo" considera o caso uma "ação coordenada", e diversas entidades de imprensa classificaram o episódio como um ataque à liberdade de imprensa. As indenizações pedidas somam R$ 1,5 milhão.

Os cinco repórteres que trabalharam na história são obrigados a comparecer pessoalmente às audiências, sob pena de responderem à revelia. Com o número crescente de processos, algumas audiências têm sido marcadas no mesmo horário, em cidades diferentes.

A Amapar (Associação dos Magistrados do Paraná) nega ter articulado uma reação coordenada, embora tenha oferecido assistência jurídica a quem se sentisse ofendido. Para a associação, o jornal "extrapolou o direito à liberdade de expressão".

PÉRIPLO

A reportagem, publicada em fevereiro, compilou dados públicos para mostrar que, somados benefícios, a remuneração total de magistrados e promotores ultrapassa o teto do funcionalismo público.

Em nota, a AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) afirmou que a matéria foi "tendenciosa" e "irresponsável", "voltada a descredibilizar a magistratura brasileira". Férias, 13° e outros benefícios não se somam ao teto, argumentam os juízes.

A Associação Paulista de Magistrados também se posicionou, dizendo que os salários da categoria são pagos "dentro das estritas margens de legalidade, de moralidade e de constitucionalidade".

A "Gazeta do Povo" afirma que seu objetivo era "expor e debater o sentido do teto constitucional".

Para ir às audiências, os jornalistas têm percorrido o Estado numa van quase toda semana, e já viajaram 7.900 km –o que, na prática, tem impedido seu trabalho.

"Nós nos tornamos praticamente inúteis nos últimos dois meses", afirma o repórter Chico Marés, 29. Os profissionais dizem que não conseguem tocar reportagens em profundidade, desfalcaram a redação, perderam férias e passaram, por exemplo, o dia da posse de Michel Temer num hotel em União da Vitória (a 239 km de Curitiba).

"É uma sensação de impotência insuportável", diz Marés.

Um dos jornalistas, Euclides Lucas Garcia, 29, espera o nascimento do primeiro filho: a mulher está grávida de oito meses. Na semana programada para o parto, há seis audiências agendadas –nas quais ele não pode faltar.

"E se o bebê vier e ele não estiver aqui? E se tiver audiência no mesmo dia? Não é só por mim; é pelo bebê e por ele. É o nosso primeiro filho, ele quer participar de tudo; ele tem esse direito", diz a jornalista Ana Carolina Bendlin, 30, mulher de Garcia.

O jornal recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal), argumentando que nenhum magistrado no Paraná é isento para julgar a causa, mas o pedido de suspender as ações foi negado pela ministra Rosa Weber.

Enquanto isso, 26 juízes já se declararam impedidos de conduzir as ações, por motivos diversos como "foro íntimo", amizade com os colegas, por terem sido citados na reportagem ou por também terem entrado com ações de indenização.


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