Folha de S. Paulo


Morre aos 96 anos o ex-ministro Jarbas Passarinho

Pedro Ladeira/Folhapress
Velório do ex-ministro Jarbas Passarinho no oratório do soldado, em Brasília. O político morreu neste domingo (5), aos 96 anos
Velório do ex-ministro Jarbas Passarinho no oratório do soldado, em Brasília

O ex-ministro Jarbas Passarinho morreu na manhã deste domingo (5) aos 96 anos em sua residência em Brasília.

Segundo o governo do Pará, que decretou luto oficial por três dias, a morte ocorreu em decorrência de problemas de saúde devido à idade avançada.

Nascido no Acre, Passarinho iniciou sua trajetória política no Pará, onde foi governador de 1964 a 1966. Foi senador por três mandatos e, nos governos militares, comandou os ministérios do Trabalho, Educação e Previdência Social. No governo de Fernando Collor, chefiou o Ministério da Justiça.

Em 1968, durante a reunião que decidiu a criação do AI-5 (Ato Institucional nº 5), Passarinho, então ministro do Trabalho, disse uma frase que se tornou célebre. "Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência." O ato aumentou substancialmente os poderes do governo militar e marcou o endurecimento da ditadura no país.

Passarinho era a penúltima pessoa viva que havia participado do encontro que selou o AI-5. A última é o ex-ministro, economista e colunista da Folha Delfim Netto.

O corpo do ex-ministro foi velado na tarde deste domingo na Paróquia Militar do Oratória do Soldado, em Brasília.

Além de familiares e amigos, compareceram à cerimônia fúnebre o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello, o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Sérgio Etchegoyen, e o chefe da Casa Militar, Marcos Antônio Amaro.

Para o ministro do Supremo, Passarinho deixa um exemplo para a nacionalidade do país e atuou na vida pública com "desprendimento" e "pureza". "Um homem que teve uma passagem na vida pública muito fértil. Ele foi exemplar em todos os títulos e honrou o Senado", disse.

Na cerimônia, foi rezada uma missa de corpo presente pelo capelão militar José Eudes e, por volta das 15h30, o corpo foi levado ao cemitério Campo da Esperança, para o enterro.

Nas redes sociais, o presidente interino, Michel Temer, expressou sentimento de pêsames e o chamou de "grande brasileiro". A presidente afastada, Dilma Rousseff, não se pronunciou até o momento.

O Exército Brasileiro lamentou a morte, prestou solidariedade à família e ofereceu apoio material ao velório e ao sepultamento.

DO ACRE A BRASÍLIA

Jarbas Gonçalves Passarinho nasceu em Xapuri, no Acre, em 11 de janeiro de 1920, filho do pequeno empresário Inácio de Loiola e de Júlia Gonçalves Passarinho. Mudou-se com a mãe e os irmãos para Belém do Pará em 1923. Lá, cursou os ensinos primário e secundário em escolas públicas.

Foi admitido na Escola Preparatória de Cadetes de Porto Alegre e depois na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, onde foi presidente do diretório. Fez carreira destacada na arma de artilharia, em Belém, Resende, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Agulhas Negras e outros locais.

Foi nomeado superintendente da Petrobras na região amazônica em 1959. Já no posto de tenente-coronel, chefiou de 1962 a 1964 o estado-maior do Comando Militar da Amazônia, em Belém.

Envolveu-se em conspirações militares desde os anos 1950. Contribuiu para o êxito do golpe de 1964, constituindo-se em um dos principais quadros políticos do novo regime.

Logo após o golpe, foi nomeado Governador do Pará, cargo que ocupou até janeiro de 1966, quando foi substituído por seu pupilo, o major Alacid Nunes, com quem viria a se desentender posteriormente, eleito pela UDN (União Democrática Nacional).

Após a extinção dos partidos políticos em outubro de 1965, Passarinho filiou-se ao novo partido governista, a Arena (Aliança Renovadora Nacional).

Em 1966, foi eleito senador pelo Pará. Apoiou a candidatura presidencial indireta do general Costa e Silva, que o nomeou Ministro do Trabalho e Previdência Social logo que tomou posse, em março de 1967.

A essa altura, encerrou a carreira militar, indo para a reserva com a patente de coronel.

Como ministro do Trabalho, colaborou com a política considerada de arrocho salarial, que levaria às greves de Contagem (MG) e de Osasco (SP), em 1968, apesar do controle governamental sobre as atividades sindicais.

Apoiou pequenas concessões salariais no caso de Contagem e outras para minorar a insatisfação latente do conjunto dos trabalhadores, como a instituição da previdência rural. Mas a greve de Osasco acabou sendo duramente reprimida, com o aval do ministro.

Lula Marques - 10.ago.1995/Folhapress
Ex-senador Jarbas Passarinho no escritório de sua casa em Brasília.*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
Jarbas Passarinho em sua casa em Brasília, em retrato feito em 1995

MOBRAL

No governo Médici, ocupou o Ministério da Educação e Cultura, já sob vigência de uma forte legislação repressiva (como o decreto nº 477), que durante alguns anos conseguiu calar o movimento estudantil. Ao mesmo tempo, levou adiante a reforma universitária e do ensino médio.

Não conseguiu implantar o ensino superior público pago para os alunos mais abastados, devido à resistência interna no governo, "receoso da agitação estudantil", segundo Passarinho.

Como resposta ao método politizado de alfabetização de adultos levado adiante por Paulo Freire antes de 1964, implantou o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização) em 1971.

Durante o governo Geisel, com quem tinha menos afinidade do que com Medici, atuou como senador pelo Pará. Foi dos poucos eleitos pela Arena em 1974 –seis senadores, contra 16 do MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

Nessa época, passou a ter participação parlamentar ativa na Arena, foi vice-líder do governo de 1975 a 1977, mas estava distante do círculo mais íntimo do presidente.

Quase 30 anos mais tarde, numa entrevista em 2004, Passarinho viria a dizer que os militares deveriam ter deixado o poder no início dos anos 70. Nessa entrevista, avaliou que o golpe havia sido inevitável, diante do temor que o comunismo representava. "O problema é que durou demais. Deveríamos ter deixado o poder e realizado eleições livres em 1973", disse.

Na gestão de Figueiredo, iniciada em março de 1979, logo após o fim do AI-5, Passarinho assumiu a liderança da Arena e do governo no Senado.

Ajudou a articular a anistia em agosto de 1979, bem como a reforma partidária que extinguiu a Arena e o MDB. Foi um dos fundadores do PDS (Partido Democrático Social), principal base de sustentação do governo.

Elegeu-se presidente do Senado em fevereiro de 1981. No mesmo ano, entrou em conflito pela imprensa e também em plenário com setores da Igreja católica que defendiam direitos de trabalhadores rurais no Pará.

CONTRA AS DIRETAS

Nas eleições de 1982, fragilizado pelo avanço da oposição e pelos desentendimentos com Alacid Nunes no seio do PDS, Passarinho perdeu as eleições para o Senado. Mas logo assumiu o Ministério da Previdência e Assistência Social.

Ele atuou contra a proposta de eleições diretas para a presidência da República. Seu nome chegou a ser cogitado para a sucessão indireta do presidente Figueiredo.

Passarinho apoiou a candidatura, derrotada dentro do PDS, de Mário Andreazza à presidência da República. Buscou inviabilizar a Frente Liberal, dissidência do PDS que ajudou a eleger Tancredo Neves, candidato da oposição.

Em 1986, elegeu-se novamente senador pelo Pará (PDS, em coligação com o PMDB de Jader Barbalho e outros partidos). Participou ativamente da Assembleia Nacional Constituinte, presidindo ou integrando várias comissões.

Como então presidente do PDS e líder do partido no Senado, ajudou a obter do Congresso a aprovação do mandato de cinco anos para o presidente José Sarney.

Nas eleições presidenciais de 1989, discordâncias com o candidato Paulo Maluf levaram Passarinho a deixar o comando do PDS.

ALIADO A COLLOR

Em outubro de 1990, foi nomeado Ministro da Justiça pelo presidente eleito, Fernando Collor de Mello. Buscou articular politicamente o governo, que tinha dificuldades no Congresso.

Sem lograr êxito, acabou substituído na reforma ministerial de abril de 1992. Como senador aliado, testemunhou o impeachment de Collor.

Durante o governo Itamar Franco, seguiu no Senado, atuou por exemplo na Presidência da CPI que apurou denúncias de corrupção da chamada "máfia do Orçamento" Geral da União, que envolvia parlamentares (18 deles foram processados, 4 cassados em janeiro de 1994).

Candidatou-se ao governo do Pará em 1994 pelo PPR (Partido Progressista Reformador), fruto da fusão do PDS com o PDC (Partido Democrata Cristão). Foi derrotado no segundo turno por Almir Gabriel, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Sem mandato, assumiu cargo na CNI (Confederação Nacional da Indústria) em Brasília, onde já trabalhara nos anos 1980. Passou a escrever regularmente para jornais como "O Estado de S. Paulo".

Após a fusão do PPR com o PP (Partido Popular), em 1995, aderiu ao novo PPB (Partido Progressista Brasileiro), e foi eleito presidente da Fundação Mílton Campos, ligada ao partido.

Na eleição disputada entre Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, em 1994, o então senador alertava para o perigo do "radicalismo" de algumas alas do PT, que poderiam deixar Lula isolado, caso ele fosse eleito. Passarinho dizia que o próximo governo tinha de ser democraticamente forte. Mas afirmava que "entre a justiça e a ordem, é preferível a ordem".

No primeiro mandato de FHC, em setembro de 1996, foi nomeado consultor do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que acabou deixando menos de um ano depois, sentindo-se desconfortável com o que lhe parecia excesso de tolerância com esquerdistas.

Não obstante, acompanhou a decisão do PPB de apoiar a reeleição do Presidente e a candidatura do tucano Almir Gabriel no Pará. Integrou o comitê de assessoramento político da campanha de Cardoso. Em dezembro de 1998, foi nomeado membro do Conselho da República.

Em pleno século 21, seguiu no debate público como um dos defensores mais ardorosos do regime instaurado em 1964 e também dos militares acusados de violação aos direitos humanos. Mas dizia que a tortura não era uma política de Estado e sim uma "deformação profissional".

ESCRITOR

Menos conhecida é sua atividade como escritor e intelectual: em 1949, ganhou prêmio de concurso da Prefeitura de Belo Horizonte com o conto "Um Viúvo Solteiro". Em 1959, com o romance "Terra Encharcada", recebeu da Academia Paraense de Letras o prêmio Samuel Wallace Mac Dowell.

Em maio de 1991, lançou "Na Planície", o primeiro volume de suas memórias. Em 1996, o conjunto das memórias foi publicado com o título "Um Híbrido Fértil". Autor de outras obras, como "Amazônia, o Desafio dos Trópicos" (1971) e "Liderança Militar" (1987).

Pertencia à Academia Paraense de Letras, ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará e ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Recebeu inúmeras condecorações e 17 títulos de doutor honoris causa de universidades federais (como as do Rio de Janeiro, Pará, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba) e católicas (Rio Grande do Sul, Campinas, Petrópolis, Bahia, Recife e Goiás), entre outras.

Era pai de cinco filhos com Ruth de Castro Gonçalves Passarinho, de família tradicional paraense, que a princípio se opusera ao casamento. Ficou viúvo em agosto de 1987.

Marcelo Ridenti é professor titular de Sociologia na Unicamp.


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