Folha de S. Paulo


Leia trechos do novo livro de Elio Gaspari sobre a ditadura

Chega às livrarias nesta sexta-feira (3) "A Ditadura Acabada", quinto e último volume da série sobre o regime militar escrita pelo jornalista Elio Gaspari, colunista da Folha e do jornal "O Globo".

O livro reconstitui os últimos anos da ditadura e o processo de abertura política que em 1985 levou ao fim dos governos militares e à redemocratização do país. Leia a seguir alguns trechos do livro:

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Aníbal Philot - 30.abr.81/Agência O Globo
ORG XMIT: 351701_0.tif Folha 80 Anos: Peritos examinam os destroços do carro Puma, dentro do qual uma bomba explodiu no atentado no Riocentro, centro de eventos em Jacarepaguá, Rio de Janeiro, durante show comemorativo do Dia do Trabalho.
Peritos examinam destroços do carro Puma após explosão no atentado no Riocentro

O REGIME DESMORALIZADO

"A ideia de uma intervenção militar contra Tancredo [Neves] era uma fantasia radical e desesperada. O atentado do Riocentro e o assassinato de Alexandre Baumgarten haviam desmoralizado os DOI e o SNI entre o grosso da tropa. Durante o surto terrorista de 1966 a 1973, a maioria da oficialidade das Forças Armadas, se não toda, entendera que existia uma real ameaça subversiva. Nos anos 1980, essa mesma oficialidade via-se na posição constrangedora de defender atentados, negociatas e manipulações fracassadas, como a tentativa de associação de Tancredo aos comunistas."

10.abr.84/Folhapress
Comício pelas Diretas Já, na Candelária, no centro do Rio de Janeiro
Comício pelas Diretas Já, na Candelária, no centro do Rio de Janeiro

A RENDIÇÃO DE GEISEL

Saiba mais sobre a série de Gaspari
Jornalista já lançou quatro livros sobre o regime militar (1964-85)

"Eu me rendo", disse o general Ernesto Geisel em 1984, ao ver cenas dos comícios da campanha pelas Diretas Já. Gaspari explica: "Tomadas ao pé da letra, as três palavras poderiam dar a impressão de que o ex-presidente aceitava a eleição direta. Não era o caso. Até o fim de seus dias ele foi um adversário renitente do sufrágio universal para a escolha dos governantes, em qualquer país, em qualquer época. Geisel capitulava em relação ao projeto de poder. Ele sabia que dificilmente Aureliano [Chaves] venceria a convenção do PDS e que a estação seguinte chamava-se Tancredo Neves. Não a apoiava, apenas a aceitava, rendendo-se."

15.mar.79/Folhapress
O general João Baptista Figueiredo (à esq.) toma posse como presidente da República, ao lado de Ernesto Geisel
João Baptista Figueiredo (à esq.) toma posse como presidente, ao lado de Ernesto Geisel

GEISEL E FIGUEIREDO

Os dois últimos presidentes militares começaram a se distanciar logo após a transmissão do cargo, segundo Gaspari. "A partir do dia em que [João] Figueiredo enfartou, Ernesto Geisel passou a defender reservadamente sua renúncia. Ele sabia que pusera um cardiopata na Presidência e acreditara que Aureliano [Chaves] na vice seria uma salvaguarda eficaz. Enganara-se."

João Bittar - 10.out.84/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 10-10-1984: O presidente militar João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1985) durante reunião, em São Paulo (SP). (Foto: João Bittar/Folhapress, Negativo: SP08133-1984) *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
O presidente militar João Figueiredo durante reunião em São Paulo

A FORÇA DO SNI

Gaspari mostra como a máquina do SNI (Serviço Nacional de Informações) seguiu trabalhando para o general João Figueiredo depois que ele deixou a chefia do órgão para assumir a Presidência. "[A] rede foi colocada a serviço de Figueiredo. Ela era atemorizadora, às vezes implacável, mas quase sempre inepta. Sua disfunção vinha da própria origem, pois em vez de ser um serviço de informações para atender ao Estado, tornara-se uma assessoria política do Palácio do Planalto. [...] O SNI preocupava-se mais em propagar o pensamento de seus funcionários do que em analisar o dos outros."

1º.jan.1984 - Folhapress
1984: O governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, acena para foto. (Foto: Folhapress)
O governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, acena para foto

DRIBLANDO OS ARAPONGAS

Gaspari conta que o SNI grampeou telefones de vários aliados de Tancredo durante a campanha que resultou em sua eleição para a Presidência, em 1985. "Em outubro [de 1984], o SNI alimentou o escritório de Paulo Maluf com pelo menos quinze futricas, quase todas resultantes de interceptações telefônicas", diz o jornalista. "As interceptações continham irrelevâncias e eram entregues por um general do SNI a Heitor Ferreira. Numa ocasião, em novembro, Heitor foi recebido rapidamente pelo oficial na porta de casa. Tancredo Neves estava na sala de jantar."

Osvaldo Daniel Kaize - 13.mai.1978/Folhapress
ORG XMIT: 184501_0.tif O sindicalista Lula (Luiz Inácio da Silva) em 13 de maio de 1978, um dia após a paralisação dos metalúrgicos da fábrica de ônibus e caminhões Scania-Vabis, em São Bernardo do Campo (SP), onde os trabalhadores cruzaram os braços diante das máquinas. (São Bernardo do Campo, SP, 13.05.1978. Foto de Osvaldo Daniel Kaize/Folhapress)
O sindicalista Lula em 13 de maio de 1978, um dia após paralisação dos metalúrgicos

LULA

O livro mostra o surgimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como líder sindical e fundador do PT nos últimos anos da ditadura. "Lula não tinha dono, raízes, muito menos conexões com ninguém, com nada além da peãozada de São Bernardo", escreve Gaspari. "Não tinha projeto político, não queria derrubar o governo, muito menos o regime, nem se fale em criar uma sociedade socialista. Avulso, permitia-se defender posições surpreendentes, sempre contornando as divisões da agenda política."

Fernando Santos - 27.jun.1985/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 27-06-1985: O presidente José Sarney posa para foto em São Paulo (SP). (Foto: Fernando Santos/Folhapress. Negativo: SP 05271-1985)
O então presidente José Sarney posa para foto em São Paulo

JOSÉ SARNEY

"Não havia motivo para malquerê-lo, mas também não havia motivo para querê-lo", diz Gaspari, ao descrever o político que rompeu com os militares para ser vice na chapa de Tancredo e assumiu o poder após a morte do presidente eleito, em 1985. "Tinha uma panela em cada boca do fogão. Opusera-se à emenda das [eleições] diretas, mas seu filho votara a favor."

Guinaldo Nicolaevsky/EM/D.A Press
BELO HORIZONTE, MG, BRASIL, 00-09-1979: A menina Rachel Clemens, 5 anos, se recusa a cumprimentar o presidente general João Baptista Figueiredo no Palácio da Liberdade. (Foto: Guinaldo Nicolaevsky/EM/D.A Press) *** DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM ***
Rachel, 5, não quis dar a mão a João Figueiredo, último presidente do regime militar

FIGUEIREDO SAI DE CENA

"O general que chegara ao poder saltando obstáculos e levantando halteres, terminava seu governo com a imagem de um homem prostrado", diz Gaspari no livro. "O quinto general do regime que começara em 1964 com uma posse ilegal, no meio da madrugada e num palácio vazio, deixou o Planalto pela porta lateral, despercebido. [...] Seu temperamento, que ajudara a destruir seu governo, arruinara-lhe também a cena final. Trocou o papel de personagem central de uma cena histórica por uma ausência mesquinha e simbolicamente ridícula."

1°.out.76/Folhapress
ORG XMIT: 154101_0.tif O general Ernesto Geisel, presidente. (Campinas, SP, 01.10.1976. Foto da Folhapress)
O general Ernesto Geisel, presidente durante a ditadura

GEISEL E OS JORNAIS

O presidente torcia o nariz para a imprensa, segundo Gaspari. "Geisel continuou no Planalto convivendo com uma liberdade de imprensa que não apreciava, mas para a qual verificara que não dispunha de alternativa. Quando lhe foi mostrada uma frase atribuída ao general De Gaulle - 'jornal, ou a gente não lê, ou o escreve' - ele anotou que, lendo-os, 'me enveneno continuamente'."

A Ditadura Acabada (Vol. 5)
Elio Gaspari
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A SOLIDÃO DE GEISEL

"Eleito presidente, tivera que dar o número do telefone de sua residência oficial no Rio a amigos e listara, além da família, catorze pessoas. Políticos, só três. Deixou a Presidência levando consigo uma nova lista, a dos telefones que eventualmente precisaria em Teresópolis. Dessa vez eram trinta. Quatro, de parentes. Amigos sem cargos em Brasília, sete. Ministros, cinco, três dos quais servindo no palácio. Nenhum general em comando de tropa, empresário ou parlamentar."


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