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Cunha praticou fraude escancarada, diz relator de sua cassação

Pedro Ladeira/Folhapress
O deputado Marcos Rogério durante a leitura de seu relatório sobre cassação de Cunha
O deputado Marcos Rogério durante a leitura de seu relatório sobre cassação de Cunha

Para o deputado Marco Rogério (DEM-RO), o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), valeu-se das trusts, figura jurídica usada por ele para manter contas no exterior, para praticar fraudes. Nas conclusões de seu voto, o relator afirma que o peemedebista praticou "omissão deliberada" para esconder "práticas ilícitas".

"O que se vê, na hipótese, e que efetivamente preenche o tipo disciplinar objeto do presente feito, foi a prática de omissão deliberada, seguida de requinte e tecnicidade buscadas com o fito de esconder práticas ilícitas diretamente ligadas ao representado. O jogo de palavras utilizado durante a instrução processual não teve o condão de afastar as provas coligidas aos autos."

Ao pedir a cassação de Cunha, Rogério frisou que há consistência de provas e ironizou: "Ainda que não houvesse a robustez de provas, a culpa do representado se mostrou patente também pelas evasivas e pelas tentativas de afastar-se do objeto da apuração".

"O titular de um mandato eletivo não pode se ocultar sob as sombras de dúvidas por ele mesmo criadas, sendo seu o dever de espancar tais dúvidas e demonstrar sua pureza. Há uma falsa crença, pregada aos que auspiciam o poder, de que os fins justificam os meios."

Na conclusão, o relator destacou ainda que as testemunhas ouvidas convergem, bem como os demais documentos que chegaram ao Conselho, como extratos, formulários bancários, e os enviados pelo Banco Suíço, com declarações prestadas pelo Ministério Público do país.

"As teses apresentadas pela defesa não encontram qualquer amparo na legislação vigente. Igualmente, não há qualquer prova que possa conferir credibilidade à versão do representado."

Ao mencionar que Cunha mentiu em depoimento prestado em março do ano passado à CPI da Petrobras, quando negou ter qualquer conta no exterior, Rogério afirmou em seu voto que "na ocasião soou estranho" e completou: "Um dos critérios para mensurar a gravidade de uma mentira é averiguar a finalidade com a qual foi praticada e, aqui, resta demonstrado que o falso praticado na CPI da Petrobras foi cuidadosamente premeditado em mais uma tentativa de criar um contexto político desfavorável ao prosseguimento da operação Lava Jato".

Para o relator "parece claro que o representado desvirtuou o uso do cargo de deputado federal, utilizando-o com o propósito de achacar particulares, criando dificuldades para, posteriormente, vender facilidades".

Segundo ele, a quebra de decoro está manifestada na intenção de Cunha de omitir a verdade "valendo-se de sutileza técnica e jurídica". Ele destacou que, para que se caracterize quebra de decoro, não é preciso haver infração penal. "Basta a existência de sério dano à credibilidade e à respeitabilidade do Parlamento."

Marco Rogério chegou a se emocionar ao final da leitura de seu parecer. Ao agradecer pelo "brilhantismo" do relatório, o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PR-BA), também se emocionou.

REUNIÃO

Rogério leu seu relatório e o voto na tarde desta quarta (1º) oito meses após o pedido de cassação de Cunha ser protocolado. É o processo mais longo da história.

Por mais de duas horas, ele tratou de forma detalhada das contas atribuídas à Cunha, sua esposa, Claudia Cruz, e sua filha, Danielle Dytz. Ele fala de cada uma das quatro contas: orion, triumph, netherton investments, e kopek.

"É possível concluir que, na hipótese analisada, os trusts instituídos pelo deputado Eduardo Cunha representam, na verdade, instrumentos para tornar viável a prática de fraudes: uma escancarada tentativa de dissimular a existência de bens, sendo tudo feito de modo a criar uma blindagem jurídica para esconder os frutos do recebimento de propinas cujos valores foram relatados por testemunhas e lastreiam a denúncia já recebida do Supremo, também confirmadas perante este Conselho", destacou o relator ao detalhar as contas.

Com base nisso, classifica como "equivocada" a tese da defesa segundo a qual Cunha seria desobrigado de declarar os bens relacionados à Receita Federal. "Tais diplomas, ao revés, militam contra o interessado, por dizem respeito à possibilidade de repatriação de recursos do exterior para o Brasil daquelas pessoas que vinham cometendo uma fraude fiscal e, agora, desejam regularizar a situação".

Processos contra Cunha


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