Folha de S. Paulo


'Dou murro, mas não em todas as facas', diz Dilma

Dilma Rousseff diz que levará "ao extremo" a denúncia contra "o golpe", como define o impeachment.

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Folha - A senhora diz que o impeachment é um golpe. No entanto, participa do processo, se defende. A palavra está sendo bem utilizada?

Dilma Rousseff - Por que nós dizemos que é golpe? Porque não há crime de responsabilidade. Mas tem um outro aspecto.

Até os anos 1970, o golpe na América Latina era tipicamente militar. As Forças Armadas tiravam os presidentes que as oligarquias não gostavam e destruíam o modelo democrático que o país possuía. Instituíam uma ditadura e ponto final.

ENTREVISTA DILMA

Enquanto houve a guerra fria, os golpes eram absorvidos. Agora não é assim.

E o impeachment pode funcionar como um golpe. Você tira um governante mas não quebra o modelo democrático. Não pode impedir a reação, as manifestações. Essa é a grande contradição desse processo. E eu vou levar até o extremo essa contradição.

Sinto muito, sabe, sinto muuuuito se uma das características deste golpe é detestar ser chamado de golpe.

A senhora tem conversado com senadores? Tem um placar do impeachment?

Querida, de maneira alguma eu vou ficar fazendo um placar. Eu converso com vários senadores, eu vejo o que eles querem. Eles me falam da importância de fazer um processo de discussão sobre como seria o próximo governo [se ela voltasse ao cargo].

E como seria? O PT sempre defendeu, por exemplo, que a senhora taxasse os mais ricos e isso nunca foi adiante.

Tentamos aprovar o imposto sobre lucros e dividendos e juros de capital próprio. E perdemos, querida. Não passa no Congresso. É que nem a democratização da mídia. Eu fui fiadora da democracia. Não tive a menor tentação de reprimir ninguém em 2013 [durante as manifestações].

Nunca bati na mesa dizendo que eu sei tratar com bandido. Eu não sei tratar com bandido. Eu sei tratar direitinho com movimento social. Ele, a gente respeita.

Sou, portanto, a favor da liberdade de imprensa. Agora, o Brasil tem um problema, sim. Não é possível essa concentração [da mídia]. Estamos falando de regulação econômica, de restrição [à concentração], porque isso levará a uma maior democratização. É inexorável. Não é possível ter o controle oligopolista da mídia. Só isso.

Mas a senhora não falava isso quando estava no governo.

Eu falei duas vezes durante a campanha e uma vez depois. Diziam: manda uma lei. Eu vou mandar uma lei para perder, é? Porque uma das coisas que o senhor Eduardo Cunha dizia para quem quisesse ouvir é que ele tinha feito uma negociação e que essa proposta não passaria.

Negociação com quem?

Com os interessados, querida.

Quem?

Ah, não, aí você pergunte para ele. Eu dei murro em ponta de algumas facas. Mas eu não tenho como dar murro em todas as facas.


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