Folha de S. Paulo


Empresário ligado a Lula é ouvido no Rio em operação da Polícia Federal

Lucio Bernardo Junior - 15.out.2015/Câmara dos Deputados
Audiência pública para tomada de depoimento do proprietário da empresa de engenharia Exergia Brasil, Taiguara Rodrigues dos Santos
Empresário Taiguara Rodrigues dos Santos depõe em audiência pública

A Operação Janus, desencadeada nesta sexta-feira (20) para investigar supostos crimes de exploração de prestígio e tráfico de influência em torno de contratos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento. Econômico e Social), tomou o depoimento, no Rio de Janeiro, de uma pessoa ligada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Taiguara Rodrigues dos Santos é filho do irmão da primeira mulher de Lula. Ele é investigado porque uma de suas empresas, a Exergia Brasil, recebeu R$ 3,5 milhões da empreiteira Odebrecht – repasse que ocorreu depois que o BNDES aceitou financiar uma obra executada pela empreiteira em Angola, a construção da hidrelétrica Cambambe. O financiamento para a obra, segundo a PF, foi de US$ 446 milhões.

A Exergia Brasil, porém, segundo a PF, não teria capacidade técnica para participar da obra – a suspeita é que houve o repasse de dinheiro, mas sem contrapartida.

A Folha apurou que a Justiça Federal determinou, a pedido da PF, a quebra dos sigilos bancários e fiscal das duas empresas de Taiguara. Os dados já foram enviados há cinco dias à PF e ainda estão sendo analisados. Uma das linhas é apurar "uma aparência de evolução patrimonial não compatível" com a renda de Taiguara entre os anos de 2011 e 2015.

A delegada da Polícia Federal que preside o inquérito, Fernanda Costa de Oliveira, confirmou que a investigação pode se estender a outros contratos do BNDES para obras em República Dominicana, Cuba e Angola, mas ainda é cedo para fazer prognósticos.

"Esta é uma fase inicial, cirúrgica, mas a investigação tem potencial de atingir outras empresas e contratos", disse a delegada.

Na manhã dessa sexta (20), a PF cumpriu mandado de busca no apartamento que seria de Taiguara. No prédio, a Folha mostrou uma foto do empresário a moradores e ao porteiro, que não quiseram se identificar. Eles disseram que nunca o viram por lá.

O imóvel é uma cobertura dúplex localizado na Ponta da Praia, bairro nobre de Santos.

Já no prédio onde funcionava a Exergia Brasil, uma funcionária da portaria disse à Folha que as três salas usadas pela empresa foram desocupadas há mais de um ano e que, desde então, ninguém mais apareceu por lá.

TRÁFICO DE INFLUÊNCIA

O inquérito foi instaurado a partir de um procedimento investigativo aberto no ano passado pelo Ministério Público Federal para investigar suposto tráfico de influência do ex-presidente Lula na obtenção, pela Odebrecht, de obras no exterior com financiamento do BNDES.

De acordo com a Procuradoria, a investigação tinha por objetivo saber se Lula "recebeu vantagens econômicas indevidas para influenciar 'agentes públicos estrangeiros notadamente na República Dominicana, Cuba e Angola', além de facilitar ou agilizar o trâmite de procedimentos de financiamentos de interesse das empresas do grupo Odebrecht junto ao BNDES", conforme texto enviado à imprensa nesta sexta.

Para a delegada da PF, ainda não está definido se há necessidade, na Operação Janus, da tomada de depoimento de Lula. A PF ainda não tem elementos, nessa fase da apuração, sobre eventual participação do ex-presidente no caso da hidrelétrica de Cambambe, em Angola.

Operação Janus - Quantidade de mandados expedidos

LAVA JATO

Em março, a Operação Lava Jato revelou, em relatório, que em um mesmo voo para o Panamá em novembro de 2014, da Copa Airlines, viajaram Taiguara e o filho de Lula, Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, ao lado do empresário Fernando Bittar, sócio de Lulinha. A PF averigua também se há relação dessa viagem com o financiamento ao governo de Angola.

A delegada também estuda a possibilidade de pedir um compartilhamento de provas colhidas a respeito da Odebrecht ao longo da Lava Jato. Naquela operação, segundo a PF, escritórios e endereços da empreiteira já foram alvos de cinco ordens judiciais de busca e apreensão.

OUTRO LADO

O advogado Armando de Mattos Júnior, que representa dois sócios de uma empresa de contabilidade de Santos, disse que seus clientes foram ouvidos por duas horas nesta manhã. Segundo ele, os dois foram convidados a depor – não foi condução coercitiva. Nesta empresa, cujo nome ele não divulgou, foi cumprido um mandado de busca e apreensão e feitas cópias de informações sobre a empresa de Taiguara.

Essa empresa, disse o advogado, foi fechada há dois ou três anos.

Mattos afirmou ainda que eles foram ouvidos para dar informações sobre a contabilidade prestada às duas empresas de Taiguara a partir de 2008. A PF quis saber, segundo ele, informações sobre qual era a área de atuação dessas empresas.

Em nota, o Instituto Lula afirmou que "há mais de um ano alguns procuradores da República no Distrito Federal tentam, sem nenhum resultado, apontar ilegalidades na conduta do ex-presidente Lula".

"Uma investigação aberta a partir de ilações fantasiosas transformou-se em verdadeira devassa sobre a contabilidade do Instituto Lula, da empresa LILS Palestras e sobre as contas do ex-presidente", diz trecho da nota.

O Instituto afirma ainda que "o resultado apenas comprova que Lula sempre atuou dentro da lei, em defesa do Brasil, como fazem ex-presidentes em todo o mundo."

Em diversas ocasiões, a defesa jurídica de Lula negou quaisquer atividades ilegais em palestras e eventos em que o ex-presidente participou para a Odebrecht. Em depoimento prestado ao Congresso Nacional no ano passado, Taiguara também negou quaisquer irregularidades em seu trabalho de consultoria.

Em outro depoimento, à CPI do BNDES em outubro passado, na Câmara dos Deputados, Taiguara confirmou manter contato com Lula, mas negou que o ex-presidente tenha influenciado na obtenção do contrato de sua empresa Exergia com a Odebrecht no tocante à obra em Angola.

"Influência zero do ex-presidente Lula e do Fábio", disse Taiguara. Ele também falou aos deputados que se encontrava em situação econômica difícil, tendo como patrimônio o apartamento e um automóvel, e que mantinha dívidas que poderiam levar à perda judicial do imóvel por leilão.

Em nota, o BNDES afirmou que o financiamento destinado à construção da hidrelétrica em Angola "obedeceu a todos os trâmites usuais do BNDES, sem qualquer excepcionalidade". Segundo o banco, "a análise passou por órgão colegiados, de dentro e fora do BNDES, e pela equipe técnica do banco". "Os desembolsos são efetuados no Brasil, em reais, após a efetiva comprovação da realização das exportações. O processo passa por auditoria independente." "Os critérios adotados na análise desta e das demais operações do banco são impessoais", afirma a nota.

Também em nota, a construtora Odebrecht afirmou que nenhum endereço da empresa foi alvo de algum mandado de busca e apreensão e que "não se manifestará sobre o tema".

Colaboraram BELA MEGALE, enviada especial a Brasília; GILMAR ALVES JR. e KLAUS RICHMOND, de Santos


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