Folha de S. Paulo


Empresa de amigo prosperou com Temer como secretário nos anos 1980

Uma empresa que tem como sócio o dono de uma fazenda frequentada por Michel Temer no interior de São Paulo ganhou forte impulso como fornecedora da Polícia Militar do Estado na época em que o hoje presidente interino comandava a Secretaria da Segurança Pública paulista, nos anos 1980 e 1990.

A Argeplan Arquitetura e Engenharia tem como um dos donos o coronel aposentado da PM João Baptista Lima Filho, amigo de Temer e seu ex-assessor na secretaria.

Lima e Argeplan são proprietários da fazenda Esmeralda, em Duartina (SP), que serviu de refúgio para Temer em diversas ocasiões e foi invadida pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) no último dia 9, como retaliação à chegada do peemedebista à Presidência. A área foi desocupada no dia 16.

A Argeplan é uma empresa que assinou contratos de consultoria com a Segurança Pública quando Temer era o titular, função que exerceu três vezes entre 1984 e 1993. Em 1993, por exemplo, houve ao menos dois contratos de R$ 500 mil (em valor corrigido).

Da União, a Argeplan passou a receber pagamentos por obras a partir de 2011, ano em que Temer assumiu a vice-presidência. De 2011 a 2016, a empresa levou R$ 1,1 milhão por serviços em uma ferrovia e em uma rodovia. Também obteve nesse período contratos na Aviação Civil e na usina de Angra 3, sob investigação na Lava Jato.

Lima, que assessorou Temer na secretaria de 1984 a 1986, diz que a empresa era só uma "salinha" quando começou a atuar como consultora em obras da PM. "Ele [o arquiteto Carlos Alberto Costa, único dono da firma à época] tinha uma sala aí, não tinha o formato empresa", disse.

O coronel veio a se tornar oficialmente sócio de Costa na Argeplan em 2011. Porém, desde os anos 1980 ele mantinha parceria com a firma, fazendo negócios imobiliários e sendo seu procurador legal, segundo documentos obtidos pela reportagem.

Em 1991 e 1992, quando era chefe do Centro de Suprimentos e Manutenção de Obras da PM, o próprio Lima contratou a Argeplan para projetos da PM. Um contrato de 1992 teve aditivos e chegou a R$ 2,2 milhões (R$ 8,6 milhões, em valor corrigido) em 1995. Lima nega conflito de interesses.

"A responsabilidade sobre o contrato do Costa [com a PM] não deve ser atribuída a mim. Ele cultivava na época um bom relacionamento com toda a corporação. Eu não poderia fazer tutela do Costa. Tinha amizade, simpatia, nada mais do que isso", disse.

Nos anos 1990, tanto Lima como a Argeplan doaram para campanhas de Temer à Câmara. Em 1994, a firma contribuiu com ao menos R$ 100 mil (R$ 490 mil em valor atual).

DÚPLEX

Lima aposentou-se da PM em 1993, com cerca de R$ 15 mil mensais. Em 2000, o coronel adquiriu um dúplex de 446 metros quadrados com seis vagas na garagem na região do Morumbi. O valor venal é de R$ 3,3 milhões –no mercado, estima-se que supere R$ 5 milhões.

Questionado sobre suas fontes de renda à época, disse que, para responder, precisaria organizar seus impostos de renda, receitas e despesas dos últimos 30 anos.

Conforme a matrícula do imóvel, o dúplex havia sido adquirido em 1995 por uma offshore sediada no Uruguai, a Langley Trade Co Sociedad Anonima.

Cinco anos depois, a offshore revendeu o apartamento ao coronel, ainda segundo o documento, por R$ 650 mil (R$ 1,8 milhão em valor atualizado), mediante um pacto promissório (parcelamento).

OUTRO LADO

Lima nega ter sido responsável pela contratação da Argeplan para obras da PM, quando era da ativa. Ele atribuiu sua evolução patrimonial nos anos seguintes a "muito trabalho" e "muitos estudos".

"Foi trabalho para caramba, pau na máquina", disse.

Ao comentar a aquisição do dúplex, Lima afirmou: "Eu tinha os recursos suficientes para fazer a compra na condição em que eu comprei. Tudo tem uma história."

Segundo ele, o dúplex foi adquirido diretamente do construtor do prédio em condições favoráveis porque, anteriormente, um casal comprara o apartamento e desistira dele devido a uma briga. Lima disse desconhecer a offshore uruguaia com quem fez negócio. "Naquela época você não atentava para essas coisas."

Sobre a fazenda, Lima disse que especula-se que seja de Temer porque ela era usada quando o peemedebista fazia campanhas no interior.

"Teve um cara, num dia que eu estava andando na fazenda a cavalo, que falou: 'Eu ouvi falar que essa é fazenda é do Michel Temer'. Esse sujeito tinha uma língua comprida igual língua de dragão. Ele frequentava boteco, quermesse, e aí começou: 'Essa fazenda é do Michel', porque eu trabalhei com o Michel na época [na Secretaria da Segurança Pública]", disse.

Procurada, a assessoria de Temer informou que ele e Lima são amigos, que o coronel frequenta seu escritório até hoje e que não há o que esconder nessa relação. A assessoria nega que a fazenda seja do presidente.

O arquiteto Carlos Alberto Costa, o outro sócio da Argeplan, disse que sua relação com Temer é de amizade, "exclusivamente isso", e que a empresa nunca foi favorecida em contratos.

"A Argeplan sempre foi uma empresa bem estruturada e nunca existiram quaisquer favorecimentos", declarou Costa.

SUSPEITA NA LAVA JATO

A Argeplan venceu concorrências da Eletronuclear e da Secretaria de Aviação Civil no governo Dilma.

Em consórcio com a multinacional AF, a Argeplan obteve em 2012 um contrato de R$ 162 milhões para executar serviços na usina nuclear de Angra 3. O caso é investigado na Operação Lava Jato.

O coronel João Baptista Lima Filho, sócio da Argeplan, diz que o consórcio subcontratou a empreiteira Engevix para executar 70% da obra.

Em abril, a revista "Época" revelou o depoimento de um dos sócios da Engevix, José Antunes Sobrinho, a investigadores da Lava Jato.

Antunes relatou que a Argeplan só conseguiu o contrato por ser ligada a Temer e que precisou subcontratar a Engevix porque não tinha capacidade para o serviço.

Segundo Antunes, o coronel o procurou e pediu R$ 1 milhão para a campanha de Temer. Lima e Temer negam.

"O presidente Temer nunca pediu a quem quer que seja que fizesse pedidos de contribuição de campanha em seu nome. Não recebeu recursos [ilegais da Engevix]. Os fatos são inverídicos", diz a assessoria do peemedebista.

A Engevix acabou saindo do negócio. "O contrato em Angra está vigente, estou trabalhando e recebendo. Eu absorvi o serviço que eles [Engevix] não fizeram. Eu me habilitei, porque eu não posso ficar dormindo", diz Lima.

Em outro caso envolvendo a Engevix, a Argeplan venceu, em consórcio com a empreiteira, uma licitação de R$ 16,3 milhões da Secretaria de Aviação Civil, em outubro de 2014. À época, o ministro era Moreira Franco, próximo de Temer e hoje integrante do governo.

O governo federal informou, porém, que o contrato com a Aviação Civil não chegou a ser celebrado, pois o consórcio foi considerado inabilitado.


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