Folha de S. Paulo


Asfixiado por Aécio e Alckmin, Serra busca projeção no Itamaraty

Aaron Cadena Ovalle/Efe 7.out.2014
SAP01. SAO PAULO (BRASIL), 07/10/2014.- El candidato opositor a la Presidencia de Brasil Aecio Neves (c), acompañado por el gobernador reelecto de Sao Paulo, Geraldo Alckmin (i), y al senador José Serra (d), participa hoy, martes 7 de octubre de 2014, en un mitin en Sao Paulo con trabajadores de la construcción civil como parte de su campaña de cara a la segunda vuelta electoral del próximo 26 de octubre, en la cual enfrentará a la actual mandataria, Dilma Roussef. EFE/Aaron Cadena Ovalle ORG XMIT: SAP01
O senador Aécio Neves, o governador Geraldo Alckmin e José Serra, nas eleições de 2014

"Nem calar, nem escalar". Foi essa a orientação que o agora ministro das Relações Exteriores, José Serra, deu à nova equipe no dia em que chegou à pasta, em sua primeira reunião de trabalho.

Ao fim do dia, emitiu nota contestando cinco países latino-americanos contrários ao impeachment de Dilma Rousseff e que viam a gestão Michel Temer como ilegítima.

Foi a primeira vez em anos que o Itamaraty reagiu enfaticamente contra atos de nações como Cuba e Venezuela. A nota indicou o que Serra tentará fazer na pasta: imprimir uma marca pessoal que lhe garanta projeção no Brasil e no exterior.

Primeiro nome da cúpula do PSDB a defender publicamente o ingresso do partido em um governo Temer, Serra, pessoalmente, hesitou por semanas em aceitar o cargo.

Num gesto típico de seu processo decisório, foi e voltou diversas vezes, pediu conselhos a amigos, disse que não iria. Foi.

Asfixiado no PSDB pelo senador Aécio Neves (MG) e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, vinha tentando desde o ano passado encontrar um caminho para voltar aos holofotes.

Aécio, presidente nacional da sigla, tem apoio hegemônico dos tucanos Câmara e no Senado. Alckmin, por sua vez, governa o maior Estado do país, o que faz dele peso pesado no xadrez político.

Serra se elegeu senador em 2014 com 11,1 milhões de votos, desbancando um veterano, Eduardo Suplicy (PT). A disputa era complicada, contra um quadro histórico do PT e após duas derrotas consecutivas: à Presidência, em 2010, e à Prefeitura de São Paulo, em 2012.

Ex-governador de São Paulo (2007-2010), entrou na campanha para senador meses após sofrer desgaste com as revelações de que um cartel operou em licitações de trens em gestões do PSDB.

Em setembro de 2014, o procurador-geral do Estado arquivou a investigação. Disse não haver "indícios da participação" de Serra em atos ilícitos e que ele agira para evitar "prejuízos".

Eleito para o Senado, aproximou-se do PMDB, em especial do presidente da Casa, Renan Calheiros (AL), o que lhe garantiu a aprovação e relatoria de projetos importantes. Certo dia, indagado sobre a demora na votação de uma proposta, Aécio ironizou: "Pede para o Serra relatar".

A aliança com Renan ampliou especulações sobre a possível migração do tucano para o PMDB para viabilizar sua terceira candidatura à Presidência, em 2018 –o que Serra nega.

Hoje, Aécio e Alckmin despontam como presidenciáveis no tucanato. A mudança daria a Serra chance de também disputar.

PREVISÃO

Em meados do ano passado, quando a crise que dragou o governo Dilma Rousseff começou a ganhar contornos dramáticos, Serra começou a disseminar a previsão de que a petista não chegaria ao fim de seu mandato à frente da Presidência.

Antes, porém, logo após a disputa de 2014, fez o diagnóstico ao então vice-presidente Michel Temer (PMDB): "Você vai assumir, Michel. Ela não vai chegar a 2018".

Serra e Temer se conheceram na gestão de Franco Montoro (1983-1987), em São Paulo. Tornaram-se amigos, não íntimos, mas confiam um ao outro análises políticas e de conjuntura.

Com a crise na antessala de Dilma, o tucano fez uma série de gestos para aproximar Temer do PSDB.

À Folha em dezembro do ano passado, afirmou pela primeira vez que faria "o possível" para "ajudar" uma eventual gestão interina. Semanas depois, também à Folha, Aécio Neves rebateu e condenou qualquer aliança com o PMDB.

A fratura exposta se agravou: Alckmin passou a condenar o ingresso de filiados do PSDB no governo interino.

VOZ DISSONANTE

Serra se tornou voz dissonante no partido. Por mais de uma vez disse que a sigla não poderia apoiar o impeachment e depois lavar as mãos.

Foi ironizado. Correligionários disseram que ele tentava repetir Fernando Henrique Cardoso que, em 1992, assumiu Relações Exteriores e, depois, a Fazenda, no governo Itamar Franco, pós-afastamento de Fernando Collor.

Serra rechaça a comparação. Chegou a ser cotado para a Fazenda, que acabou nas mãos de Henrique Meirelles, também apontado como alguém que sonha ser presidente e a quem Serra criticou de público. Ironicamente, ficou com a pasta que abrigou FHC, no início da gestão Itamar, há mais de duas décadas.

O tucano ganhou uma versão vitaminada do Itamaraty. A quem pergunta, diz que, sob sua batuta, "a política externa vai ser feita de modo a atender aos interesses do país e não de ideologias e conveniências" e mira o comércio exterior como vitrine.

Amigos dizem que o cargo recoloca Serra no "centro da disputa" de 2018. O chanceler desvia do assunto, mas deixa transparecer uma ponta de esperança de que a previsão se confirme. A uma pessoa próxima disse que "isso só vai se saber a posteriori, se as coisas derem certo".

Para responder às críticas de que sua personalidade seria um óbice à diplomacia, vai ao passado. "Quando fui para a Saúde [governo FHC], sem ser médico, quem diria que daria certo?" Foi a gestão na pasta que o credenciou a ser candidato a presidente a primeira vez, em 2002.

Carlinhos Muller
caricatura do Serra

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