Folha de S. Paulo


Direita tenta renascer, mas falta militância, afirmam especialistas

Pedro Ladeira - 03.mar.16/Folhapress
GALERIA DA SEMANA - MAR.03 - QUINTA-FEIRA, 17.mar/2016 - BRASILIA, DF, BRASIL, 17-03-2016: Manifestantes contra o governo da presidenta Dilma, protestam em frente ao Palacio do Planalto apos a posse de Lula como ministro da Casa Civil. Movimento MBL projeta a frase
Manifestantes contra o governo Dilma Rousseff protestam em frente ao Palácio do Planalto

Com o distanciamento da esquerda do governo Michel Temer (PMDB), o setor conservador do país calibra um "renascimento", mas esbarra na falta de respaldo acadêmico e em uma militância pouco consistente, de acordo com pesquisadores.

Desde as manifestações de 2013, apontam, setores começaram a perder a vergonha de ser de direita, um sentimento herdado da ditadura militar. No entanto, essa nova feição ideológica da sociedade civil não se reflete nas forças políticas tradicionais nem na produção intelectual do país.

O brasilianista Timothy Power, da Universidade de Oxford (Inglaterra), observa que movimentos que articulam manifestações de oposição à presidente afastada Dilma Rousseff foram galvanizados pelas redes sociais. Mas a ascensão não foi acompanhada de maior representatividade partidária, o que inclusive serviu de incentivo para que fossem às ruas.

"A gente vê que eles ostentam muita força de mídia, mas carecem de densidade", afirma. "Você não pode comparar o MBL (Movimento Brasil Livre) com a CUT (Central Única dos Trabalhadores), que tem capilaridade, a nível local e nacional, e opera 24 horas por dia, sete dias por semana, o ano inteiro. Não é o tipo de movimento como o Vem Pra Rua, que é nada mais que um site que define data e local de mobilizações."

Power identifica essa tendência como um "neoconservadorismo popular" que prega o liberalismo clássico.

O cientista político Fernando Limongi os considera "radicais de direita, sem muitos pendores democráticos". O professor titular da USP minimiza sua abrangência.

"Não acho que esse grupo esteja em sintonia com as ruas, o que quer que sejam as ruas. Todos os grupos reivindicam o papel de representantes autorizados e legítimos da vontade do verdadeiro povo ou ruas. O MBL é um deles. Não é o único. Mas ninguém sabe qual é a vontade das ruas, nem mesmo se elas são 'liberais'", diz Limongi.

O MBL confia na consistência de sua atuação. Anunciou nesta semana que lançará candidatos nas eleições municipais deste ano sob diferentes legendas.

ACADEMIA

Também na esfera intelectual, aponta-se sub-representação da direta.

"Não vejo posição conservadora estruturada na academia", diz José Álvaro Moisés, diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP. "Por definição, a perspectiva de mundo da academia é crítica e por isso é mais comum ter contingentes [de estudiosos] situados muito mais na esquerda ou no centro-esquerda", justifica.

A "hegemonia da esquerda" na academia se deve à presença ainda marcante do trauma com o regime militar, sugere Power, de Oxford.

"Muita gente ainda associa a direita com tortura e gorilas da repressão. A nova direita tem de se distanciar desse legado, o que fica difícil quando você tem pessoas como [o deputado federal] Jair Bolsonaro [PP-RJ], com discurso pró-ditadura no Congresso", disse o americano.

ESPECTRO POLÍTICO

Acenos de Temer com setores conservadores, como a entrega de áreas sociais a partidos críticos à gestão petista, além da ausência de mulheres e negros no primeiro escalão, recolocaram a esquerda na oposição.

"Se o PT for colocado na esquerda, então o governo Temer representa uma movimentação clara à direita. Tem um viés conservador e direitista", diz Limongi. "Se vai implementar essa agenda, são outros 500 mil réis."

Na interpretação de Moisés, a Presidência interina se situa bem ao centro. "Interessante que o ministério tem gente que integrou o governo Fernando Henrique Cardoso e o governo Lula e também gente do PMDB que não esteve em nenhuma das gestões. A meu juízo, é tipicamente uma situação de centro."

Power enxerga a volta da correlação de forças dos anos 1990, a coalizão reformista de centro-direita de FHC. "Mas a diferença é que FHC tinha muito mais conteúdo programático. Não vejo agenda proativa de Temer, mas uma defensiva para ficar no poder", opina.


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