O novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, 47, defende que o governo de Michel Temer não nomeie obrigatoriamente, para a chefia da Procuradoria-Geral da República, o mais votado em uma lista tríplice por integrantes da carreira.
A Constituição não prevê a eleição interna na Procuradoria, mas a prática foi adotada nos governos do PT, que indicaram para procurador-geral sempre o primeiro da lista. A conduta era elogiada por membros do Ministério Público por em tese garantir maior autonomia ao órgão.
Moraes diz que o poder do Ministério Público é grande, mas não pode ser "absoluto". Afirma o mesmo sobre o direito à manifestação. Ele vai absorver também a Secretaria de Políticas para as Mulheres e diz que a área não sofrerá retrocessos.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
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Folha - Chama atenção os seguidos elogios do novo governo à Lava Jato. No entanto, o presidente interino, Michel Temer, nomeou vários ministros alvos da operação. Não é uma contradição?
Alexandre de Moraes - Eu falo por mim: só elogio quando sou perguntado. Eu fui promotor por mais de dez anos, sempre gostei de investigar. Não tenho nenhuma dúvida de que a Lava Jato é uma belíssima operação porque foi feita com uma estratégia de investigação. A parceria entre Polícia Federal e Ministério Público também fez com que ela tivesse uma efetividade muito grande. A Lava Jato é um símbolo de combate à corrupção.
E os ministros alvos da Lava Jato?
Não vejo contradição por parte do presidente Temer. Quem investiga, investiga um fato. E não pessoas. Se houver fatos que levem a pessoas, não importa se são do partido A, B, ou C –elas serão responsabilizadas. Essa é a determinação do presidente Temer, e ele sabe que esse é o meu modo de proceder. Eu jamais permitiria que o Ministério Público ou a PF escolhessem investigados.
O senhor integrou o governo de SP, do PSDB, que sofre críticas de não deixar nada ser investigado. Barraria CPIs e seria ligado ao MP. Como vai garantir que investigações no plano federal vão continuar?
Eu fui membro do Ministério Público de São Paulo. Ele não é ligado ao PSDB, é independente, não faz vista grossa e é um exemplo para outros MPs do país. Investiga vários casos. A única diferença em relação ao governo federal é que o governo de SP é honesto. E um governo honesto é menos investigado porque não tem escândalos.
E o escândalo de desvio de merenda nas escolas, o da fraude em licitações de trens?
Se há alguém que, aqui e ali, tem um desvio, o próprio governo investiga, como no caso da merenda, e demite. É diferente de um governo que endemicamente pratica a corrupção.
A presidente afastada, Dilma Rousseff, sempre disse o mesmo: sou honesta, quem se desvia é investigado.
O governo [federal] endemicamente fez o mensalão. Na Petrobras, não foi um ou outro servidor que se desviou. Foi a estrutura da empresa. É totalmente diferente.
Mas o PMDB era governo, também está envolvido em desvios da Petrobras e seguirá sendo governo.
Quem conhece o funcionamento do governo federal sabe que o governo era o PT.
Os governos do PT criaram a tradição de indicar para a Procuradoria-Geral da República o integrante da carreira mais votado numa lista tríplice. Vocês vão manter essa regra?
O [procurador-geral da República Rodrigo] Janot foi nomeado há seis meses, ainda tem mais de um ano no cargo [até setembro de 2017]. Por isso eu nunca conversei com o presidente Temer sobre o tema. Mas o meu posicionamento é o de que devemos cumprir a Constituição.
Que não prevê eleição para a formação de uma lista tríplice de candidatos à chefia da Procuradoria.
Não prevê. Prevê que o presidente da República escolha um integrante da carreira para um mandato de dois anos.
Mas nomear o mais votado pela categoria acabou sendo um hábito que virou regra.
O que garante a autonomia do MP, e isso foi muito discutido na Constituinte, não é só a forma de escolha –até 1988, o presidente poderia indicar alguém de fora da carreira do MP para o cargo, agora tem que ser alguém de dentro dela. Mas o que garante a autonomia é a forma de destituição do procurador-geral. Ele tem hoje um mandato de dois anos. E só pode ser destituído se o presidente da República pedir e o Senado aprovar por maioria absoluta.
Portanto, o presidente da República tem essa liberdade constitucional [de indicar o procurador-geral que não foi eleito pela categoria] dentro desses requisitos. Não é algo arbitrário. É uma questão de freios e contrapesos. O poder de um Ministério Público é muito grande, mas nenhum poder pode ser absoluto.
A Polícia Federal também quer indicar o seu diretor-geral por lista tríplice e reivindica autonomia financeira e orçamentária.
Cada agente de investigação, cada delegado, tem que ter total autonomia para investigar, não pode sofrer pressões. Agora, a polícia faz parte da estrutura do Executivo. Se cada órgão se transformar num novo poder, vamos ter uma estrutura anárquica.
A polícia tem um poder importante e muito grande. A Constituição determina que quem escolhe [o diretor-geral] é o chefe do Executivo.
E, no caso, o senhor manterá no cargo o atual diretor-geral, Leandro Daiello.
Nós temos um bom relacionamento, do tempo em que ele foi superintendente da PF em SP. Eu era secretário de Transportes, fizemos algumas investigações nessa área juntos. A primeira pergunta que fiz a ele era se tinha vontade de continuar. Ele está animado, é competente, então vamos continuar.
A bancada ruralista já pressiona Temer para rever demarcações de terras indígenas. O senhor vai revogar declarações de terras feitas pelo Ministério da Justiça pouco antes do afastamento de Dilma Rousseff?
Na sexta (13), meu primeiro dia de trabalho, eu recebi quatro representantes de tribos indígenas. E um dos pedidos deles dizia respeito a demarcações de terras indígenas que foram feitas, se não na correria, no apagar das luzes [antes do afastamento de Dilma]. Eu me comprometi que qualquer reanálise será feita em conjunto e com diálogo.
Se eu vou reanalisar portarias do ministério? Eu vou reanalisar todas as portarias deste ano de todas as áreas. É um procedimento que adoto sempre que assumo um cargo. Agora, sempre, em especial quando isso afeta o direito de terceiros, qualquer alteração tem que ser feita com diálogo, obviamente.
O senhor então pode rever demarcações.
Isso jamais será feito sem um diálogo com as partes envolvidas.
A PF lida também com reintegração de posse de áreas ocupadas por indígenas.
A postura vai ser de cumprimento à Constituição e à legislação. Eu às vezes sou criticado por parte da imprensa por cumprir a lei. O cumprimento da lei, com firmeza, é [visto como] truculência.
Se há uma invasão de índios e a determinação judicial de retirada, toda negociação vai ser feita. Agora, se houver um impasse, a lei vai ser cumprida. O poder público não tem o direito de desrespeitar uma ordem judicial, dentro da razoabilidade e apurando, como eu sempre apurei, qualquer excesso.
Mas não é possível, como alguns defendem, a anarquia total, cada um faz o que quer. Hoje se invade um prédio publico, amanhã se invade, como se invadiu, a Assembleia Legislativa [de SP, ocupada por estudantes], depois o Tribunal de Justiça, depois a casa de qualquer pessoa.
E como o senhor lidará com as manifestações de movimentos sociais?
Qual é o limite entre o direito de manifestação e a repressão a organizações que não estão se manifestando? É a prática de crime. Não importa se o movimento é de direita, de esquerda, de centro, liberal, conservador, para usar terminologias antigas. Todos têm direito de se manifestar. Absolutamente todos.
São Paulo foi exemplo de tranquilidade e segurança nas grandes manifestações, tanto a favor como contra o impeachment.
Então todos têm o direito de se manifestar, sem armas, de forma pacífica e com prévia comunicação às autoridades, à Polícia Rodoviária e à PF. O poder público tem que se prevenir, organizar e garantir que o protesto não fira os demais direitos.
Ou seja, nenhum direito é absoluto. Manifestação em estrada que queime pneus, que por tempo não razoável impeça a circulação [de veículos], não é permitido.
As pessoas precisam trabalhar, se locomover, o país precisa funcionar. Se a manifestação continuar por uma pista [da estrada], segue tendo visibilidade e não ultrapassa todos os demais direitos.
O governo sofre críticas por não ter mulheres no ministério. O Ministério da Justiça incorporou a Secretaria de Políticas para as Mulheres. O senhor já tem algum plano para a área?
Vai ser tratada com total prioridade. Quando fui secretário da Justiça e Cidadania de SP, tive um ótimo contato com a área ligada às mulheres, à questão do racismo, da diversidade. Eu instalei e regulamentei a Comissão LGBT para aplicar multas, sanções e fechamento de estabelecimentos [que discriminam homossexuais].
Em relação às mulheres, eu vou levar para Brasília um estudo, um mapa feito em parceria com o Ministério Público sobre violência doméstica e homicídio de mulheres, e vou replicar no resto do país. Ele demonstra que a violência doméstica, se não for combatida, se transforma em homicídio. Ou morre a mulher ou a mulher acaba, depois de sofrer uma série de violências, matando. Ou, mais trágico, o filho acaba matando o pai.
Então esse programa, ampliado para o Brasil, vai ser um grande programa de proteção à mulher.
Os ministérios ligados às minorias davam maior visibilidade aos problemas. Não era uma questão apenas de orçamento, que deve permanecer igual, pelo que se anunciou.
Se aparentemente perde em visibilidade, as políticas para as mulheres, no tocante à eficácia, vão ganhar muito. Dentro do Ministério da Justiça, a Secretaria melhora a interlocução com a Polícia Federal, com o Judiciário e o Ministério Público.
Em 13 anos do governo anterior, tivemos essa Secretaria [de Política para as Mulheres] com status de ministério e o aumento da violência contra a mulher, no caso dos homicídios. E nenhum plano em relação a isso.
Então vamos começar de cara com essa questão mais importante que é proteger a vida da mulher. Não vai haver qualquer retrocesso. Vai haver um avanço gigantesco em relação à proteção da mulher.