Folha de S. Paulo


FHC fala de 'estelionato eleitoral' na eleição de 1998

Eduardo Anizelli - 25.abr.2016/Folhapress
Fernando Henrique Cardoso na sede de seu instituto, em SP
Fernando Henrique Cardoso na sede de seu instituto, em São Paulo

Fernando Henrique Cardoso admite em "Diários da Presidência - 1997-1998", segundo volume de suas memórias, que seu governo omitiu o maior problema a abalar as finanças do Brasil durante sua campanha à reeleição: o real estava sobrevalorizado, mas falar nisso poderia causar dano eleitoral ao tucano.

Dez dias antes de vencer em primeiro turno a eleição de 1998, com 53% dos votos válidos, FHC registra em suas gravações o que chama de "reflexão ultrassecreta".

"Há um ponto que os críticos não pegaram, só um ou outro economista percebeu. Tudo isso que digo –deficit fiscal e tudo mais– é um pouco meia verdade. Não que não exista deficit a ser combatido, mas a questão que nunca foi posta [pelo governo] é a cambial. É a questão central".

Nas 870 páginas do novo volume da Companhia das Letras, que chega às livrarias no dia 23, FHC realimenta uma das maiores polêmicas de seus dois mandatos. Houve o chamado "estelionato eleitoral" em 1998?

FHC venceu em 4 de outubro daquele ano em meio a uma forte crise externa, fuga de dólares do país (que chegou a US$ 600 milhões ao dia) e juros básicos do Banco Central em 42% ao ano. A taxa hoje, considerada muito elevada, é de 14,25%.

Além de sofrer efeitos do terremoto externo, com epicentro na Rússia, o Brasil padecia com a política de manter sua moeda valorizada desde o Plano Real. O programa vinha estabilizando a inflação desde 1994, evitando que a cotação do real se distanciasse muito da do dólar.

Para manter a moeda americana barata, e o poder de compra do real elevado, a gestão FHC subiu radicalmente os juros, na tentativa de atrair capitais externos e de desestimular a sua fuga.

A estratégia teve forte impacto na dívida pública e exigiria cortes de despesas e altas de impostos à frente.

No livro, fica clara a estratégia de FHC de só passar a falar abertamente da necessidade de ajuste fiscal, com mais impostos, quando as pesquisas (em setembro de 1998) mostravam que ele venceria no primeiro turno.

Passada a eleição, o Brasil tomaria U$ 41,5 bilhões emprestados do FMI e de outros organismos internacionais para recompor suas reservas em dólares. Em contrapartida, o país obrigou-se a cortar gastos e aumentar tributos.

Em 1º de janeiro de 1999, FHC registra ter recebido na véspera ligação de Michel Camdessus, diretor-gerente do FMI. Sentiu-o preocupado com a aprovação do ajuste fiscal e tributário, que enfrentava resistência no Congresso.

Em 13 de janeiro, o então presidente do Banco Central, Gustavo Franco, pediria demissão e o Brasil iniciaria o processo que levou à forte desvalorização do real –assunto que integrava a "reflexão ultrassecreta" de FHC de poucos meses antes.

CITAÇÕES À FOLHA

O segundo volume de "Diários da Presidência" abrange ainda três casos revelados pela Folha. Os indícios de compra de voto para aprovar a reeleição no Congresso; o dossiê Cayman, conjunto de papéis, que depois se comprovou falso, atribuindo a FHC e outros tucanos a posse de dinheiro em paraíso fiscal; e os grampos da privatização do sistema Telebrás.

Os relatos de FHC são majoritariamente críticos ao jornal ao longo dos dois anos.

Em janeiro de 1998, depois do caso da compra de votos, ele diz que "a Folha é hoje um jornal de oposição", que "transforma fatos em crítica".

Diários da Presidência (Vol. 2)
Fernando Henrique Cardoso
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FHC admite a possibilidade de compra de votos, mas repete o que diz há anos: nem ele nem o PSDB tiveram envolvimento na iniciativa.

Sobre o chamado dossiê Cayman, FHC registra que telefonou para o diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho, reclamando: "Fui bastante incisivo com Otavinho: 'Como é que vocês querem que eu me defenda se ninguém acusa? Vocês continuam, dizem que os papéis não têm comprovação, mas publicam... Não entendo qual é a sua lógica e a sua neutralidade!'. Enfim, foi mais um desabafo com Otavinho".

Depois, FHC afirma: "Li a Folha, que estava numa linha mais equilibrada, desmistificando os papéis".


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