Folha de S. Paulo


FHC temia de que caso da compra de votos paralisasse Congresso

Moacyr Lopes Junior - 16.mar.16/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil. 16.03.2016. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante palestra dirigida ao mercado de seguro, no bairro de Moema, na zona sul da cidade. (Foto: Moacyr Lopes Junior/Folhapress - Poder) ***EXCLUSIVO***
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante palestra

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso temia que o Congresso ficasse paralisado e seu governo se tornasse inviável se fosse autorizada uma investigação sobre as denúncias de compra de votos para aprovar a emenda constitucional que permitiu sua reeleição, de acordo com o novo volume dos diários que registram sua passagem pelo poder.

O livro que reúne as lembranças do ex-presidente, que deve chegar às livrarias no dia 23, mostra que Fernando Henrique reagiu com indignação à divulgação das denúncias. Mas não inclui nenhum registro de medidas que o ex-presidente tenha tomado para investigar o caso, que jamais foi esclarecido pelas autoridades.

A Câmara dos Deputados aprovou a emenda da reeleição em fevereiro de 1997 por ampla maioria. Houve 369 votos a favor da proposta e 111 contra, com 5 abstenções. Em maio, quando o projeto ainda estava para ser votado no Senado, a Folha revelou que um deputado do PFL do Acre, Ronivon Santiago, admitira ter votado a favor da reeleição em troca de R$ 200 mil.

Na apresentação do novo volume dos diários, FHC admite a possibilidade de que tenha havido compra de votos, mas diz que não teve qualquer envolvimento com a iniciativa, reafirmando a versão que sustentou publicamente várias vezes nos últimos anos. "[As] compras de votos, se houve –e pode ter havido–, não foram feitas pelo governo, pelo PSDB e muito menos por mim", escreveu.

O líder tucano lamenta o fato de que "as insinuações maldosas continuam até hoje", mas deixa ele mesmo no ar suspeitas de que um de seus principais adversários na época, o deputado e ex-prefeito Paulo Maluf (PP-SP), tenha comprado votos contra o projeto da reeleição.

O segundo volume dos diários de FHC cobre acontecimentos de 1997 e 1998. O primeiro tomo dos diários foi publicado no ano passado. Haverá mais dois volumes, que devem vir a público até o primeiro semestre de 2017. Os diários reproduzem gravações que o ex-presidente fez quase diariamente durante seu governo e foram transcritas depois que ele deixou a Presidência.

Os diários mostram que Fernando Henrique viu as denúncias de compra de votos como uma tentativa de "chantagem" e um esforço para desacreditar um de seus principais operadores políticos, o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, dirigente tucano que vivia em atrito com os líderes dos outros partidos que apoiavam o governo.

"O Serjão tem certeza de que não está envolvido nisso", diz FHC no dia em que as denúncias foram reveladas pela Folha. Sobre o deputado Ronivon, ele afirma: "Cassem logo o rapaz, nem sei o nome dele, é um bando de gente muito perigosa."

O ex-presidente admite a possibilidade de que os então governadores do Acre, Orleir Cameli, e do Amazonas, Amazonino Mendes, tenham dado dinheiro a deputados para agradar o governo. "Se foi feito, foi por conta deles, certamente porque Orleir queria mostrar que a sua bancada era favorável à reeleição", diz. "O método usado nunca veio a meu conhecimento".

Ao narrar os preparativos para a votação da emenda da reeleição, Fernando Henrique menciona diversos episódios em que deputados foram ao seu gabinete oferecer apoio e pediram obras, cargos e pequenos favores. Não há registro de pedidos de dinheiro, e em vários casos FHC sugere ter ignorado os pedidos.

Após a divulgação das denúncias, Fernando Henrique diz que a deputada Rose de Freitas (PSDB-ES) lhe trouxe a informação de que um advogado ligado aos deputados do Acre pretendia acusar Maluf de ter oferecido dinheiro para que votassem contra o governo.

O ex-presidente afirma ter encaminhado o caso a seu ministro da Coordenação Política, Luís Carlos Santos, que teria conversado com o advogado e trazido de volta um relato completo sobre suas alegações. "Dizem até que houve mais barganha pelo lado do Maluf, mas não dá para provar, nem eu tenho interesse nesse tipo de coisa, que só desmoraliza o Congresso", anotou FHC.

Quando a oposição se mobilizou para criar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar as denúncias, Fernando Henrique temeu pelo pior. "Eles pensam que a CPI arrebenta o Executivo; ela arrebenta o Congresso", diz nos diários. "Eu já estou quase no limite de dizer: criem a CPI, porque não quero dar a sensação de que estamos botando sujeira debaixo do tapete."

Para o ex-presidente, a criação de uma CPI era uma ameaça para seu governo: "Eu tenho responsabilidade pública, não quero que essas coisas paralisem o Congresso, além de desmoralizá-lo mais ainda. É uma situação extremamente delicada, extremamente difícil, talvez a mais difícil desde o início do meu governo."

Com maioria confortável no Congresso, o governo conseguiu abafar a iniciativa da oposição e a CPI jamais foi criada. Os dois deputados do Acre implicados pelas denúncias renunciaram para evitar a cassação de seus mandatos. O então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, que merece três citações protocolares no novo volume dos diários, arquivou os pedidos de inquérito sobre o assunto.

Diários da Presidência (Vol. 2)
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Em junho, no mesmo dia em que a emenda da reeleição foi aprovada pelo Senado, Fernando Henrique registrou uma última conversa com Luís Carlos Santos sobre o assunto. Segundo ele, os dois deputados que haviam renunciado estavam chantageando o governo.

"São pessoas de qualificação baixíssima", anotou FHC. "Mas o Luís Carlos não tem nada a ver com esse assunto. São simplesmente informações que chegam a ele, pedidos de providências que ele não tomou, nem deve nem vai tomar, porque não temos realmente nada a ver com gente dessa laia."


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