Se for para espalhar 20 milhões de outdoors pelo Brasil com a frase pintada por Nelinho, ele quer ter participação nisso. "Fala lá para me contratarem", brinca o letrista.
Manuel Candido Filho, 54, o Nelinho, foi quem escreveu em placas de madeira a frase "Não fale em crise, trabalhe".
O painel, afixado à beira da rodovia Castelo Branco, na altura do quilômetro 68, em Mairinque (a 70 km de São Paulo), foi citado nesta quinta-feira (12) pelo peemedebista Michel Temer, em seu primeiro discurso como presidente interino da República.
"Há pouco tempo, eu passava por um posto de gasolina, na Castelo Branco, e o sujeito botou uma placa lá: 'Não fale em crise, trabalhe'. Eu quero ver até se consigo espalhar essa frase em 10, 20 milhões de outdoors por todo o Brasil, porque isso cria também um clima de harmonia, de interesse, de otimismo, não é verdade?", disse.
Tivesse parado no local, Temer teria encontrado um posto desativado, uma loja de móveis rústicos às moscas e uma séria de pequenos negócios sem grande movimento.
É uma parada de caminhoneiros, que conta ainda com uma tapeçaria, um restaurante, uma oficina mecânica 24 horas e um salão de cabeleireiro unissex onde garotas se produzem.
O sujeito que mandou botar ali a placa, no final do ano passado, em um trecho da rodovia onde salpicam outdoors em branco, é João Mauro de Toledo Piza, 71, o Joca, que aluga o espaço para pequenos comerciantes.
"Ele está viajando. Vai ser difícil você conseguir falar com ele", diz o genro Silas Stancanelli, que ajuda a tocar o negócio.
De acordo com a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, Joca está preso desde março deste ano no município de Guareí (SP). Em 2012, ele atirou contra um rapaz por desavenças pessoais e acabou condenado a oito anos de prisão por tentativa de homicídio.
Em 2011, o empresário foi acusado de vender combustível adulterado em seu posto, o Doninha.
Silas dá pistas do que pensa o sogro: "atualmente, não tem ideologia" nem relações políticas, mas não lhe agradava o governo de Dilma Rousseff.
Chegavam-lhe dos inquilinos as notícias de que as coisas se deterioravam. "Alguns atrasaram o aluguel e disseram que o movimento tinha caído", afirma o genro. "Mas a perspectiva dele é de melhora", conta, sobre a mudança no comando do país.
Há alguns meses, os dois conversavam sobre a situação econômica. Joca argumentou: "Todos só falam da onda de crise. Se a gente não trabalhar, vai acontecer". Pintou ali a ideia do letreiro.
"Ele me disse que tinha criado uma frase e pediu para que eu fizesse a placa. Até escolheu a letra, manuscrita, e me deu bronca quando demorou para ficar pronta", lembra Nelinho, em sua oficina mantida permanentemente com portas fechadas.
SEM OTIMISMO
No local, o clima está longe do otimismo que Temer pretende criar com seus 20 milhões de outdoors. Pela placa, por exemplo, o letrista não recebeu nada. O serviço foi abatido no aluguel que teria de pagar a Joca.
"Não dá para pagar o aluguel, de cerca de R$ 1.000. Juntar dinheiro não dá. Estou duro, sem TV, por isso não estou sabendo de nada do que está acontecendo", conta.
Para ele, as coisas já foram bem melhores. Diz já ter pintado em época de eleições, num passado distante, um muro de 300 metros de extensão em Barueri, com o nome do então candidato Paulo Maluf.
Mas aí, lamenta, as prefeituras da região começaram a proibir anúncios publicitários nas ruas, e o mundo se tornou digital, com todas os letreiros sendo impressos em gráficas, o que praticamente aniquilou sua profissão.
Atualmente, não tem condições financeiras de comer carne, porque "com R$ 50 a gente vai ao mercado e não enche nem duas sacolas". Tem se alimentado de "ovo e macarrão". "O tempo bom já foi. Estamos sobrevivendo."
Ao ser informado de que a placa que fez chamou a atenção do presidente interino, Nelinho respondeu, enquanto martelava outra para ser pintada: "Os políticos estão com as frases boas, mas tinham que dividir a grana".
O próximo letreiro que estava sendo feito por ele e que será instalado no posto dirá: "Cuidado: buraco fundo".