Folha de S. Paulo


Pedalada não é pecado venial, diz ministro Gilmar Mendes

Raphael Ribeiro/Folhapress
O ministro Gilmar Mendes, que assume nesta quinta-feira (12) a presidência do TSE
O ministro Gilmar Mendes, que assume nesta quinta-feira (12) a presidência do TSE

O ministro Gilmar Mendes assume nesta quinta-feira (12) a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e afirma que o resultado das eleições de 2014 teria sido diferente se o governo Dilma não tivesse realizado uma maquiagem nas contas públicas.

Apontado como um dos principais críticos do PT, o ministro rebateu a tese da presidente Dilma Rousseff de que as acusações contra ela no processo de impeachment não configuram crime de responsabilidade. "Não se trata de pecado venial".

Abaixo os principais trechos da entrevista.

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Folha - O governo diz que não há justificativa para o impeachment da presidente com base nas pedaladas fiscais e nos decretos que ampliaram os gastos.
Gilmar Mendes - Apresenta-se a questão das pedaladas como se um fosse pecado venial, nada grave. Exatamente esse tipo de maquiagem [nas contas], anestesia, é que permitiu que chegássemos às eleições com quadro de aparente normalidade econômica e permitiu esse resultado catastrófico que temos. Não se trata de pecado venial. Quebrar a estabilidade financeira do país, violar regras básicas significa causar esse mal-estar geral que vivemos.

O sr. concorda com a oposição que fala em estelionato eleitoral?
É óbvio que o resultado das eleições seria outro se tivemos trabalhando com números autênticos quanto a economia, se de fato a realidade tivesse sido revelada em sua inteireza.

O que representa o afastamento da presidente.
É uma decisão política importante, um esforço, uma tentativa para encaminhar uma solução para a grave crise que abate o país.

Pode ser o fim de uma era do PT?
Acho que é um ponto para reflexão que isso fazia parte do DNA partidário, da forma de ser de atuar. Isso é questão séria. Acho que de alguma forma fomos felizes em ter conseguido investigar, revelar e punir esses fatos. Por que nossos órgãos de controle demoraram tanto tempo para perceber distorções graves, criminosas nesse modelo? É uma pergunta que causa embaraço e constrangimento.

O sr. avalia que precisa de ajustes na lei do impeachment?
Eu tenho impressão que passada essa questão impõe-se a aprovação de uma nova lei para o impeachment. Temos que observar que não é coisa excepcional na nossa vida institucional, e seria muito bom que se fizesse uma lei a fim de que não tenhamos essas demandas intensas sobre intervenção do STF.

Há divergências no STF se o tribunal pode ou não julgar o mérito do impeachment. O sr. vê espaço para esse debate?
A exigência de quórum elevado na Câmara e no Senado [para as votações] é a grande garantia de que não haverá aprovação desse processo de impeachment, a não ser que pesem razões graves e o chefe do Executivo não tenha condições de apoio. Do contrário, o próprio constituinte não teria confiado ao Congresso, teria confiado ao STF.

Representantes da OEA dizem que têm dúvidas sobre o processo e podem fazer questionamentos. Pode ocorrer alguma interferência internacional?
Não vejo. Esse processo tem ocorrido com absoluta normalidade. É uma decisão de conteúdo forte, traumática, que afeta o mandato obtido nas urnas. Mas dizer que existe algo de anormal, golpe, parece absolutamente impróprio. Essas mesmas instituições que se mostram preocupadas com quadro de absoluta normalidade não conferem a mesma atenção ao que passa na Venezuela.

Uma semana depois do afastamento do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do mandato e da presidência da Câmara, como o senhor avalia o julgamento?
Eu participei da decisão e sufraguei o voto do ministro Teori Zavaski. O dado que me parece evidente é que o tribunal é uma instituição complexa e há muito relevo nas suas decisões. Este caso não estava na pauta e acabou sendo colocado a partir da provocação de uma ação e do pedido formulado pelo relator [Marco Aurélio Mello]. Acho que foi equivocado o atropelamento que se fez do relator da matéria [Lava Jato], que é o ministro Teori. O tribunal tem que ser um dique de contenção e não elemento de projeção de crise.

O STF deveria ter esperado o fim da fase inicial do impeachment no Senado?
O time teria que ser dado pelo Teori, que tem todos os ônus, recebe todos os processos, conhece todos os inquéritos, a matéria. Acabou sendo um juízo de desvalor em relação ao trabalho complexo [de Teori]. Aí numa decisão quase de caráter panfletário e atropela-se a pauta, sem consultá-lo, não me parece correto.

O senhor assume o TSE em meio a essa grave crise. Qual vai ser o papel da Justiça Eleitoral?
Toda a nossa principal energia será para a boa realização das eleições municipais. Temos grande desafio com esse novo modelo, com limite de gastos, encurtamento do prazo, campanha sem financiamento de pessoa jurídica.

Como ficam as ações de cassação de Dilma e Temer se houve o afastamento da presidente?
A jurisprudência do tribunal considera que a chapa seria incindível. Se houver a cassação, atinge o candidato e também o vice, o que se faz é distinção de atribuição de pena. A questão que se pode colocar se vier a ocorrer o impeachment é se o processo vai subsistir em relação ao vice. Como o tribunal vai se colocar? [...] Cada coisa ao seu tempo. Já temos muitas angustias imediatas.

O senhor tem falado em maior rigor na fiscalização das contas partidárias. Como será?
Nós estamos tentando aprimorar, exigir a observância de aspectos técnicos, cobrando questões. Há uma elevação dos fundos partidários, estamos falando de quase R$ 1 bilhão, e isso exige também uma fiscalização mais rigorosa. Estamos tentando na medida do possível pensar no desenvolvimento de segmentos de inteligência que possa eventualmente antecipar eventuais abusos.


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