Folha de S. Paulo


ENTREVISTA DA 2ª

'Não vamos incendiar o Brasil', afirma líder do governo no Senado

Evaristo Sá/AFP
O senador petista Humberto Costa
O senador petista Humberto Costa

A poucos dias da votação da abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff no Senado, o líder do governo na Casa, Humberto Costa (PT-PE), já adota um tom de oposição ao eventual governo do vice Michel Temer.

Em entrevista à Folha, Costa reafirma o discurso de golpe e de que o governo de Temer será ilegítimo. Diz, entretanto, que, na opinião dele, o PT deve evitar oposição radical. "Não vamos incendiar o Brasil", afirma.

O senador, ex-ministro do governo Lula, faz ainda uma autocrítica em relação a erros cometidos pelo partido e pela presidente. "Dilma é uma pessoa que tem uma dificuldade de dialogar, de ouvir. Ela não se adaptou a um modo de fazer política que existe no Brasil."

Folha - Em relação ao Senado, a previsão é de derrota na quarta-feira (11). Há uma esperança de que Dilma volte após o processo ou é irreversível?

Humberto Costa - Depois que sai [a presidente] e o cara [Temer] tem a caneta, apoio da mídia, não é muito fácil ela voltar, mas é um cenário novo. Acho que dependerá muito de como vai ser o governo dele, a reação dos movimentos sociais, da sociedade. Como presidente da República, não era o que as pessoas queriam. Quem foi para a rua não foi para tirar Dilma e botar Temer.

Setores do PT e de movimentos sociais defendem um comportamento radical em relação a um governo Temer. O senhor concorda?

Primeiro, a gente tem que dizer que vai fazer oposição, não faz nenhum sentido imaginar que o PT vai colaborar com um governo que é fruto de um golpe contra o PT. Não há essa hipótese de sentar para conversar com o Temer. Agora, eu acho que até pelo fato de que o PT foi governo por 12, 13, quase 14 anos, não pode fazer uma oposição como a oposição fez a nós, aquela coisa descompromissada, de quanto pior melhor. Eles vão propor mudar a política do salário mínimo?

Fala-se da possibilidade de Temer procurar o PT para um diálogo após assumir o cargo. Há espaço para isso?

Não vejo não. Não vamos incendiar o Brasil, mas não faz sentido isso. O cara fez parte do nosso projeto, do governo, exerceu influência dentro do governo, e, ao mesmo tempo, fez uma aliança com nosso maior adversário para nos derrubar, e isso cria uma situação muito difícil para diálogo.

Não reconhecemos a legitimidade desse governo, que usurpou o poder, não vejo o PT se dispor a sentar com ele. Lógico que não vamos fazer oposição ao Brasil. Ninguém imagina, ou pelo menos eu defendo, que o PT vai propor pauta-bomba, nem fazer jogo de corporativismo.

Mas o PT tinha um comportamento de "Fora FHC" no governo tucano. Não vai repetir com "Fora Temer"?

Acho que o PT aprendeu com a experiência de governo. Eu defendo que a nossa oposição seja muito em cima de proposta. Não vamos fazer uma oposição em abstrato, como "ah, derruba o Temer". Se a gente quer avançar, vai ter que ser em cima das visões das concepções.

A presidente Dilma propôs a CPMF. Se Temer tentar aprová-la, como vocês vão agir?

Só posso falar por mim, porque o PT vai discutir isso. Temos que denunciar a política que eles faziam antes: "está vendo como estávamos certo?". Entendíamos que, sem novos tributos, você não consegue estabelecer o equilíbrio. Então a oposição que eles fizeram foi hipócrita, irresponsável.

Acho que a CPMF é uma contribuição que afeta menos os mais pobres, mas temos que ver para onde vai isso aí. Pessoalmente acho que a gente pode discutir e aprovar, dependendo para o que seja. Se for para fazer superavit primário, não foi isso que a gente defendeu.

Vocês usam o discurso do golpe, mas onde o governo e a Dilma erraram para chegar a essa situação?

Eu acho que tem os erros do PT. Acho que o PT surgiu do ponto de vista político para construir uma nova cultura política num país que sempre foi marcado pelo mandonismo, fisiologismo, assistencialismo. No entanto, o PT, ao chegar ao poder, de certa forma se adaptou à estrutura existente.

Os governos viravam correias de transmissão dos partidos. No caso do PT, o partido virou correia de transmissão do governo, deixou de propor suas políticas, propostas. O partido foi pelo caminho mais fácil, não enfrentou outras coisas. A questão do monopólio da mídia, da democratização dos meios de comunicação.

Mas o governo do PT se envolveu em escândalos de corrupção, como mensalão e Lava Jato. O tesoureiro e o marqueteiro do partido estão presos. Não houve desvio de conduta?

Pode existir gente que se beneficiou pessoalmente. Ou gente que, mesmo no interesse do partido, possa ter concordado com algumas práticas que nunca foram as que o PT defendeu. Por isso que digo, do ponto de vista estrutural, a questão é essa. É o PT não ter entendido que tinha que ter patrocinado outro modelo, outra cultura.

Quando o senhor fala PT, fala da presidente Dilma também?

Dilma é uma pessoa que tem uma dificuldade de dialogar, de ouvir, é o perfil dela, com todo o respeito. Ela não se adaptou a um modo de fazer política que existe no Brasil. Não estou falando que tinha que fazer qualquer concessão à corrupção, nada disso. Mas no Brasil, nesse modelo de presidencialismo de coalizão, você tem que ter uma relação que tem que conviver e ter ao seu lado gente que pensa e age de maneira diferente.

Tem algumas coisas que são simbólicas na política. Essa coisa de fazer o diálogo, de conversar. Ela não tem esse perfil. É muito diferente de Lula. E infelizmente isso vale muito mais do que a gente pensa.

Mas a culpa não é só da presidente. Existe uma mea culpa da base do governo, não?

Acho que talvez a gente não tenha sido incisivo o suficiente para fazer mudar a maneira de ela [Dilma] pensar.

Talvez porque vocês não acreditavam em reverter o cenário e o PT nunca morreu de amores pela Dilma...

Nós engolimos muita coisa em nome do governo, de apoiar o governo, de estar do lado do governo, de não criar cizânia para não aproveitarem uma eventual divergência.

A nomeação do Lula para a Casa Civil foi um erro?

Acho que foi correto e acho que essa vinda do Lula para o governo deveria ter acontecido há muito mais tempo. Na verdade, o que levou a um agravamento da crise foi tornar público aquelas gravações em relação a Lula, a delação do Delcídio do Amaral. Eu diria que Michel Temer tem que agradecer 50% a Eduardo Cunha e 50% a Sérgio Moro [juiz da Lava Jato] por ele ser presidente agora.

O senhor é investigado pela Lava Jato. Indo para a oposição, não teme o aprofundamento das investigações?

Para mim, não. Há um ano e dois meses uma investigação foi aberta contra mim. Já foram ouvidas dezenas de pessoas, não conseguiram provar nada contra mim, não consigo entender por que esse inquérito não termina.

Lula é nome do partido para as eleições de 2018?

Lula não tem nenhuma obrigação de ser o candidato do PT. Tem toda condição política de dizer que não quer. Foi presidente duas vezes, elegeu a sucessora duas vezes. Ele não tem obrigação.

Lógico que uma pessoa que depois de sofrer o bombardeio que sofreu, ainda hoje ter percentuais nas pesquisas de opinião que são maiores que outros, não é um nome que vai se descartar, mas o PT tem que pensar em outras alternativas.

Uma alternativa seria aliança?

Até o momento não vejo um nome que desponte no campo da esquerda com capacidade de ganhar, mas tem gente boa aí na área, você pega um cara como o Fernando Haddad [prefeito de São Paulo], se ganhar a eleição em São Paulo, vai se tornar um nome nacional, principalmente num momento de dificuldade.

Um nome que respeito na esquerda é o Ciro Gomes, mas não é o perfil que vejo para ganhar. Marina Silva não vejo no campo da esquerda.


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