Folha de S. Paulo


Bispo diz que crença não pode tirá-lo do Ministério da Ciência

Cotado para assumir o ministério de Ciência e Tecnologia em um eventual governo de Michel Temer, o presidente do PRB, Marcos Pereira, diz que é favor de pesquisas com células-tronco e do aborto de anencéfalos e que irá incentivar estudos científicos "sejam eles quais forem".

Especialista em direito penal e bispo licenciado da Igreja Universal, ele nega que sua crença religiosa –por exemplo, o criacionismo– seja um impeditivo para o posto.

"Ministro tem de ser político e gestor. Se for conhecedor do tema, melhor ainda. Mas não é obrigatório", diz.

Victor Moriyama - 25.set.2012/Folhapress
Presidente nacional do PRB, o bispo licenciado da Igreja Universal Marcos Pereira
Presidente nacional do PRB, o bispo licenciado da Igreja Universal Marcos Pereira

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Folha - O PRB foi o primeiro partido a deixar a base de Dilma. Já conversava com Temer à época?
Marcos Pereira - Não. Entendemos que era a melhor coisa a se fazer. Ficarmos livres para apreciar o tema do impeachment.

Quando começaram as negociações com Temer?
Após a aprovação do impeachment na Câmara. E elas seguem. Não está 100% fechado. Ocupar o Ministério de Ciência e Tecnologia é uma possibilidade. Fui chamado por interlocutores de Temer para agradecer os votos [da bancada do PRB no impeachment], para dar os parabéns pela condução da votação. O PRB foi o primeiro partido a deixar a base aliada e o único a entregar 100% dos votos. Mas ninguém está dando nada como certo. Nem que já existe novo governo.

O PRB integrará a base de Temer em troca de um ministério?
Não é uma troca. Porque aí parece que há barganha e que votamos por isso. Votamos porque tivemos convicção de que houve crime de responsabilidade. Temos convicção de que não há golpe. Fomos convidados a participar da construção de um novo governo. Queremos ajudar o Brasil como tentamos, aliás, fazer com esse governo aí. Antes de deixar a base, disse à presidente Dilma: "Sempre quisemos ajudar o Brasil e a senhora. O problema é que o povo que está no entorno da senhora tem dificuldade de ouvir sugestão". Não faz sentido ter ajudado no impeachment e depois não ajudar na reconstrução do país. Cargos são coisas menores e menos importantes. O partido quer ser ouvido. Quer que pelo menos suas ideias sejam discutidas. Não como no outro governo, que fazia ouvidos de mercador.

Em quais áreas o PRB pode contribuir?
Temos bons técnicos, cientistas políticos, economistas. Podemos dar sugestões em diversas áreas.

Falou-se inicialmente que o PRB assumiria a Agricultura. Por que pedir essa pasta?
O agronegócio é hoje um dos poucos setores que continua crescendo, se não for único. Entendemos que poderíamos ajudar. Temos um deputado que hoje é vice-presidente da frente parlamentar da agropecuária, o César Halum.

Por que não deu certo?
Nem tudo que você projeta é possível. Foram-me oferecidas outras opções. Foram feitas duas ofertas: a Previdência Social e Portos. Não aceitamos porque entendemos que não tínhamos grandes identificações com essas áreas.

E com Ciência e Tecnologia há?
É o futuro do Brasil. Se quisermos ser um país de primeiro mundo, temos de investir em ciência, tecnologia e inovação. Temos de investir pesado nas pesquisas científicas de um modo geral, mas principalmente na área de saúde. É importantíssimo para a humanidade. Temos cientistas maravilhosos, mas é preciso ter incentivo. Somos favoráveis a pesquisas. Achamos que o Brasil pode fazer diferença na humanidade com os cientistas que temos, que são de altíssimo nível. O problema é que não há investimento necessário.

Mas orçamento será um problema...
Mesmo com o contingenciamento estabelecido, há recursos que podem ser alocados. É um ministério que tem flexibilização de seu orçamento por conta da emenda constitucional 85. Isso quer dizer que o gestor pode alocar os recursos no que entender que é prioridade. Uma das áreas que queremos alocar, se ocorrer de assumirmos Ciência e Tecnologia, é na área de pesquisa científica.

Assim que surgiu a notícia da oferta da pasta ao PRB, o partido e a equipe de Temer foram bombardeados por críticas. Carlos Siqueira, presidente do PSB, por exemplo, apressou-se em dizer que ciência e religião não combinam. Há conflito pela ligação do PRB com a Igreja Universal?
Conflito zero. Hoje [quarta-feira] tive reunião com Carlos Siqueira para tratar de possíveis coligações municipais. Ele me disse que foi perguntado fora de contexto e, por isso, disse que ciência e religião não deveriam se misturar. E eu concordo. Não combinam. Ciência é baseada na pesquisa. Religião, em dogmas. Elas podem se complementar.
O PRB não é ligado à Igreja Universal. Alguns membros são da igreja, mas a maioria não é. Temos 22 deputados e 9 são da igreja. Em 2012, elegemos 1.204 vereadores. Destes, 70 são da Igreja. José Alencar [que foi vice-presidente de Lula], também fundador do partido, não era da Igreja, mas católico. Celso Russomanno, deputado mais votado do país, é católico. Nós não discutimos religião. Discutimos política. Nunca levei religião para o partido. Não há vínculo.
Fiz a minha monografia da graduação, em 2005, defendendo o tema do aborto de fetos anencéfalos. Defendi que, neste caso, o aborto não poderia ser criminalizado. Totalmente diferente do que as religiões mais conservadoras pregam. Só depois, em 2012, o STF por maioria - e não por unanimidade - decidiu que o aborto de anencéfalo não seria criminalizado. Desde lá, eu já vinha separando as duas coisas. Não vejo conflito nenhum. Se eventualmente acontecer de dar certo, se o futuro presidente me confirmar como ministro, não vou misturar.

Como o senhor vê a reação da comunidade científica?
Vejo com naturalidade. O que é desconhecido causa certa preocupação. É natural do ser humano. Não acho que seguirá, porque as pessoas quando me conhecem veem que sou bem formado, capaz, político, aberto. No Ministério, não se trata de ser técnico ou não. Infelizmente, na história recente, tivemos ministros técnicos e que não deram certo.

A quem o senhor se refere?
Não gostaria de citar, não pegaria bem. Mas posso citar FHC, que não era técnico e deu certo. José Serra, que não é médico e foi um excelente ministro da Saúde. Por quê? Porque são políticos. O ministro tem de ter duas características: ser político e gestor. Se for conhecedor do tema, melhor. Mas não há obrigatoriedade. FHC me disse num jantar, na época em que Joaquim Levy estava à frente da Fazenda e enfrentando dificuldades, que ministro da Fazenda deveria ser político antes de ser economista. Tudo tem de passar pelo Congresso. Os técnicos têm de ser os que estão abaixo do organograma do ministro. Por outro lado, existe uma política pública.

Mas o PRB vai ajudar a construir essa política...
Vai contribuir. Vamos conversar, se der certo, porque tudo ainda está na base da hipótese. Agora, quem dará a linha mestra é o presidente.

O senhor é a favor da pesquisa com células-tronco?
Totalmente favorável. Ela é importantíssima e pode salvar muita gente. Se descobrimos algo inédito e novo, por exemplo, imagina quanto isso pode ajudar à humanidade? Em hipótese alguma serei contra. Até porque o Estado é laico. E o partido também.

O senhor defende o criacionismo. Como vê o darwinismo?
Não defendo. O criacionismo é uma questão de fé. Nasci católico e migrei para o protestantismo. Por causa disso, acredito. Não quer dizer que eu defenda. Isso é uma questão de foro íntimo, algo pessoal que jamais levarei para o trabalho.

O senhor falará com a comunidade científica. Não prevê dificuldades quando questionador, por exemplo, por sua crença em Adão e Eva?
Não vejo dificuldade. É uma questão de foro íntimo. Não vou entrar nesse debate. Quero contribuir com o incremento dos orçamentos para incentivar as pesquisas sejam elas quais forem. Se der certo, no day after, falarei como homem público de forma totalmente imparcial.

Quais área sofrerão enxugamento para que os recursos sejam direcionados à pesquisa?
Preciso estudar o orçamento ainda e conversar com os técnicos. Nem estou confirmado ainda no cargo. Mas, numa conversa inicial que tive com técnicos, já me disseram que é perfeitamente possível.

O PRB pode ficar de fora da Esplanada?
Acho que não. Fiz ontem uma reunião com a bancada justamente para discutir isso. Só um deputado votou para ficarmos independentes. Perguntei quem deveria ser o ministro. E eles entenderam que deveria ser eu, porque uno a bancada e tenho liderança natural e reconhecida.

O bispo Edir Macedo foi consultado sobre a saída do partido da base de Dilma e sobre a adesão ao governo Temer?
Não. Nunca. Ele não se envolve com as questões do partido. A Folha, aliás, publicou que a presidente Dilma o procurou para pedir votos e ele ofereceu oração. Foi o que li no seu jornal.

Nem o senhor pede aconselhamento?
Sobre política não.

O PRB tem quadros para o ministério de Ciência e Tecnologia?
Temos alguns nomes e vamos identificar outros. Não precisa ser filiado para ser indicado pelo partido. Uma coisa quero garantir: todos serão avaliados de forma criteriosa dada a importância e o significado da pasta. Claro, se for essa mesmo.

Se o PRB não tiver ministério, integrará a base do governo Temer mesmo assim?
Sempre digo: base sem subserviência. Não há decisão automática. Vamos discutir e avaliar com ou sem espaço no governo. Vamos votar o que for importante para tirar o Brasil da situação que está. Na minha opinião, quem deixar de votar certas medidas que terão de ser aprovadas fará mal ao país. Reformas de corte de custos, privatizações, concessões... Tudo isso tem que ser aprovado. Sejam quais forem as medidas para que o país volte a funcionar como antes terão de ser tomadas.


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