Folha de S. Paulo


Planilhas da Odebrecht mostram repasses para 'Bobão' e 'Dragão'

Documentos apreendidos na Operação Lava Jato mostram dezenas de pagamentos da empreiteira Odebrecht durante a campanha eleitoral de 2014 a pessoas identificadas apenas com apelidos.

Os repasses são listados por meio de codinomes e não aparecem nomes de políticos ou partidos destinatários do dinheiro.

Entre os destinos de repasses mais citados naquela época estão movimentações descritas apenas como "Operação Dragão" e "Operação Kibe".

Os papéis recolhidos estavam em posse da funcionária da Odebrecht Maria Lucia Tavares, que relatou ter operado pagamentos para o marqueteiro João Santana e foi denunciada pelo Ministério Público Federal nesta quinta-feira (28).

Nos documentos, também há menções a "Feira", que seria Santana, responsável pelas últimas campanhas do PT à Presidência da República. Outros codinomes são Nariz, Melão, Foguete, Chuveiro e Flamenguista.

OBRAS

Em março, a parte desses documentos que identifica os políticos foi enviada ao Supremo Tribunal Federal, devido a menções a autoridades com foro privilegiado. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por exemplo, era apelidado de "Carangueijo".

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) era chamado de "Lindinho" e o ex-governador do Ceará Cid Gomes era o "Falso". Não há como precisar, porém, se os repasses listados aos políticos eram ilícitos ou doações oficiais para campanha eleitoral.

Em uma das planilhas encontradas com Maria Lúcia, há pagamentos de R$ 150 mil em novembro de 2014 para o codinome "Turquesa" referente ao "Projeto Porto Maravilha", construído no Rio. Outro pagamento de R$ 150 mil feito para o codinome "Bobão", na mesma época, se refere a "Canal do Sertão - lote 4".

A Odebrecht não se manifestou sobre o assunto até a publicação desta reportagem.

COMUNICAÇÃO INTERNA

Considerada uma testemunha-chave da 23ª fase da Lava Jato, a funcionária da Odebrecht Maria Lucia, que fechou acordo de delação, revelou como funcionava o dia a dia do Setor de Operações Estruturadas, responsável por fazer pagamentos em dinheiro vivo às pessoas indicadas nas planilhas pelos codinomes.

Maria Lucia disse que desconhecia quem eram os destinatários dos pagamentos por trás dos codinomes, exceto "Feira" –que ela sabia se referir a Mônica Moura, mulher e sócia do publicitário João Santana. O apelido era um trocadilho com o sobrenome do publicitário e a cidade baiana de Feira de Santana.

Toda a comunicação entre os funcionários do setor, seus superiores e os "prestadores" –pessoas encarregadas de "fazer dinheiro", segundo Maria Lucia, e que também utilizavam codinomes– era efetuada por um sistema eletrônico interno da Odebrecht.

O sistema de mensagens utilizava computadores exclusivos, que foram desativados e retirados da empresa em 2015, segundo a funcionária. Para acessá-los, era preciso ter um "login" e uma senha. Era uma forma de evitar conversas por telefone.

Segundo Maria Lucia, havia "prestadores" que ela acionava para fazer os pagamentos em várias cidades do país, como São Paulo, Rio e Recife.

Os pagamentos geralmente seguiam uma "programação semanal", relatou. Para imprimir as planilhas, que Maria Lucia disse não saber por quem eram alimentadas, ela usava outro sistema interno da empresa, o que evitava deixar rastros.

De acordo com a delatora, seu papel era providenciar os pagamentos em reais, enquanto sua colega de sala, Angela Palmeira, fazia operações no exterior, em moeda estrangeira.

Em trecho de seu depoimento, Maria Lucia disse que, por vezes, ouviu de seu superior imediato que alguns pagamentos eram "por ordem do 'chefe', em referência a Marcelo Odebrecht" –dono da empreiteira, preso desde junho de 2015.

Quanto a Mônica Moura, Maria Lucia afirmou ter entregado R$ 500 mil, na sede da Odebrecht, em Salvador, a um homem indicado por ela. Também disse que Mônica foi até seu setor, em uma ocasião, para "levar os dados de uma conta dela no exterior".


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