Folha de S. Paulo


Servidores indicam falhas na merenda; corregedoria de SP não vê prejuízo

Os processos administrativos realizados pela Secretaria da Educação do governo Geraldo Alckmin (PSDB) que resultaram na contratação da Coaf, cooperativa suspeita de fraudar a merenda escolar em São Paulo, foram repletos de falhas que nem mesmo os servidores da pasta conseguiram explicar à Corregedoria Geral da Administração.

Apesar dos problemas, relatório do órgão, de 30 de março, concluiu que não houve prejuízos para o Estado e que não há provas de pagamento de propina. Na semana passada, a Corregedoria informou que, como têm surgido novas suspeitas, instaurou nova investigação.

A Coaf está no centro da Operação Alba Branca, que combate um suposto esquema de fraudes e pagamentos de propina a lobistas, servidores e políticos.

Em relação ao governo, estão sob suspeita duas chamadas públicas –um tipo de licitação menos rígido, permitido para a compra de produtos da agricultura familiar– da Secretaria da Educação.

Fraude da Merenda

A primeira delas, de 2013, foi vencida pela Coaf, mas acabou cancelada pelo governo sem explicação oficial –o que, na versão de ex-dirigentes da cooperativa, forçou pagamento de propina para que fosse aberta nova chamada.

Segundo depoimentos de servidores da Educação responsáveis pela compra da merenda, prestados à Corregedoria, houve um "erro técnico" na chamada pública de 2013, referente à origem do recurso –se seria federal ou estadual–, o que levou ao seu cancelamento. Os servidores, contudo, não souberam explicar por que esse erro técnico não ficou registrado em nenhum documento oficial.

Em 2014, foi aberta a segunda chamada pública, vencida novamente pela Coaf junto com outra cooperativa, a Coagrosol. Desse certame resultaram dois contratos com a Coaf, para fornecer 2 milhões de caixinhas de 200 ml de suco de laranja (a R$ 1,43 cada) e 1,4 milhão de um litro (a R$ 6,10 cada). O total para a Coaf ficou em R$ 11,4 milhões.

Para qualquer chamada pública, é exigida consulta prévia de preços com ao menos três vendedores do mercado, a fim de estabelecer um preço de referência. Nesse caso, segundo servidores, a Educação só consultou dois –justamente a Coaf e a Coagrosol.

A chefe do setor de compras da secretaria, Dione Di Pietro, disse à Corregedoria que tal falha "causa estranheza", mas que não a notou antes. Outra servidora afirmou que "acredita que" o procedimento tenha sido feito às pressas.

Outros dados que, segundo os servidores, tinham que ter sido registrados na ata do certame não constam dos papéis, como a reformulação da proposta da Coaf após ter feito uma composição com a Coagrosol para atender à demanda do governo. Dois servidores "não sabem informar" por que não houve registro.

Uma diretora da secretaria revelou, ainda, que há um processo no Departamento de Suprimentos e Licitações para punir a Coaf, porque deixou de entregar 336 litros de suco de laranja contratados.

DOCUMENTO SUMIDO

Por fim, um ofício enviado pela Coaf à secretaria pedindo reequilíbrio econômico no contrato (aumento de preço) sumiu dos arquivos. Servidores disseram que o documento foi direcionado para o Centro de Nutrição, que não tinha atribuição para analisá-lo. Funcionários desse setor não sabem onde ele foi parar.

No âmbito da Operação Alba Branca, os contratos entre a gestão Alckmin e a Coaf são investigados pela Procuradoria-Geral de Justiça, devido ao foro especial do deputado Fernando Capez (PSDB).

O tucano foi citado como destinatário de propina para sua campanha eleitoral de 2014, conforme delação premiada de Marcel Ferreira Julio, principal lobista da Coaf.

Segundo Marcel, Capez, hoje presidente da Assembleia Legislativa, ligou na sua frente, em 2014, para o então chefe de gabinete da Educação, Fernando Padula, para interceder em favor da Coaf.

Todos os servidores ouvidos, incluindo Padula, e cinco ex-membros da Coaf negaram à Corregedoria que Capez tenha interferido na Educação ou recebido propina.

OUTRO LADO

A Secretaria Estadual da Educação afirmou, em nota, que é vítima da Coaf e está colaborando com a investigação.

Segundo a pasta, diferentemente do que consta dos depoimentos à Corregedoria da Administração, participaram da pesquisa de preço para a chamada pública três empresas –Coaf, Coagrosol e Ecocitrus–, mas a última "declinou da pesquisa por não atender os termos do edital".

"A chamada pública de 2013 foi cancelada porque havia conflito na instrução do processo quanto ao tipo de programa que seria atendido –o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) ou o PPAIS (Programa Paulista da Agricultura de Interesse Social). Em 2014, o processo foi refeito e foi firmado contrato com preços inferiores aos registrados na tomada de preço anterior", afirmou.

Sobre os produtos que a Coaf deixou de entregar, a pasta sustentou que "não pagou pelo que não recebeu".

"A cooperativa deixou de entregar 0,02% do contrato e, obviamente, não foi paga por isso", diz a nota.

A respeito do ofício de reequilíbrio econômico que desapareceu, a secretaria declarou que ele foi protocolado na Cise (Coordenadoria de Infraestrutura e Serviços Escolares). "A pasta já abriu processo interno e está cumprindo as recomendações apontadas no relatório da Corregedoria Geral da Administração".

A Corregedoria, por sua vez, afirmou que instaurou procedimento contra a servidora que perdeu o ofício. Também apura outros servidores.


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