Folha de S. Paulo


No Alvorada, período de votação teve reações de surpresa, revolta e silêncio

Os sorrisos começaram quando o nome foi anunciado. Nem mesmo o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), resistiu. Era a estreia do deputado Tiririca (PR-SP) no microfone do plenário da Casa. "Pelo meu país, meu voto é sim!" Mas Luiz Inácio Lula da Silva, que assistia à votação pela TV, não achou a menor graça.

"Esse cara esteve comigo. Como ele faz isso? Ele ia votar com a gente." De uma das salas de reunião do Palácio da Alvorada, de onde acompanhava a votação ao lado da presidente Dilma e outros aliados, Lula desabafou.

Tiririca, por sua vez, nega que tenha tido contato com o ex-presidente. Disse que seu voto favorável à abertura do processo contra a petista "veio do coração e de acordo com o que acredita".

Durante a votação, assessores de Dilma tentavam mapear os "traidores", não apenas entre deputados do PR, mas também do PP, PMDB e outras siglas. Somente PT e PC do B não traíram o governo. Concluiu-se ali que "o vento das ruas" não estava com a presidente e que o clima no plenário, favorável ao impeachment, influenciava deputados como Tiririca, que foi ovacionado pela oposição após dizer "sim".

Mas não foi só isso. Aliados de Lula e Dilma reconheciam os riscos de terem feito negociações de última hora, no chamado "varejo", no qual parlamentares dissidentes eram chamados pelo governo ou pelo ex-presidente e ouviam promessas de espaço e cargos caso ajudassem a barrar o impeachment.

Principal agente dessa articulação, Lula falava pouco. Assistiu à votação fazendo comentários pontuais, principalmente sobre as traições.

Enquanto Dilma, segundo relatos, estava serena, como que "consciente" do momento pelo qual estava passando.

SILÊNCIO ABSOLUTO

Mas o semblante da presidente mudou no momento em que Jair Bolsonaro (PSC-RJ) se aproximou do microfone do plenário da Câmara.

Dilma apertou as mãos nos braços da cadeira em que estava sentada e ouviu o deputado dedicar seu voto a favor do impeachment: "Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff".

Fez-se silêncio na sala. Morto em outubro de 2015, Ustra foi chefe do DOI-Codi em São Paulo, órgão de repressão política, e o primeiro militar condenado pela Justiça como torturador.

Dilma se levantou e, sozinha, caminhou até um corredor que leva à saída da sala. Parou perto de uma estante. Era observada pelos cerca de 20 convidados, entre ministros e governadores, que acompanhavam a votação ao lado dela. Eles se entreolharam, mas ninguém falou.

A presidente então chamou Ricardo Amaral, autor de sua biografia autorizada e uma das pouquíssimas pessoas com quem Dilma falou sobre as sessões de choques e pau de arara que sofreu quando foi presa, durante a ditadura, por sua atuação contra o regime.

Ela estendeu um livro ao amigo, mas não quis falar sobre o assunto.

Aqueles 56 segundos que duraram o voto de Bolsonaro mexeram com Dilma, e foram necessários alguns minutos para que as conversas voltassem a fluir entre ela e os convidados.

RESPONSABILIDADE

Um dos principais comentários da presidente era sobre os argumentos dos parlamentares ao votar em favor de seu impeachment. "Falam sobre Deus, sobre a família, mas não tem discussão sobre o crime de responsabilidade".

As chamadas "pedaladas fiscais", que configurariam crime de responsabilidade fiscal por parte de Dilma, são o ponto central do processo de seu impedimento.

Cansada após quase seis horas em frente à TV, Dilma agradeceu a Lula e aos convidados e decidiu descansar.

Trataria de escrever seu pronunciamento desta segunda-feira (18) somente pela manhã. Precisava estar com a cabeça fria.

PLACAR DO IMPEACHMENT NA CÂMARA )


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