Folha de S. Paulo


Em depoimento como delator, Cerveró envolve Renan e Cunha no petrolão

O ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró acusou os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha, ambos do PMDB, de envolvimento em irregularidades na contratação de navios-sonda da estatal. Cerveró prestou nesta segunda-feira (18) seu primeiro depoimento como delator da Operação Lava Jato ao juiz federal Sergio Moro, em Curitiba, e chorou.

Ao ser questionado sobre o lobista Jorge Luz, que atuava na Petrobras, o ex-diretor disse que Luz tinha sido "o operador que pagou US$ 6 milhões" referentes à sonda Petrobras 10.000, contratada junto à multinacional Samsung Heavy Industries. "Foi o Jorge Luz o encarregado de pagar o senador Renan Calheiros, o senador...", disse.

Neste momento, Moro interrompeu a fala, em que Cerveró citaria o nome de outro congressista, argumentando que o assunto não fazia parte da ação penal em questão. Como Renan tem foro privilegiado, investigações sobre ele dependem de autorização do STF (Supremo Tribunal Federal) e ficam a cargo da Procuradoria-Geral da República, em Brasília.

Em outro trecho do depoimento, Cerveró disse que a multinacional havia prometido propinas de US$ 20 milhões, que não foram pagas, na negociação de um contrato de uma das sondas.

"Só depois de vários anos, o [lobista] Fernando Soares [o Baiano] conseguiu, através de um apoio do deputado Eduardo Cunha, receber parte da propina devida dessa segunda sonda", afirmou.

Cerveró disse a seguir que mencionava o assunto apenas como um "parênteses", e não deu mais detalhes –Cunha também tem foro privilegiado.

Ao fim do depoimento, ele pediu desculpas ao juiz por ter mentido sobre offshores em depoimentos anteriores.

O ex-diretor chorou ao mencionar "o esforço e a coragem" do filho, Bernardo Cerveró, quando relembrou o episódio em que Bernardo gravou uma conversa com um advogado e o senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) em que o parlamentar sugeria a fuga de Cerveró para o exterior. "[Ele] Teve a frieza de ficar uma hora e meia conversando", disse.

Também pediu desculpas à sociedade e à Petrobras, empresa na qual trabalhou por 40 anos. Moro, ao encerrar o depoimento, concordou com Cerveró. "Seu filho realmente foi bastante corajoso, merece os elogios do senhor."

PRESIDÊNCIA DA PETROBRAS

A ação penal, na qual Cerveró é um dos réus, aborda o empréstimo de R$ 12 milhões do banco Schahin ao pecuarista José Carlos Bumlai. A transação, segundo a Lava Jato, teve como destino final o PT.

A suspeita é de que a Petrobras tenha entregue ao grupo Schahin a operação de uma sonda. Em troca, a dívida do partido foi perdoada.

Cerveró confirmou essa versão e disse que o então presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, teve envolvimento direto no caso. Segundo o ex-diretor, Gabrielli disse a ele que o PT tinha uma dívida de R$ 50 milhões com o banco Schahin que precisava ser "resolvida".

"Ele usou o poder de presidente e determinou que eu ficasse encarregado de resolver a dívida do PT", afirmou o delator.

O caso, segundo o depoimento, não envolveu pagamentos em dinheiro: "a propina era a liquidação da dívida" do partido. Um dos donos do grupo Schahin, Salim Schahin confirmou essa versão na semana passada.

DEPOIMENTO DE BAIANO

Ouvido também nesta segunda, o lobista Fernando Soares, o Baiano, delator na Lava Jato, confirmou ao juiz Moro vários pontos do depoimento de Cerveró.

Segundo Baiano, Bumlai o procurou em 2006 para tentar destravar contratos do grupo Schahin com a Petrobras. "Ele [Bumlai], inclusive, me relatou que até o próprio presidente da empresa na época estava tentando ajudar nessa contratação, mas não estava tendo êxito. [O presidente] Era o José Sergio Gabrielli", disse.

Ainda sem saber qual era o interesse de Bumlai nos contratos entre Schahin e Petrobras, Baiano relatou que intermediou encontros entre diretores da área Internacional da estatal com a cúpula do grupo. Posteriormente, o próprio Bumlai teria lhe revelado que a contratação seria uma forma de quitar um financiamento, feito pelo PT junto ao banco Schahin, para pagar dívidas de campanha de 2002. O pecuarista lhe contou que fora avalista do empréstimo e estava sendo cobrado.

Baiano disse que ouviu a mesma história em uma reunião com os sócios do grupo Schahin, Salim e Milton Schahin. "Nessa reunião se falou que isso [a operação do navio-sonda Vitória 10.000] seria uma forma de quitar o empréstimo", relatou o lobista, acrescentando que tal encontro foi em 2006.

Mesmo com seus contatos com a área Internacional da Petrobras, segundo Baiano, estava difícil de fechar o contrato com o grupo Schahin. Um dos motivos era uma espécie de "cláusula de leasing" que previa que o grupo pudesse adquirir a sonda, ao final do contrato, por um preço baixo.

Diante dos impasses, Baiano disse que levou Eduardo Musa, ex-gerente da Petrobras, para falar com Bumlai e explicar a situação. Nesse encontro, relatado pela primeira vez, o pecuarista teria dito que ia resolver os problemas conversando com Gabrielli e com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva –de quem Bumlai é amigo.

OUTRO LADO

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse, por meio de sua assessoria, que a afirmação de Cerveró já faz parte de uma denúncia aceita pelo STF, que foi rebatida e desmentida pela defesa do deputado.

Procurado, Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, disse que já negou publicamente e também em depoimentos à Lava Jato, feitos na condição de testemunha, qualquer envolvimento em negociações ilícitas para contratações na estatal. Afirmou ainda que não existiu a conversa mencionada por Cerveró.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), negou as acusações e disse que já prestou os esclarecimentos necessários.


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