Folha de S. Paulo


Eventual novo governo deveria desmontar medidas de Dilma, diz economista

O primeiro passo de um eventual novo governo deveria ser o desmonte de medidas adotadas por Dilma Rousseff, como subsídios a setores escolhidos.

Essa é a opinião do economista José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade Columbia e professor emérito da Universidade Princeton, nos EUA. Segundo ele, a repetição de erros no Brasil o faz lembrar o filme "Feitiço do Tempo", em que um homem vive o mesmo dia diversas vezes.

Scheinkman cita como exemplo intervenções econômicas implementadas pela presidente Dilma Rousseff que, segundo ele, já tinham sido feitas sem sucesso por Ernesto Geisel (presidente do Brasil entre 1974 e 1979).

Um dos autores, em 2002, do documento "Agenda Perdida" –que diagnosticava desafios do Brasil para atingir o crescimento sustentado–, Scheinkman defende a revisão de privilégios que criam distorções econômicas.

É o caso, segundo ele, do Simples (regime tributário que beneficia pequenas empresas). "É impossível um país em que um engenheiro que trabalha para uma empresa de construção pague um Imposto de Renda sobre seu salário maior do que um advogado que forma sua própria empresa", afirma.

Leia a seguir a entrevista.

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Folha - Quais são as medidas urgentes que um eventual novo governo deverá tomar?
José Alexandre Scheinkman - Hoje, no Brasil, podemos pensar em problemas com diferentes horizontes. No mais curto prazo, é preciso remover o que restou da chamada nova matriz macroeconômica, como os subsídios a setores escolhidos que prejudicaram ainda mais a eficiência da economia. São as questões, em certo sentido, mais fáceis de resolver.

Num segundo horizonte, mas também muito importante, nós temos um problema fiscal em que a taxa de aumento das despesas do governo excede a da arrecadação e nos levou a um deficit primário. Se nada for feito, esse deficit ainda vai piorar. Precisamos de reformas que envolvam desde a Previdência até a remoção de privilégios a alguns setores. Isso tudo tendo o cuidado de manter os gastos fiscais que são importantes para o país, como o Bolsa Família.

No curto prazo, um aumento de impostos é inevitável?
Não acho que seja inevitável. Se fôssemos aumentar impostos, acho que deveríamos procurar aumentar os de melhor qualidade, como o imposto do combustível, que diminuiria o uso de automóveis e a poluição.

A CPMF é um imposto particularmente ruim. Mas acho que o grande problema no Brasil atualmente é que há certas categorias que pagam muito menos impostos do que outras. Com o Simples, temos uma distorção enorme pela qual muitos profissionais liberais pagam uma taxa muito menor do que quem trabalha em uma empresa.

Outro problema é o ICMS. Você tem uma porção de setores que têm dispensa de pagamento.

Vamos primeiro fazer os impostos muito mais horizontais e, depois, pensar se precisamos realmente aumentar impostos.

Muitas medidas envolvem retirar privilégios de certos grupos. Há consenso na sociedade para isso?

A gente tem que torcer para que exista. É impossível um país em que um engenheiro que trabalha para uma empresa de construção pague um Imposto de Renda sobre seu salário maior do que um advogado que forma sua própria empresa. Um país desses vai ter problemas.

Cacalos Garrastazu - 21.ago.2003/Valor
O economista José Alexandre Scheinkman
O economista José Alexandre Scheinkman

O que nos levou à crise atual?
A crise de 2009 nos países avançados associada ao aumento do preço de commodities pela demanda da China convenceu muitas pessoas –não foi só o Lula e a Dilma, mas outros como Hugo] Chávez [ex-presidente da Venezuela], [Vladimir] Putin [presidente da Rússia]– de que eram gênios da economia. Para o Brasil, esse foi o período da nova matriz macroeconômica, que aumentou as distorções, aumentou os problemas fiscais e foi a origem próxima da crise.

Aumentaram subsídios a certos setores, os preços da eletricidade e da gasolina foram congelados, o governo adotou uma nova forma de cálculo do salário mínimo, aumentou a proteção a certas indústrias.

A nova matriz macroeconômica também passou a ignorar a disciplina fiscal. Teve também o problema do Banco Central, que, a cada ano, prometia que no ano seguinte estaríamos no centro da meta [de inflação]. Tudo isso levou a uma desorganização da economia.

A expansão em meados dos anos 2000 ocorreu por que?
O Brasil deu certo por um tempo porque houve melhorias institucionais. Isso começou com a abertura da economia na década de 90. A agricultura brasileira se tornou muito mais competitiva durante esse período, ela ganhou escala. O governo já tinha introduzido nos anos 80 investimentos em tecnologia, por meio da Embrapa, e isso começou a dar frutos. Você teve o Plano Real, privatizou setores em que havia grande ineficiência, como telefonia. Houve ainda a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal e a adoção do regime de metas de inflação. Toda vez que você tem mudanças positivas desse tipo ocorre um ganho na economia.

Desde a Constituição de 1988, também passamos a investir mais em educação. Embora seja possível reclamar da qualidade da força de trabalho, ela é melhor do que era antes. Mas, a partir de 2009, houve passos para trás.

Como ficou o saldo disso?
Acho que em alguns setores retrocedemos. A indústria de petróleo, por exemplo, depende da Petrobras, que foi totalmente desorganizada.

O Brasil tem ainda um problema de produtividade sério que forma uma terceira agenda, de longo prazo. O mais importante nesse momento é que precisamos melhorar muito nossa infraestrutura. Precisamos também nos abrir mais para o resto do mundo.

O sr. acha que a possível troca de governo cria espaço para iniciar essas reformas?
Esse governo que está aí mostrou uma total inabilidade de convencer até seu próprio partido, o PT, da necessidade das reformas. Não sabemos como um eventual novo governo será montado.

O quão atual é a "Agenda Perdida"?
Aquilo foi uma compilação de ideias de várias pessoas. Houve pontos nos quais avançamos, como a área do crédito, a discussão dos programas sociais. Houve uma reforma da Previdência Social no setor público.

Outras ideias continuaram esquecidas. Fizemos pouco progresso, por exemplo, na questão da abertura da economia brasileira, na melhoria da infraestrutura.

O documento teve um papel positivo naquele momento. Mas tem muitos trabalhos de economistas feitos antes e depois daquilo que são relevantes para qualquer governo hoje em dia. Não faltam boas ideias.

E por que essas ideias não são implementadas?
Não entendo bem. Tem um filme que aqui se chama "Groundhog Day" ("Feitiço do Tempo"), em que o sujeito acorda sempre no mesmo dia, no mesmo dia. E a gente se sente assim com essas discussões. Eu fico impressionado que a gente volte a essas discussões dos anos 70. O [Ernesto] Geisel fez aquela política do Brasil Grande, a Dilma faz um programa de Brasil Grande. Não deu certo com ele, não voltou a dar certo, nunca vai dar certo.


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