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Margem para o PT tentar fugir do desmonte é estreita

Ariel Severino/Editoria de Arte/Folhapress
AnáliseMargem para o PT tentar fugir do desmonte é estreita

O virtual começo do governo de Michel Temer (PMDB) na noite do domingo (17) evidencia o fim dramático do projeto de poder do PT, hegemônico no país desde as eleições de 2002.

Com sucesso de imagem indiscutível até 2013, a sigla possui agora uma estreita margem de manobra para buscar fugir do desmonte.

A desgraça de Dilma Rousseff é, paradoxalmente, a esperança momentânea do PT. Mesmo que ela obtenha uma improvável reversão do processo de impeachment no Senado, até porque agora o polo magnético do poder se deslocou do Palácio da Alvorada para o do Jaburu, suas agruras fornecem um roteiro imediato para o partido.

A sigla poderá aferrar-se ao discurso de que sofreu um golpe ao mesmo tempo em que se distancia da impopular presidente, em um processo que colocará sua primeira e última estrela no que já foi anunciado como uma campanha permanente.

Trata-se de Luiz Inácio Lula da Silva. Paradoxalmente, a dependência da figura do popular ex-presidente levou à consequente e histórica falta de lideranças capazes de promover uma renovação imagética da legenda.

Não ajudou o fato de que o petista organizou seu partido como um sindicato, tolhendo lideranças emergentes.

Sua única preposta autorizada, Dilma, até tentou cultivar uma imagem de autonomia calcada na caneta presidencial. A dinâmica entre ela e Lula quase levou ao rompimento, mas ambos acabaram a história abraçados.

O petista tentou seduzir como ungido o então aliado Eduardo Campos (PSB-PE), só para vê-lo ir à oposição e morrer em um acidente de avião em 2014.

Em comum e significativamente, Dilma e Campos não eram petistas de raiz. Quadros da burocracia partidária, como o prefeito paulistano Fernando Haddad, fracassaram em ampliar seu leque de apoio e enfrentam enormes dificuldades na eleição de outubro.

Outros nem chegaram lá, como o ex-ministro Alexandre Padilha, e ainda há os que estão enrolados fatalmente na Justiça, como o governador Fernando Pimentel (MG). O grupo do ministro Jaques Wagner, se não for colhido pela Operação Lava Jato, tende a encastelar-se na Bahia.

A debandada de prefeitos e vereadores do partido na preparação para o pleito municipal é só um sinal da implosão já em curso. A perda do poder federal, se consumada, empurrará o PT para uma posição de nicho que já ocupou no passado: do partido de "operários e intelectuais", passará a ser o de "ex-comissionados e hipsters".

Há o agravante de que Lula, ainda com grande capital de popularidade, está desidratado. Prova disso foi o fracasso da articulação que tentou transformá-lo em superministro e a correria malsucedida para evitar a derrota na Câmara.

Mais grave é a maré de notícias ruins que o espera na seara judicial, que todas as informações disponíveis sugerem ser violenta. Lula terá de dividir seu tempo entre o palanque de denúncia do que chama de golpe e explicações a investigadores.

Os outros fatores de dificuldade do PT falam por si: a associação imediata da sigla com a palavra corrupção e a dissolução econômica e institucional que seus últimos anos de governo legaram.

Se não inventou a corrupção, o que é óbvio, as gestões petistas deram à luz esquemas como o petrolão, que emprestaram ares épicos e sofisticados à prática.

São barreiras superáveis em tese, e o Brasil é um país que desautoriza obituários políticos, mas as condições objetivas são duras e o histórico de repetição de erros não inspira bom prognóstico.


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