Folha de S. Paulo


Sem-teto encaram 16 h de viagem para engrossar coro contra impeachment

Através da janela, viam-se os barracos feitos de plástico e pedaços de pau que tomam um terreno de 178 mil m² na Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo. Há menos de um mês, 4 mil famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ocuparam a área, que pertence à construtora Paez de Lima.

Às 15h57 do sábado (16), numa escada encravada na terra batida da ocupação, seis pessoas acenavam aos 180 companheiros que partiram em quatro ônibus para 16 horas de estrada rumo a Brasília. Foi quando alguém nos fundos gritou: "nós vamos fazer história".

Nesse momento, Zelidio Barbosa, 38, um dos coordenadores do ônibus que a reportagem da Folha acompanha, alertou os passageiros: "Nossa luta é no domingo. Por isso, se nas paradas [da viagem], algum coxinha provocar, apenas ignorem, companheiros. Não revidem. Virem as costas e permaneçam juntos. Eles têm bons advogados, o apoio da mídia, e qualquer confusão cai na nossa conta."

Recado dado, a viagem seguiu rumo —ao final, terá percorrido uma distância de 1.010 quilômetros—, entre um pagode e outro, e gritos de "MTST, a luta é pra valer". Até um "vai, Corinthians" surge em determinado momento, mas foi um grito isolado.

Antonio Maia, desempregado de 56 anos de vida e um mês de militância, não entoou grito de guerra e não cantou pagode algum. Estava ocupado com uma vasilha cheia de farofa e frango.

DEZ MIL

Além de 15 ônibus da caravana de São Paulo —que foi financiada por entidades sindicais, mas cujos nomes e valores não foram revelados à reportagem—, o MTST aguarda 10 mil militantes na capital federal no domingo (17), dia da votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados. O movimento faz coro às vozes que são contra o impedimento da presidente, mas, segundo alguns militantes, nem por isso é a favor de Dilma.

"Não é apoio ao governo dela", diz José Carlos Lima, 49, motorista de caminhão de betoneira que faz parte do movimento há um mês. "Apesar de sempre ter votado no PT, eu tenho críticas a ela. Mas a viagem é pela manutenção da democracia e de programas sociais, como o Bolsa Família."

Maia vê no processo de impeachment uma manobra política. "Nenhum presidente tem competência de fazer algo errado sozinho", diz. "E nenhum político, se investigado, está limpo. E o Eduardo Cunha [deputado federal pelo PMDB-RJ e presidente da Câmara] é o pior deles", diz Maia, que nunca votou e não tem partido de afeição.

A caravana do MTST, que ainda está na estrada, deve chegar em Brasília às 7h do domingo.


Endereço da página:

Links no texto: