Folha de S. Paulo


Supremo rejeita primeira contestação a rito do impeachment

A maioria do STF (Supremo Tribunal Federal) validou nesta quinta-feira (13) trecho do regimento da Câmara dos Deputados que prevê que votações nominais devem iniciar com deputados de Norte para o Sul, e vice-versa.

Essa foi a primeira derrota do governo que, com o aumento da pressão pelo impeachment, decidiu recorrer ao Supremo para tentar barrar a votação do pedido de afastamento. A Advocacia-Geral da União e deputados governistas ingressaram com sete ações.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) usou artigo do regimento interno para definir o sistema de votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, no domingo (17).

A ordem da votação importa porque o placar parcial no domingo pode representar uma pressão de última hora sobre os ainda indecisos. Para os governistas, Cunha quer criar uma "onda" favorável ao impeachment durante a votação.

Os ministros, no entanto, ainda vão discutir duas ações que questionam esse modelo. Ou seja, se a votação deve seguir por bancadas, alternadamente, ou chamando a cada vez um deputado do Norte e outro do Sul.

Inicialmente, o plenário do STF analisou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pelo PCdoB, integrante da base aliada do governo, que questionava a legalidade do artigo do regimento que fixava a votação Norte-Sul.

Os ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello negaram a concessão de uma liminar (decisão provisória) para suspender a aplicação do artigo do regimento. Esses integrantes do Supremo não viram flagrante inconstitucionalidade na norma para justificar a liminar.

Teori rejeitou o argumento de que a votação estadual intercalada vá provocar um efeito cascata. O temor do governo é que o início da votação pelo Sul gerasse uma onda a favor do impeachment.

"Se a votação é nominal e simultânea, sempre haverá geração do efeito cascata. A consequência para eliminar o efeito cascata seria eliminar a própria votação nominal. Não vejo aqui relevância do direito, e a inexistência de relevância do direito já é uma razão para indeferir", justificou.

O ministro Luiz Fux criticou interferência do Judiciário no Legislativo. "Não vamos agora ditar regras como deve se comportar o parlamentar. Como deve ser a norma regimental. Isso representa antítese à cláusula pétrea dos Poderes", disse.

Gilmar Mendes atacou a judicialização da questão. "A titular do cargo não tem mais condições de ser presidente. É curioso. Poderíamos caminhar para o deferimento da liminar no sentido de mudar a forma de votação. No momento seguinte se verificará: ah, mas não era o que queríamos. Não queríamos essa concentração, agora estados do Sul estão despejando votos contrários. Para jogador ruim, até as pernas atrapalham."

Presidente do STF, Ricardo Lewandowski negou interferência na Câmara no julgamento. "Não se trata de afrontar princípio da separação dos poderes. Muito menos está se faltando com a devida deferência aos parlamentares. O que se pede então aqui, o que é perfeitamente plausível, é que o poder Judiciário tem obrigação de dar uma resposta quando provocado", disse.

Relator do caso, o ministro Marco Aurélio defendeu votação por ordem alfabética. Luiz Edson Fachin e Lewandowski votaram para que fosse chamando a cada vez um deputado do Norte e outro do Sul, e vice-versa. O ministro Luis Roberto Barroso votou para que fosse a ordem de Norte-Sul, com as bancadas chamadas alternadamente, respeitando a latitude das cidades.

Duas ações ainda pedem para que o Supremo suspenda a votação do processo marcada para o domingo, sob o argumento de que o parecer do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), que recomendou a admissibilidade da denúncia por crime de responsabilidade da petista, estava viciado de irregularidades. Isso porque teria ultrapassado os limites da acusação, incluindo a delação do senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) e fatos estranhos.

MUDANÇA

Diante da pressão de deputados governistas que foi parar no STF o presidente da Câmara, alterou a ordem de votação do impeachment no plenário anunciada na última quarta (13), e divulgou que seguirá a ordem Norte-Sul, alternada por Estados.

O peemedebista, no entanto, ainda deixou a região Nordeste, onde Dilma Rousseff tem mais apoio, por último.

A decisão, anunciada na véspera do início do processo de debates e votação no plenário pelo primeiro-secretário da Câmara, Beto Mansur (PRB-SP), foi imediatamente contestada pelos governistas.

"É mais uma manobra de Eduardo Cunha, porque ele sabe que não tem votos para aprovar o impeachment", disse Orlando Silva (PC do B-SP).

Pela nova ordem, o primeiro Estado a votar será Roraima, seguido do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Isso ocorre porque, segundo o entendimento de Cunha sobre o regimento, devem ser chamados um Estado do Norte e do Sul e depois vice-versa (Sul e Norte). Dentro dos Estados, a ordem de votação dos deputados será a alfabética.

"A regra é clara no sentido de que a alternância se dá na própria votação, iniciando-se a chamada pelo Norte ao Sul, alternadamente e vice-versa", diz Cunha na decisão, que foi negociada com partidos de oposição.

Quando se esgotarem os três Estados do Sul, seguirão alternando os do Norte com os do Centro-Oeste, e depois com os do Sudeste. Os Estados do Nordeste entrariam por último, seguindo os do Norte no revezamento.

Isso fará com que os cinco últimos Estados sejam do Nordeste: Paraíba, Pernambuco, Bahia, Sergipe e Alagoas. Segundo levantamento da Folha, nestes cinco, 26 dos 93 votos (28%) são contrários ao impeachment –índice bem maior do que em outras regiões.

A Bahia é o que tem cenário mais favorável a Dilma: 16 dos 39 votos (41%) são contra o afastamento e 14 a favor.

Nos três Estados da região Sul, ao contrário, 75% dos 77 votos são a favor do impeachment.

Na nova ordem, também se concentram mais deputados indecisos nos cinco últimos Estados do que nos seis primeiros.

(MÁRCIO FALCÃO, GABRIEL MASCARENHAS, ISABEL FLECK, RANIER BRAGON E DEBORA ÁLVARES)


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