Folha de S. Paulo


STF pode ser instado a interferir no impeachment, diz Ayres Britto

Pedro Ladeira - 17.mar.2016/Folhapress
Carlos Ayres Britto, ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal)
Carlos Ayres Britto, ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal)

Em sabatina promovida pela Folha na noite desta terça-feira (12), o ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Ayres Britto, 72, disse ser "previsível que o tribunal seja instado a intervir no rumoroso processo de impeachment".

"Nesse pressuposto de a Câmara escolher um rito de votação que viole a Constituição, por exemplo, o Supremo estará de "standby", pronto. O tribunal estará permanentemente à disposição das partes", afirmou.

Para o ex-presidente da mais alta corte do país, "não há elementos suficientes para dizer se esse impeachment tem de ser abortado. Não me animo a dizer isso".

Ayres Britto foi entrevistado no auditório da Folha por Mônica Bergamo, colunista do jornal, Fernando Canzian, repórter especial, e Uirá Machado, editor de "Opinião".

Por diversas vezes os entrevistadores buscaram a opinião de Ayres Britto sobre o processo de impeachment contra Dilma Rousseff e sobre as alternativas de poder no país, mas o ministro aposentado não se posicionou.

"Não gosto de analisar casos, fatos. Prefiro temas, conceitos. É de minha natureza ver as coisas com tecnicalidade", declarou.

Atualmente exercendo a advocacia, Ayres Britto contou que não se conteve em duas ocasiões recentes: quando não se convenceu da necessidade de condução coercitiva para ouvir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e quando promotores paulistas fizeram pedido de prisão preventiva do petista.

Ayres Britto ponderou que o impeachment tem três zonas de certeza. Entre os casos de absoluta confiança de que houve crime de responsabilidade e os casos em que está patente que isso não ocorreu, há uma "zona de certeza nublada, ou penumbrosa", em que os comportamentos são influenciados pela dimensão política ""caso das pedaladas fiscais, por exemplo.

O comentário sobre "certeza nebulosa" gerou risos, inclusive do ministro.

Sobre o caso concreto de Dilma, Ayres Britto afirmou que as "peculiaridades nesse processo demandam muito cuidado" e que, quanto mais fundamentada for a decisão dos parlamentares, menor a chance de fratura social.

Questionado sobre a situação de o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ser réu sob acusação dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, Ayres Britto observou que não há disposição constitucional que impeça o presidente da Câmara de continuar no cargo.

Ayres Britto

ELEIÇÕES

Para o ministro aposentado do STF, não é possível haver uma proposta de emenda constitucional para convocar eleições gerais. "A Constituição Federal diz que o voto é soberano e que as eleições ocorrem a cada quatro anos. Não cabe PEC nesse sentido, é cláusula pétrea."

Ex-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o ministro reafirmou seu entendimento de que um impeachment, por estar previsto na Constituição, não é golpe, mas ponderou que caso não haja "juízo minimamente técnico e se o devido processo for vilipendiado, a palavra golpe passa a ter cabimento".

Ao ser questionado sobre possível convite para assumir um ministério em eventual governo comandado por Michel Temer (PMDB), como noticiado recentemente, Ayres Britto rejeitou tal hipótese.

"Tenho amizade próxima com Temer e com Marina Silva, mas ambos sabem que já está de bom tamanho a minha experiência na vida pública. Jamais voltarei a ocupar cargo público."

Ayres Britto afirmou não ter "respostas prontas e acabadas" a respeito da possibilidade de impeachment do vice-presidente. "A Constituição prevê crime de responsabilidade para o vice, mas a lei sobre o impeachment silencia sobre o assunto."

O ex-ministro, que foi candidato a deputado federal pelo PT em 1990 e que chegou à corte no primeiro ano do governo Lula, declarou constatar com tristeza os escândalos envolvendo o partido ao qual foi filiado. Ayres Britto disse ainda que a ação penal 470 –o julgamento do mensalão– foi o divisor de águas de uma sociedade mais exigente com a ética na política.


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