Folha de S. Paulo


Análise

Dano à imagem é brutal, mas é preciso ver efeito prático

O vazamento do "pronunciamento à nação" de Michel Temer é um monumental tiro no pé para a imagem do vice-presidente à espera do impeachment de Dilma Rousseff. Resta saber se o cálculo político do impedimento será afetado, contudo, e para que lado.

Embora a costura de Temer e seus aliados para derrotar a petista na Câmara na votação do domingo (17) fosse algo feito praticamente a céu aberto, o áudio de um discurso pronto enumerando pontos para uma transição de governo é mais do que constrangedor do ponto de vista político.

Pregará no peemedebista a pecha de conspirador ou golpista, justamente a narrativa que vinha sendo martelada pelos governistas. Seria fatal em qualquer democracia ocidental civilizada: o vice detalha no áudio todos os pontos para uma calculada transição antes da hora.

Há trechos especialmente irônicos na gravação, como a introdução na qual ele se refere a "palavras preliminares" a serem ditas "com muita modéstia".

Muita tinta (virtual ou não) será gasta para explicar exatamente a circunstância do vazamento, assim como foi no caso da desastrada carta de rompimento que o vice enviou à presidente no fim de 2015.

Se é óbvio que um político na posição de Temer deva preparar um discurso dessa natureza, também é claro que a prudência recomendaria todos os cuidados para impedir sua circulação. Aqui entra um complicador, já que ninguém é amador no jogo em curso.

Não se deve descartar a hipótese maquiavélica de alguém ter tido o intuito de galvanizar apoio ao impeachment, dado que o discurso de Temer é ponderado e basicamente atende a todos os atores envolvidos numa eventual transição. Há acenos para todos os lados.

Se foi isso, o mínimo que se pode dizer é que a manobra foi quase suicida. O vice poderia fazer os mesmos acenos sem passar a vergonha pública de ver divulgado um discurso no qual diz só ter decidido falar após ser procurado depois de uma votação que ainda não ocorreu.

O impacto político do vazamento ainda precisará ser absorvido. Se ele tiver ressonância negativa fora da audiência que já chamava Temer de golpista, as chances de Dilma sobreviver à votação no plenário da Câmara sobem. Se não e apelar aos deputados ainda indecisos e que vão definir a disputa, o inverso é igualmente verdadeiro.


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