Folha de S. Paulo


Serra diz que país teria 'militarização' caso o setor tivesse a força de antes

Ao comentar a crise política nesta quinta-feira (31), o senador José Serra (PSDB-SP) afirmou que se os militares brasileiros tivessem a mesma força de antes, já teria ocorrido uma "militarização" no país.

A declaração foi feita em Portugal, onde o político participa de um seminário organizado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes e com a participação de diversas lideranças pró-impeachment.

"No caso brasileiro, se formos pegar a história recente, para derrubar um presidente era um golpe militar. Não existe mais setor militar como força política. Se tivesse como era antes, você não tenha dúvida de que já teria tido uma militarização do país. Nós temos de ter uma ferramenta de flexibilização da República", disse.

Em sua palestra, Serra comparou o ambiente político atual e aquele que viveu em 1964, quando foi instaurada a ditadura militar no Brasil.

"A principal diferença do cenário atual e o daquela época [1964] é que não temos mais um Exército que se apresente como uma força política nos últimos 30 anos.", disse. "O setor militar esteve ausente e, se Deus quiser, irá continuar ausente da política brasileira", completou.

Para o ex-governador de São Paulo, o Brasil vive hoje uma situação "dramática" que seria ainda mais complexa do que aquela que levou à ditadura.

"Eu posso dizer, porque eu vivi o golpe brasileiro em 64 e vivi o golpe no Chile em 1973. Fui exilado nos dois, fui exilado ao quadrado. Mas posso dizer que a situação, por incrível que pareça, era menos complexa do que a atual. Não que fosse fácil, mas era mais inteligível", avaliou.

APOIO AO PMDB

Também presente no evento, o senador e presidente do PSDB, Aécio Neves, afirmou que seu partido poderia dar apoio a um governo liderado por Michel Temer (PMDB).

"Nossa contribuição [para um governo Temer] vai ser em torno de uma agenda. Vamos apresentar nossas propostas e ouvir as que eles têm", afirmou.

Aécio, no entanto, sinalizou que o PSDB colaboraria "sem interesse" de ocupar cargos ou posições na futura administração. Ele criticou o loteamento de cargos no governo em troca de suporte político.

"Nós queremos chegar ao poder pela via do voto, não de carona com quem quer que seja", completou.

O senador também falou sobre a crise política e o desemprego no Brasil, e disse que o impasse político assustou os investidores estrangeiros.

"Hoje ninguém investe no Brasil em função desse impasse."

As lideranças tucanas no evento em Lisboa também ressaltaram seu apoio a uma mudança no regime político do Brasil, substituindo o presidencialismo pelo parlamentarismo.

Além de Aécio, o senador José Serra também usou sua palestra para tocar no assunto.

PETISTA MINIMIZA

Um dos poucos presentes favoráveis ao governo de Dilma Roussef, o senador Jorge Viana (PT-AC) usou seu espaço no evento para classificar as tentativas de destituição da presidente como golpe.

Citando indicadores econômicos atuais e comparando-os com os do governo de Fernando Henrique Cardoso, o petista questionou: "Essa crise é mesmo a pior de todas?".

O senador criticou a cobertura política dos grupos de mídia brasileiros e voltou a defender a existência um controle social da imprensa.

SEMINÁRIO POLÊMICO

O 4° Seminário Luso-brasileiro de Direito, que acabou na tarde desta quinta-feira, foi organizado conjuntamente pelo IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público) e pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e esteve envolvido em polêmicas desde que a lista de participantes foi anunciada.

Coordenado por Gilmar Mendes, o evento reuniu na capital portuguesa diversos juristas e políticos favoráveis ao impeachment da presidente Dilma Rousseff e foi classificado como "conspiratório" por diversos setores, tanto no Brasil como em Portugal.

Em meio à polêmica, políticos portugueses, como o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, acabaram desistindo de participar.

Na sessão de encerramento do encontro, Gilmar Mendes defendeu o caráter científico do seminário e desclassificou as acusações de que a data teria sido escolhida em função ao aniversário do início da ditadura militar (que completa 52 anos nesta quinta).

"A data foi escolhida em função do feriado da Páscoa", explicou.

NOVOS PROTESTOS

Houve novas manifestações contra o impeachment na porta do evento. Desta vez, cerca de 30 brasileiros protestaram no local.

Com gritos de "não vai ter golpe" e "Dilma fica", o grupo recebeu os participantes do seminário. Serra, Aécio e outros palestrantes usaram uma entrada lateral para evitar os manifestantes.

Na noite desta quinta, haverá um novo protesto, agora no centro de Lisboa, lembrando o aniversário do golpe de 1964.


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