Folha de S. Paulo


Odebrecht tinha 'departamento' de propina no Brasil, diz Lava Jato

Com base em planilhas e cruzamento de dados, investigadores da Operação Lava Jato afirmam que a Odebrecht montou uma "estrutura profissional" de pagamentos sistemáticos de propina no Brasil e no exterior. Somente em duas contas ligadas a esse setor paralelo estima-se R$ 91 milhões em pagamentos suspeitos de serem ilícitos.

O "sistema estruturado" de corrupção, nas palavras do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, envolvia funcionários com divisão clara de atribuições, um sistema informatizado para controle da entrada e saída de milhões de reais e toda uma estrutura de contabilidade clandestina.

Segundo ele, os pagamentos se referiam a obras públicas do governo federal e de governos dos Estados.

Segundo os investigadores, a estrutura incluía até uma área específica na empreiteira, chamado de "Setor de Operações Estruturadas", que operava as práticas ilegais.

A empreiteira foi alvo de nova etapa da Lava Jato nesta terça (22), denominada "Xepa".

Entre os contratos suspeitos de propina, além da Petrobras, estão o aeroporto de Goiânia, as obras do Trensurb (trem metropolitano de Porto Alegre), estradas, o Porto Maravilha, no Rio, e o estádio do Corinthians, em São Paulo.

"Era uma estrutura profissional de pagamento de propina, não se limitava a casos esporádicos, mas a pagamentos sistemáticos", disse a procuradora Laura Tessler, uma das integrantes da força-tarefa do Ministério Público Federal, do Paraná.

Apenas em uma das planilhas, a Polícia Federal identificou o que seriam pagamentos ilegais de R$ 65 milhões. Doleiros providenciavam dinheiro vivo e os repasses foram feitos pelo menos até novembro de 2015.

"Isto é assustador porque, mesmo após a prisão de Marcelo Odebrecht, tiveram a ousadia de prosseguir com o esquema", disse a procuradora.

As prisões de Marcelo Bahia Odebrecht, hoje ex-presidente do grupo, e da cúpula do conglomerado ocorreram em junho do ano passado.

CONHECIMENTO DE MARCELO ODEBRECHT

Segundo ela, Marcelo Odebrecht não "só tinha conhecimento como solicitava o pagamento de vantagens indevidas".

A afirmação dela se baseia na existência da sigla MBO em planilhas de pagamento e o cruzamento dos dados novos da investigação com as anotações encontradas no celular do executivo.

As investigações sobre os recebedores do recursos ainda estão em estágio inicial. A PF cruzou, por exemplo, dados existentes nas planilhas intituladas "paulistinha" e "carioquinha" –espécie de extratos clandestinos de contas de pagamento de propina– com os dados dos destinatários.

Em alguns casos, disse o delegado Márcio Anselmo, dados dos destinatários, como prenomes e nomes de hotéis, números de quartos e datas, coincidiram com informações sobre os hóspedes registrados nos hotéis no mesmo dia.

OUTRO LADO

Por meio de nota, a Odebrecht "confirma que a Polícia Federal cumpriu hoje mandados de prisão, condução coercitiva e busca e apreensão em escritórios e residências de integrantes em algumas cidades no Brasil".

"A empresa tem prestado todo o auxílio nas investigações em curso, colaborando com os esclarecimentos necessários", completa.

A SECRETÁRIA-BOMBA

Como a Folha revelou, a secretária Maria Lúcia Tavares, que trabalhava na Odebrecht em Salvador, fechou acordo de delação premiada e passou a colaborar com as autoridades. A principal colaboração dela foi a de "traduzir" o significado das iniciais contidas nas planilhas que a Lava Jato atribui ao pagamento de propinas em larga escala.

Abaixo a relação dos executivos da Odebrecht e as respectivas suspeitas que surgiram a partir dos depoimentos de Maria Lúcia:

Roberto Prisco Paraíso Ramos, chefe da Odebrecht Óleo e Gás, figura em troca de mensagens com o executivo Hilberto Silva sobre a entrega de "acarajés" no Rio de Janeiro, em referência à entrega de valores em espécie.

Paul Elie Altit, chefe da Odebrecht Realizações Imobiliárias e tem por subordinados Rodrigo Costa Melo e Antônio Pessoa de Souza Couto. Os três figuram na referida troca de mensagens com Maria Lúcia Tavares acerca da entrega de um milhão de reais em espécie para pessoa identificada com o codinome "Turquesa #2" e que está relacionada à obra do "Projeto Porto Maravilha".

Fernando Luiz Ayres da Cunha Santos Reis, chefe da Odebrecht Ambiental e tem por subordinado Eduardo José Mortani Barbosa. Figuram em troca de mensagens entre o executivo Fernando Migliaccio e da secretária Maria Lúcia Tavares para entrega em espécie em 17 de junho de 2015 de R$ 550 mil para pessoa identificada pelo codinome "Cobra", e que estaria relacionada a "Fremerc - Fre - Mercado"

Eduardo Barbosa, identificado pela sigla "EB", consta nas planilhas apreendidas por solicitações de pagamento de R$ 1 milhão em 23 de outubro 2014 à pessoa identificada como "Cabeça Chata", de R$ 150 mil em 23 de outubro de 2014 a "Baixinho" e de R$ 1 milhão, no mesmo dia, a "Galego".

Benedicto Barbosa Júnior, chefe da Odebrecht Infraestrutura. Tem como subordinados o diretor-superintendente Sergio Luiz Neves, e o diretor de desenvolvimento de negócios, Claudio Melo Filho. Eles figuram em trocas de mensagens com Fernando Migliaccio e Maria Lúcia Tavares para solicitações de pagamento para pessoa identificada apenas como "Mineirinho" - suposto destinatário de R$ 15,5 milhões entre 1 de outubro e 19 de dezembro de 2014.

João Alberto Lovera, executivo da Odebrecht Realizações Imobiliárias. Figura em em trocas de mensagens com a secretária Maria Lúcia Tavares para entrega em espécie, em março de 2015, de R$ 200 mil em Brasília para pessoa identificada pelo codinome "Grama", relacionado à obra identificada como "J.Mangueiral".

Antônio Carlos Daiha Blando, diretor-superintendente da Odebrecht Infraestrutura responsável por negócios na África, Emirados Árabes e Portugal. Aparece identificado pela sigla DS ACDB em planilhas como solicitante US$ 335 mil em julho de 2014 para pagamento a pessoa identificada como "PSA (2008)".

Alexandre Biselli, diretor do contrato do Canal do Sertão pela Odebrecht. Segundo planilha, solicitou pagamento de R$ 150 mil em 19/ de novembro de 2014 para pagamento a pessoa identificada como "Bobão".

Carlos José Vieira Machado da Cunha, diretor-superintendente da Supervias, na Odebrecht Transporte. Aparece em planilha como solicitante de pagamento de R$ 100 mil em 18 de novembro 2014 para pagamento a pessoa não identificada (fls. 38-39 da representação). Em outra planilha, está vinculado a pagamento de R$ 300 mil, em dinheiro vivo, entre 18 de novembro a 16 de dezembro de 2014, a pessoa identificada pelo codinome "Plataformas" novamente vinculado à obra "Plataforma".

Ricardo Ferraz, diretor de contrato da Odebrecht Infraestrutura, responsável por obras do Aeroporto de Goiânia. Aparece em planilhas como responsável por solicitação de pagamentos em espécie de R$ 1 milhão para alguém com apelido de "Padeiro" e de R$ 400 mil para alguém identificado como "Comprido". Pagamentos teriam ocorrido em 2014.

Nilton Coelho de Andrade Júnior, diretor de contrato da Odebrecht Infraestrutura, responsável por obras da extensão do Trensurb, no Rio Grande do Sul, figura em planilhas como responsável por solicitação de pagamentos em espécie de R$ 10.000,00 para pessoa identificada pelo codinome "Varejão2" e de R$ 100.000,00 "Encostado2". Repasses teriam sido pagos em outubro de 2014.

Antônio Roberto Gavioli, diretor de contrato da Odebrecht Infraestrutura, responsável pela obra da Arena do Corinthias, figura em planilhas como responsável por solicitação de pagamentos em espécie de R$ 500.000,00 em data não identificada para pessoa identificada pelo codinome "Timão".

Luciano Cruz, diretor financeiro da Odebrecht Estruturas: suspeito de solicitar pagamentos em espécie de R$ 300 mil em 24 de outubro de 2014 para pessoa identificada como "Fórmula K".

Flávio de Bento Faria, ex-diretor da Odebrecht na Argentina. Teria pedido repasses de US$ 115 mil a Festança" e "Duvidoso".

Fábio Andreani Gandolfo, diretor-superintendente da Odebrecht Infraestrutura no Rio. Suspeito de levantar R$ 1 milhão para pessoa identificada "Amiga", em outubro de 2014.

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O NÚCLEO DA PROPINA

Operação Lava Lato investiga estrutura der pagamentos da Odebrecht

DEPARTAMENTO

A empreiteira mantinha uma área específica, chamada Setor de Operações Estruturadas, para realizar pagamentos ilícitos relacionados a obras públicas

PLANILHAS

Os repasses eram registrados em planilhas, com siglas ou codinomes de destinatários, valores, locais de entrega e projetos a que se referiam. Os pagamentos eram aprovados por e-mail

SECRETÁRIA

Essas planilhas eram mantidas pela funcionária Maria Lúcia Tavares, espécie de gerente de contabilidade do esquema. Presa, ela ajudou a PF a traduzir os relatórios e levantar os nomes suspeitos

OS PRESOS DA XEPA - Dos 13 mandados de prisão temporária e preventiva, apenas um ainda não foi cumprido nesta terça (22)

RAIO X DA ODEBRECHT

Dados de 2014, os mais recentes

  • FATURAMENTO: R$ 107 bilhões
  • DÍVIDA: R$ 98 bilhões
  • FUNCIONÁRIOS: 128 mil
  • PAÍSES: 28
  • SETORES DE ATUAÇÃO: construção, petroquímica, concessões, agronegócios, saneamento, defesa, entre outros

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