Folha de S. Paulo


Nova fase da Lava Jato mira executivos da Odebrecht e doleiros

A Polícia Federal deflagrou mais uma etapa da Lava Jato nesta terça-feira (22). Denominada "Xepa", a 26ª fase da operação mira executivos da Odebrecht e doleiros e investiga uma suposta estrutura interna na empreiteira para pagamento de propinas em setores, inclusive relacionadas à Petrobras. Somente em duas contas ligadas a esse setor paralelo estima-se R$ 91 milhões em pagamentos suspeitos de serem ilícitos.

Essa estrutura, segundo o Ministério Público Federal, incluiria até uma área específica na empreiteira, chamado de "Setor de Operações Estruturadas", que operava as práticas ilegais.

O funcionamento desse setor foi detalhado em entrevista concedida pelos investigadores em Curitiba.

No Rio de Janeiro, Roberto Prisco Ramos, ex-presidente da Odebrecht Óleo e Gás e executivo da empreiteira, teve decretada prisão temporária. Outro alvo foi Hilberto Mascarenhas Alves Silva Filho, suposto controlador de contas secretas da empreiteira. Foi decretada prisão preventiva contra ele.

Em primeiro depoimento à PF em fevereiro, Maria Lúcia Tavares, apontada como uma espécie de gerente da contabilidade paralela da construtora, afirmou que a menção a "acarajés" em e-mails trocados com Mascarenhas e Ramos refere-se a "porções de acarajé para entrega no Rio de Janeiro/RJ em um escritório". Para a polícia, porém, o nome do quitute baiano é um codinome para propina.

Em São Paulo, três presos cujos mandados foram cumpridos na capital paulista e um de Jundiaí foram encaminhados para Curitiba. Isaias Ubiraci Chaves Santos e João Alberto Lovera –este, preso em Jundiaí– foram alvo de prisão temporária e os irmãos Marcelo Rodrigues e Olívio Rodrigues Júnior foram presos preventivamente. A Folha apurou que um deles conversava com agentes policiais sobre arquivos de computadores da Odebrecht.

Em despacho de fevereiro, o juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, afirmou que Marcelo é representante de offshore Klienfeld Services Limited, cujas contas seriam controladas pela Odebrecht para a realização de pagamentos no exterior. Marcelo também já foi empregado da Graco Corretora de Câmbio e Olívio é sócio da empresa JR Graco Assessoria e Consultoria Financeira, duas empresas que receberam pagamentos da construtora Odebrecht.

Cláudio Melo Filho, vice-presidente de Relações Políticos-Institucionais da Odebrecht, era alvo de mandado de condução coercitiva de Brasília, mas, como estava em São Paulo, prestou depoimento na sede da PF na cidade.

A PF cumpriu dois mandados de busca e apreensão relacionados ao vice-presidente do Corinthians, um de condução coercitiva e outro de busca e apreensão. Ao fazer a busca encontraram duas armas em situação irregular. O registro delas estavam muito antigos e haviam sido feito junto à Polícia Civil, não tendo sido atualizado após o estatuto do desarmamento, de 2003, que passou a exigir registro junto à PF. André Negão foi preso em flagrante por posse ilegal de arma de fogo, que é um crime afiançável. O delegado irá determinar o valor, seguindo parâmetros legais, e o vice-presidente do Corinthians poderá escolher pagar a fiança e responder pelo crime em liberdade.

'SETOR DE OPERAÇÕES ESTRUTURADAS'

As medidas deflagradas nesta manhã estão ocorrendo a partir da análise do material apreendido em etapas anteriores.

Para os investigadores, o Grupo Odebrecht mantinha um esquema de contabilidade paralela para pagar propina a pessoas ligadas ao poder público.

De acordo com a Procuradoria, o "Setor de Operações Estruturadas" fez pagamentos de propinas até novembro de 2015, conforme troca de e-mails entre os investigados.

"Para operacionalizar o esquema ilícito, foi instalado um sistema informatizado próprio, utilizado para armazenar os dados referentes ao processamento de pagamentos ilícitos e para permitir a comunicação reservada entre os executivos e funcionários envolvidos nas tarefas ilícitas", diz a Procuradoria.

A partir da análise de e-mails e planilhas, o Ministério Público apurou que pelo menos 14 executivos de outros setores da Odebrecht pediam "pagamentos paralelos", o que era centralizado nesse "setor". "Essas evidências abrem toda uma nova linha de apuração de pagamento de propinas em função de variadas obras públicas."

De acordo com a Procuradoria, "dentre as razões que embasaram as prisões preventivas estão: as novas evidências de pagamentos de propinas vultosas, disseminadas e sistematizadas como modelo de negócio."

A investigação da PF aponta que eram realizados pagamentos em espécie a pessoas indicadas por ocupantes de altos cargos da empreiteira, independentemente da área de atuação do executivo. Há indícios concretos de a construtora "se utilizou de operadores financeiros ligados ao mercado paralelo de câmbio para a disponibilização de tais recursos", diz a PF.

As sedes da empreiteira Odebrecht na Bahia, no Distrito Federal e em São Paulo foram alvos de buscas.

Colosso com faturamento de R$ 107 bilhões em 2014, a Odebrecht toca seis das dez maiores obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e empregava diretamente 181 mil funcionários em 2013 (último dado disponível).

DESDOBRAMENTO

Desdobramento da 23ª fase, a "Acarajé", em que o marqueteiro João Santana e sua mulher e sócia, Mônica Moura, foram presos –o casal trabalhou nas campanhas presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva em 2006 e de Dilma Rousseff em 2010 e 2014–, na etapa desta terça foram cumpridos ao todo 110 ordens judiciais, sendo 67 de busca e apreensão, 28 de condução coercitiva, 11 de prisão temporária e 4 de prisão preventiva.

A ação, que envolveu 380 policiais federais, foi realizada nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Bahia, Piauí, Distrito Federal, Minas Gerais e Pernambuco.

Os alvos de condução coercitiva prestam depoimentos nas cidades em que se encontram e os suspeitos presos serão levados para a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.

Os investigados responderão pelos crimes de lavagem de capitais, corrupção, organização criminosa e evasão de divisas.

BRASÍLIA

Um carro da Polícia Federal entrou, por volta das 5h40, no Hotel Royal Tulip, em Brasília, endereço de políticos na capital federal, e saiu duas horas depois. Eles cumpriram um mandado de busca e apreensão numa unidade que pertence ao marqueteiro João Santana e à mulher dele, Mônica Moura.

Além do hotel, em Brasília, a PF cumpriu mandados em pelo menos outros três endereços. Lula estava hospedado nesse hotel pelo menos até a madrugada desta terça.

No momento em que os agentes já cumpriam as medidas no interior do Royal Tulip, Dilma passou pedalando sua bicicleta a aproximadamente 50 metros da portaria do hotel.

Na noite de segunda (21), o ex-presidente jantou com Dilma para discutir a possibilidade de o governo manter a sua posse como ministro da Casa Civil, contestada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), já que o ministro Gilmar Mendes a considerou uma forma de tentar dificultar as apurações da Lava Jato.

Caso o governo vença no Supremo e Lula ocupe a cadeira ministerial, ele passará a ter foro privilegiado e, consequentemente, sai da alçada da operação em Curitiba.

Essa etapa foi deflagrada um dia depois da "Polimento", a primeira fase internacional da operação. Realizada em Portugal, teve como alvo o operador Raul Schmidt Felippe Junior, investigado por suspeita de pagamento de propina aos ex-diretores da Petrobras Renato Duque, Jorge Zelada e Nestor Cerveró. Schmidt estava foragido desde julho de 2015.

OUTRO LADO

Por meio de nota, a Odebrecht "confirma que a Polícia Federal cumpriu hoje mandados de prisão, condução coercitiva e busca e apreensão em escritórios e residências de integrantes em algumas cidades no Brasil".

"A empresa tem prestado todo o auxílio nas investigações em curso, colaborando com os esclarecimentos necessários", completa.

A corretora Graco informou que todas as suas transações são feitas de forma lícita. "A Graco Corretora de Câmbio S/A tem prestado auxílio às investigações, fornecendo todas as informações solicitadas pelas autoridades, de forma a demonstrar a absoluta lisura de suas atividades", informou, em nota.

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O NÚCLEO DA PROPINA

Operação Lava Lato investiga estrutura der pagamentos da Odebrecht

DEPARTAMENTO

A empreiteira mantinha uma área específica, chamada Setor de Operações Estruturadas, para realizar pagamentos ilícitos relacionados a obras públicas

PLANILHAS

Os repasses eram registrados em planilhas, com siglas ou codinomes de destinatários, valores, locais de entrega e projetos a que se referiam. Os pagamentos eram aprovados por e-mail

SECRETÁRIA

Essas planilhas eram mantidas pela funcionária Maria Lúcia Tavares, espécie de gerente de contabilidade do esquema. Presa, ela ajudou a PF a traduzir os relatórios e levantar os nomes suspeitos

OS PRESOS DA XEPA - Dos 13 mandados de prisão temporária e preventiva, apenas um ainda não foi cumprido nesta terça (22)

RAIO X DA ODEBRECHT

Dados de 2014, os mais recentes

  • FATURAMENTO: R$ 107 bilhões
  • DÍVIDA: R$ 98 bilhões
  • FUNCIONÁRIOS: 128 mil
  • PAÍSES: 28
  • SETORES DE ATUAÇÃO: construção, petroquímica, concessões, agronegócios, saneamento, defesa, entre outros

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