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Moro errou ao suspender sigilo de grampos, dizem especialistas

Paulo Lisboa 17.mar.16/Folhapress
CURITIBA, PR, BRASIL, 17-03-2016, 20h035: O juiz federal Sérgio Moro durante o seminário sobre combate à lavagem de dinheiro na noite desta quinta-feira (17) em Curitiba no Bourbon Convention Hotel. (Foto: Paulo Lisboa/Folhapress, Politica)
O juiz federal Sergio Moro durante seminário em Curitiba

Para especialistas e advogados criminalistas ouvidos pela Folha, a decisão de suspender o sigilo das interceptações telefônicas foi o maior ou mais grosseiro erro que o juiz Sergio Moro cometeu nos dois anos da Operação Lava Jato, que foram completados na quinta-feira (17).

"O sigilo não pode ser levantado em caso algum. Não há qualquer exceção ao sigilo, a lei é clara. Moro tem usado uma interpretação diversa, separando conteúdos que interessam ao processo, tornando-os públicos, e conteúdos que não interessam, nos quais mantêm o sigilo. Mas não é essa a previsão legal. O que interessa é sigiloso, e todo o resto deve ser destruído", afirma Gustavo Henrique Badaró, professor de processo penal da USP e defensor da tese de que crime de responsabilidade no mandato anterior pode ser motivo de impeachment.

Para Lenio Streck, advogado e membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional, "foi o maior equívoco de Moro na Lava Jato. O juiz cometeu um grave erro, uma violação gravíssima, com consequências absolutamente indesejáveis no mundo jurídico e na política. O direito às vezes não alcança a política, e Moro ultrapassou esse limite".

Segundo quatro advogados criminalistas ouvidos pela reportagem sob condição de anonimato, o juiz federal cometeu erros em série no caso das interceptações.

Primeiro, Moro deveria ter destruído as gravações que não tratassem das questões investigadas; segundo, deveria ter enviado ao Supremo os diálogos entre a presidente Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva; por fim, não deveria ter permitido que a Polícia Federal continuasse a ouvir os telefonemas depois de decretar o fim das interceptações, às 11h12 de quarta-feira (16).

"Moro é um juiz sério, competente, bem intencionado, faz um trabalho que, sem ele, talvez não fosse feito, mas ele não pode violar a lei", diz um desses advogados.

Apesar de discordar, Badaró compreende o raciocínio por trás da decisão de Moro: "O juiz entendeu que, tratando-se de crimes contra a administração pública, o processo não deveria ter mais sigilo. Nesse caso, poderia abrir acesso aos autos, mas deveria manter protegidos os áudios e suas transcrições".

Para Claudio Langroiva Pereira, professor de direito penal da PUC-SP, "a interceptação ocorreu dentro da lei até que Moro decidiu interrompê-la, mas houve violação à legislação da interceptação e ao Código Penal quando o juiz suspende o sigilo. A lei é clara ao dizer que interceptação tem de ser sigilosa porque expõe demais a intimidade das pessoas e pode gerar danos irreparáveis".

Por ter violado o sigilo dos áudios e transcrições, Moro pode ser investigado tanto na esfera administrativa quanto na judicial.

Os especialistas avaliam que a gravação do diálogo entre Lula e Dilma na tarde de quarta, após decretado o fim da interceptação, foi ilegal, mas veem repercussões distintas desse episódio.

"Qualquer coisa decorrente desse grampo ilegal será nulo, conforme a tese dos frutos da árvore envenenada, que os tribunais superiores aplicam. Exemplo disso é a anulação da Operação Castelo de Areia. Um agente da Abin havia feito um grampo ilegal. Anularam tudo. Agora é muito mais grave", avalia Streck.

Badaró concorda que o áudio dessa conversa é prova ilícita, mas pondera que a presidente confirmou o teor da conversa. "Assim, não se pode usar o áudio, mas o conteúdo está divulgado, e cada um fará suas inferências. Parece haver ali um crime de responsabilidade, e o processo do impeachment não é mais apenas jurídico. No plano político, parece irreversível. O grande problema é que a questão jurídica pode chegar ao Supremo só daqui a três, quatro anos", afirma o professor.

DEFESA

Já Moro defendeu a legalidade da gravação. Em despacho na quinta-feira, afirmou que a questão não tem maior relevância porque as companhias telefônicas não haviam sido notificadas para interromper a escuta, para a qual "havia justa causa e autorização legal".

Antônio César Bochenek, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), concorda com esse ponto, e defende a atuação do juiz nas demais questões.

Ao encerrar as interceptações telefônicas, volta a ser válida a regra geral de publicidade dos processos, e não há razão para manter o sigilo, explica Bochenek. "É inclusive importante para garantir acesso à defesa sobre o que está sendo investigado, é um direito que o juiz precisa assegurar."

Sobre a destruição do que não interessa à investigação, o presidente da Ajufe atenta para o trecho da lei das interceptações telefônicas que menciona que isso deve ser feito a requerimento da parte ou do Ministério Público. "Não cabe ao juiz fazer o exame prévio do que interessa e do que deve ser descartado."


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