Folha de S. Paulo


'Até o príncipe está sujeito à lei', diz juiz Sergio Moro em palestra

Em palestra a auditores fiscais da Receita Federal, na noite desta quinta-feira (17), em Curitiba, o juiz Sergio Moro disse que ninguém está acima da lei e pregou moderação a manifestantes de rua, favoráveis e contrários à Operação Lava Jato.

"Na lógica do direito, temos de cumprir a lei. Uma das conquistas do estado de direito é que até o príncipe está sujeito à lei. Então cumpra-se a lei", disse Moro, ao responder a uma pergunta da plateia sobre mandados de busca e apreensão em casas de "pessoas com certa reputação pública".

Paulo Lisboa/Folhapress
O juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, participa de seminário em Curitiba sobre combate à lavagem de dinheiro
O juiz Sérgio Moro, durante seminário em Curitiba sobre combate à lavagem de dinheiro

Antes de defender medidas de busca com "razões legais fundadas", Moro fez a ressalva que estava falando em termos genéricos.

No último dia 4, ele autorizou buscas na casa do ex-presidente Lula e, na quarta-feira (16), levantou o sigilo das conversas telefônicas do ex-presidente, aumentando a temperatura política da crise do governo Dilma Rousseff.

Aparentando tranquilidade, Moro falou timidamente sobre a repercussão política da Operação Lava Jato nos últimos dias, pedindo aos manifestantes que não se enfrentem nas ruas.

"Existe já barulho demais nos últimos dias. A única coisa que me permito dizer, neste caso, é que as pessoas mantenham a calma. Quer aqueles que protestem a favor da Lava Jato, quer aqueles que protestem contra, que mantenham a calma", declarou.

E saiu pela tangente quando perguntaram-lhe à queima-roupa se "o Brasil vai mudar": "Se o Brasil vai mudar ou não, é pensar que o juiz tem poderes precognitivos".

"É preciso uma dose de esperança temperada com uma dose de ceticismo. Não estamos fadados à corrupção sistêmica, isso não é uma doença tropical", afirmou.

O juiz da Lava Jato citou uma frase célebre de Winston Churchill, quando o Reino Unido estava isolado no combate à Alemanha nazista. O então primeiro-ministro havia afirmado que, se o Império Britânico sobrevivesse àquela guerra, as futuras gerações olhariam para aquele período não como o momento mais escuro da história, mas como o melhor momento do povo britânico —"the finest hour".

"Talvez daqui a 20 ou 30 anos possamos olhar para trás e ver que esse pode ser o melhor momento", disse.

PROVAS DA LAVA JATO

Na palestra, Moro falou por 50 minutos, concentrando-se basicamente em temas como a formação de provas na Lava Jato —como a colaboração premiada e a análise de documentos contábeis que levaram ao encontro do caminho do dinheiro da propina.

Ele minimizou o papel das interceptações telefônicas na Lava Jato sem mencionar os recentes grampos em conversas do ex-presidente Lula.

"Muitas vezes se superestima o papel da interceptação nestes casos, mas a prova de interceptação seja telemática ou telefônica não foi assim a rainha das provas neste caso, mas pontualmente teve um papel mais relevante".

Ele defendeu o uso das delações premiadas: "Não adianta ter um criminoso que revele todos os pecados do mundo, que revele quem matou John Kennedy se não houver prova de corroboração".

Ele também elogiou a recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que determinou o cumprimento da pena a partir da confirmação da condenação criminal por um tribunal de segunda instância.

"Foi um avanço muito importante. Sejamos francos, veio do Judiciário, quando estas inovações deveriam vir do Legislativo", afirmou.

Moro defendeu que o legado da Operação Lava Jato deveria provocar consequências institucionais, como leis anticorrupção.

"Investigação da Lava Jato não é propriedade do Ministério Público ou minha, os desafios gerados por ela precisam encontrar uma resposta não só no Judiciário, mas também em outras esferas de poder, como o Congresso".

Ele citou o exemplo do deputado Paulo Maluf (PP-SP), recentemente condenado na França, sem citar o nome.

"Não vou citar o nome. Existe um parlamentar que tem dois mandados de prisão recentes. Como fica? Não tem nenhuma importância isso?", afirmou.

O juiz chegou ao Hotel Bourbon, no centro de Curitiba, pela garagem. Ao sair do elevador, dezenas de pessoas que estavam no saguão o aplaudiram.

Pouco antes da palestra, os auditores se aproximaram, em grupos, para tirar selfies com o juiz. Foi aplaudido duas vezes de pé: quando seu nome foi anunciado e quando terminou a palestra. Ele saiu sem responder perguntas dos jornalistas.

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O NOVO MORO

Juiz mudou tom ao longo da Lava Jato

SOLUÇO
10.ago.2015 | Em palestra a juízes e advogados no TRF em Porto Alegre, Moro criticou a 'excessiva morosidade' da Justiça brasileira: 'Não podemos ter a Operação Lava Jato como um soluço que não gere frutos para o futuro'

INDIGNAÇÃO SELETIVA
25.ago.2015 | Em fala em um congresso de direito, o juiz citou 'o fundamentalismo político e jurídico', que gerava 'indignação seletiva'

PREGAÇÃO NO DESERTO
23.nov.2015 | No fórum da Aner, o juiz disse que a Lava Jato parecia 'uma voz pregando no deserto': 'Não tivemos respostas institucionais mais relevantes'

JANELA DA IMPUNIDADE
18.fev.2016 | Após o STF autorizar prisões a partir da condenação em segunda instância, Moro emitiu nota elogiando a medida: 'A decisão fechou uma das janelas da impunidade no processo penal brasileiro'

ESCLARECER A VERDADE
5.mar.2016 | Um dia após a condução coercitiva de Lula para depoimento na Operação Aletheia, o juiz justificou a ação, dizendo que ela visava 'apenas o esclarecimento da verdade. Cuidados foram tomados para preservar a imagem do ex-presidente'

A VOZ DAS RUAS
13.mar.2016 | Após ter sido saudado nas manifestações pró-impeachment, Moro se disse 'tocado'. 'Importante que as autoridades eleitas e os partidos ouçam a voz das ruas. Não há futuro com a corrupção sistêmica que destrói nossa democracia'

PELAS SOMBRAS
16.mar.2016 | No despacho que tornou públicas conversas interceptadas de Lula, o magistrado afirmou que o fim do sigilo se deu por 'interesse público': 'A democracia exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras'

PRIVILÉGIO ABSOLUTO
17.mar.2016 | Em despacho defendendo os grampos, Moro afirmou não ver 'maior relevância' no fato de a conversa de Lula e Dilma ter sido captada após a ordem de interrupção. Evocando a renúncia de Richard Nixon nos EUA, Moro afirmou que 'nem o supremo mandatário da República tem privilégio absoluto no resguardo de suas comunicações'


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