Folha de S. Paulo


Mercadante diz que gravação foi deturpada e exime Dilma

Renato Costa/Folhapress
O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, nega em coletiva as acusações feitas pelo senador Delcídio do Amaral (PT-MS), em Brasília (DF)
O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, nega as acusações do senador Delcídio do Amaral

Gravado em conversas em que supostamente tenta evitar a delação do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, disse nesta terça-feira (15) que a publicação de apenas alguns trechos da diálogo deturparam o conteúdo e tentou eximir a presidente Dilma Rousseff de qualquer responsabilidade no episódio.

"A responsabilidade é só minha. A iniciativa foi minha", disse Mercadante, numa referência à reunião que fez com um assessor de Delcídio e que acabou integrando a delação do petista.

O ministro disse que houve uma "tentativa" de envolvê-lo no caso e nega que tenha tentado impedir a delação. Ele alega que ofereceu ajuda como um gesto "pessoal" de "solidariedade", uma vez que as filhas do senador estavam sofrendo ataques na internet.

A conversa foi revelada nesta terça pela revista "Veja". Mercadante rebateu a reportagem e disse que ela omitiu trechos.

"Em uma parte que foi transcrita está dito assim: 'Não tenho nada a ver com a delação do Delcídio. Minha preocupação é zero. Não estou nem aí se vai delatar ou não. Não estou nem aí. O trecho que está no áudio e não foi transcrito diz respeito a esse mesmo assunto. Está em 12 minutos e 15 segundos de transcrição: 'Tem que construir uma saída para ele sair de lá, uma saída viável. Se ele está ameaçando a delação, mesmo que queira fazer, eu não vou entrar nisso. A decisão é dele. Ele faz o que achar que deve."

"Me pergunto porque isso não foi transcrito", completa.

Para Mercadante, é "absolutamente nítida" a tentativa de Marzagão de "iludi-lo" e "seduzi-lo para questões como essa".

"Fui muito firme e claro que isso não era objeto da minha preocupação", afirmou ele, que afirma ter agido apenas por uma "questão política e pessoal".

'LOBBY NO STF'

O ministro negou qualquer tentativa de interferir no processo contra Delcídio no STF (Supremo Tribunal Federal). Ele leu trechos do áudio obtido por "Veja" e repetiu várias vezes uma parte em que diz que "não tem nada a ver" com a defesa do senador.

"Eu disse que só dá para fazer coisa na legalidade, na transparência. Vocês querem algo mais explícito do que isso. Eu só chamei para fazer um gesto para a família e ele foi induzindo a conversa para uma outra pauta."

"Eu disse que não ia entrar na defesa dele, que não sou advogado. A única coisa que propus é: há alguma forma de eu ajudar?", afirma.

Segundo Mercadante, a possibilidade de consultar o STF seria para construir uma tese jurídica para que o Senado pudesse se pronunciar sobre a liberdade de Delcídio.

"Qual era o meu argumento o tempo inteiro? Como ele era senador da República, achava que haveria a possibilidade de construção de uma tese jurídica do Senado se pronunciar após a prisão. Para que ele pudesse ficar em prisão domiciliar e se defender perante o Conselho de Ética. Como ele era senador da República, o Senado poderia comentar que não haveria a possibilidade de uma prisão temporária", disse.

Ele nega ter tido qualquer contato com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, sobre o caso.

Ainda de acordo com Mercadante, a iniciativa ocorreria porque nenhum outro senador em exercício havia sido preso até então. "Estão discutindo uma questão que não tem precedente jurídico."

O ministro negou ainda que tenha oferecido qualquer tipo de ajuda financeira ao senador. "Não há uma única linha oferecendo isso", disse.

E diz que a iniciativa de tentar um encontro com a família de Delcídio no Mato Grosso do Sul seria como forma de apoio aos ataques sofridos na internet. Neste caso, afirma, aproveitaria uma agenda do MEC para isso.

'CONFIANÇA'

Mercadante negou que tenha disposição em deixar o MEC. "Enquanto tiver a confiança da presidente Dilma, ficarei", afirmou ele, que foi chamado para uma reunião com a presidente antes da coletiva de imprensa.

O ministro afirmou ainda que está à disposição da Justiça para prestar esclarecimentos.

"Estou encaminhando para a PGR [Procuradoria-Geral da República] e para o Supremo minha total disponibilidade de esclarecer o que for necessário", afirmou.

Ele evitou ainda comentar sobre a possibilidade de que a delação de Delcídio tenha adiado a decisão sobre a entrada do ex-presidente Lula na equipe ministerial. "Não discuto especulação", disse.

Após a entrevista, Mercadante divulgou uma nota em que diz repudiar "com veemência a tentativa do senador Delcidio do Amaral e de seu assessor, Eduardo Marzagão, de transformar um gesto de solidariedade, em momento de grande dificuldade pessoal, em elemento jurídico em busca de um benefício judicial, razão pela qual adotará todas as medidas judiciais cabíveis em face de ambos".

OUTRAS POLÊMICAS

Não é a primeira vez que Mercadante se envolve em polêmicas. Em 2006, quando era candidato ao Governo do Estado de São Paulo, o petista teve a campanha chamuscada quando integrantes de sua campanha foram pegos com R$1,7 milhão em dinheiro, montante que seria usado para comprar um dossiê sobre o tucano José Serra (PSDB), seu adversário.

Mercadante acabou derrotado na eleição, tendo recebido cerca de 30% dos votos. Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente, afirmou que os responsáveis eram "um bando de aloprados", fazendo com que o caso se tornasse conhecido como "escândalo dos aloprados".

Além disso, em 2009, o então líder do governo no Senado anunciou, no Twitter, sua saída "em caráter irrevogável" após disputa interna. No dia seguinte, porém, voltou atrás.

Leia a íntegra da delação:

Leia a íntegra da delação

Leia a íntegra da nota de Aloizio Mercadante:

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1) Em relação à matéria veiculada pela revista Veja, em 15/03/2016, o Ministro Aloizio Mercadante esclarece que:

a) Tomou uma iniciativa de caráter eminentemente pessoal e política de solidariedade, especialmente em relação à família do senador Delcídio, que foi alvo de uma ampla exposição na internet, após a sua prisão;

b) Jamais tentou impedir a delação do senador Delcídio do Amaral;

c) Deixou claro que não se envolveria na defesa dele no processo judicial;

d) Defendeu que qualquer procedimento de defesa se desse com legalidade, transparência e consistência;

e) Jamais intercedeu junto a qualquer autoridade do Poder Judiciário, Ministério Público ou Senado Federal pelo senador Delcidio do Amaral;

f) A menção às autoridades foi no contexto, a partir de sua experiência como ex-senador, da defesa construir uma tese que ensejasse uma nova manifestação do Senado;

2) O ministro Aloizio Mercadante repudia com veemência a tentativa do senador Delcidio do Amaral e de seu assessor, Eduardo Marzagão, de transformar um gesto de solidariedade, em momento de grande dificuldade pessoal, em elemento jurídico em busca de um benefício judicial, razão pela qual adotará todas as medidas judiciais cabíveis em face de ambos.

3) Por fim, o ministro já se colocou imediatamente à disposição da PGR, do STF e do Congresso Nacional para prestar todos os esclarecimentos necessários.

4) A fim de ser reestabelecida a verdade ressaltamos alguns trechos transcritos do áudio e outros omitidos na transcrição da reportagem da revista "Veja":

a) Não houve qualquer tentativa de impedir a delação do senador: "tem que construir uma saída para ele sair de lá. Uma saída viável. Se ele tá ameaçando a delação... mesmo que ele queira fazer. Eu não vou entrar nisso. A decisão é dele. É um direito dele, ele faz o que achar que deve." (Trecho omitido)

b) "Mas é o seguinte, eu não tenho nada a ver... o Delcídio... zero... não tô nem aí se vai delatar, não vai delatar, não tô nem aí..."(Trecho publicado)

c) Defesa do processo dentro da legalidade: "só dar pra fazer coisa na legalidade, com transparência, com consistência, porque senão não vai prosperar... (Trecho omitido)

d) Não houve interferência na defesa do senador: "Eu não vou me meter na defesa dele. Não sou advogado, não tenho o que fazer, não sei do que se trata, não conheço o que foi feito." (Trecho publicado)


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