Folha de S. Paulo


Tese da Promotoria paulista sobre Lula apresenta choques com Lava Jato

A peça de acusação produzida pelo Ministério Público de São Paulo apresenta contradições técnicas com as evidências reunidas na Operação Lava Jato sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conforme a análise de investigadores que integram o entorno do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Na análise feita pela força-tarefa de Curitiba e de procuradores que apuram o envolvimento de autoridades com foro especial com o petrolão, a denúncia dos promotores paulistas Cassio Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique de Moraes Araújo está bem estruturada ao descrever evidências de que Lula é o dono oculto do tríplex no Guarujá.

Mas falha ao ser vaga quanto à imputação da lavagem de dinheiro. Pela lei, o branqueamento de ativos precisa ser descrito como consequência de um crime precedente.

Os promotores de São Paulo afirmam que Lula ocultou a propriedade do bem para esconder delitos de estelionato da direção da Bancoop (Cooperativa Habitacional do Sindicato dos Bancários) -que iniciou a construção do prédio Solares, onde está o tríplex atribuído à família Lula da Silva, só concluído pela OAS, após a quebra da cooperativa.

A tese do estelionato do Ministério Público paulista é antagônica às evidências das investigações da Lava Jato.

Na investigação federal, as obras no sítio em Atibaia e no tríplex no Guarujá e o armazenamento de bens do ex-presidente, pagos pela OAS, são apurados como uma contraprestação da atuação de Lula em favor da empreiteira durante seu governo.

Para a Lava Jato, os favores recebidos por Lula da OAS são evidências de crime de corrupção passiva envolvendo os interesses da empreiteira no governo federal. A tese de Lula "lavar" produto de estelionato da OAS contra mutuários da Bancoop foi considerada extravagante.

A primeira análise sobre a peça paulista ocorreu ainda na quinta-feira, quando o chefe de gabinete de Janot, Eduardo Pelella, estava reunido com os procuradores da força-tarefa em Curitiba. O pedido de prisão preventiva de Lula, fundamentado em um suposto risco de fuga, foi considerado inconsistente.

Após conhecer o teor, o gabinete de Janot traçou a estratégia, junto com os procuradores de Curitiba, de não fazer comentários públicos sobre a peça para não azedar de vez a relação com o MP paulista.

A insatisfação de Janot e dos procuradores da Lava Jato foi vocalizada através das contas pessoais do secretário de cooperação internacional da PGR, Vladimir Aras, nas redes sociais. Ele não citou nominalmente os promotores.

No Twitter, Aras criticou: "Nunca vi nada igual. Todo mundo comete erros, mas não é possível tamanha inépcia e falta de técnica. O texto é imprestável a qualquer juízo".

Vladimir Aras integra o grupo da PGR que investiga a ligação de políticos com o petrolão e é um dos procuradores mais próximos de Janot. Na sexta, após fazer as críticas nas redes sociais, Aras embarcou junto com Janot para uma viagem a Europa. Procurado, Aras não quis comentar o caso

Procurados, os promotores não quiseram se pronunciar.


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