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Em gesto crítico à Lava Jato, Renan dá Constituição de presente a Lula

Pedro Ladeira/Folhapress
O ex-presidente Lula após reunião com senadores do PMDB e do PT na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros, em Brasília (DF)
O ex-presidente Lula após reunião com senadores do PMDB e do PT na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros, em Brasília (DF)

Em um gesto de irritação em relação à Operação Lava Jato, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), entregou publicamente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma edição da Constituição Federal, nesta quarta-feira (9), como uma sinalização de que as investigações estão extrapolando regras.

O gesto simbólico foi feito ao final de uma reunião de mais de três horas entre Lula, Renan e cerca de outros 30 senadores na residência oficial do Senado.

Questionado sobre o motivo de ter dado a Carta Magna ao ex-presidente, Renan afirmou que "as investigações precisam avançar, mas no devido processo legal", em uma referência velada às ações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal contra os envolvidos no esquema de corrupção da Petrobras. Renan e Lula são investigados pela operação.

"Há uma Constituição do Estado democrático de direito que precisa ser respeitada. Ninguém pode ser contra investigação. A diferença da investigação é daqueles que tem o que dizer e os que não tem o que dizer. A [entrega da] Constituição foi para simbolizar esse momento importante, em que precisamos garantir a Constituição, a liberdade de expressão, a presunção de inocência e o devido processo legal", disse o peemedebista.

Questionado sobre se fazia uma referência à citação de seu nome pelo senador Delcídio do Amaral (PT-MS) em delação premiada, Renan afirmou não ter conhecimento sobre o caso.

"Sinceramente não vi e não tenho preocupação. Nunca cometi impropriedades, tudo o que disseram até aqui foi por 'ouvi dizer'. Não há nenhuma prova e não haverá nenhuma prova. Estou à disposição para colaborar com qualquer investigação. Nenhum homem público é imune à investigação", disse.

Como a Folha mostrou nesta quarta, a delação premiada de Delcídio traz citações a vários políticos, incluindo colegas do Senado. Segundo a reportagem, o senador petista fez referências a Renan, Edson Lobão (PMDB-MA), Romero Jucá (PMDB-RR), Valdir Raupp (PMDB-RO) e Aécio Neves (PSDB-MG), único da oposição a ser citado pelo senador.

A reportagem, no entanto, não teve acesso ao contexto do suposto envolvimento desses políticos. A simples menção feita pelo senador petista não indica que os citados cometeram crimes ou que serão investigados.

Segundo relatos, o ex-presidente também reclamou da atuação do Ministério Público na Operação Lava Jato e se disse "perseguido" pelo órgão. Lula voltou a dizer que não precisava ter sido levado de forma coercitiva para depor na última sexta (4) e afirmou que se tivesse sido intimado, compareceria à Polícia Federal.

CAFÉ DA MANHÃ

Com a sua entrada na articulação para barrar o impeachment da presidente Dilma Rousseff, Lula procurou Renan nesta terça para marcar o encontro, que inicialmente se restringiria à cúpula do PMDB. No entanto, senadores de outros partidos como PT, PSB, PR e PDT acabaram sendo convidados por parlamentares. Dessa forma, a intenção de discutir estratégias objetivas se perdeu ao longo da reunião, de acordo com participantes.

O presidente do Senado afirmou que Lula não deu explicações sobre as investigações que correm contra ele, mas senadores que estiveram presentes afirmaram que o ex-presidente passou boa parte do tempo tecendo explicações sobre o uso do sítio em Atibaia (SP) e o seu apartamento triplex no Guarujá, litoral de São Paulo.

"Nós saímos de lá sabendo que uma reunião daquela dimensão não teria como objetivo final que não fosse apenas esclarecimentos do presidente. Ele se queixou realmente, fez uma explanação em relação a questão do sítio, do apartamento, que inclusive ele tinha ido até lá, mas quando viu que o apartamento tinha escadas, ele não tinha comprado o apartamento, não tinha pago, não tinha assinado nada", afirmou o líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE).

Segundo o Eunício, Lula foi questionado até mesmo por senadores do PT sobre se a presidente Dilma Rousseff havia de fato feito um convite para que ele assuma um ministério no governo.

"Ele fez questão de dizer que não teve convite, que não cogita porque, para ajudar o Brasil, ele não precisa ter cargo de ministro, quer vir a Brasília, quer conversar com o Congresso. [...] Ele falou da intenção que ele tem de não colaborar para botar fogo no país. Ele diz que é de uma geração que lutou pela democracia, que esse é o período mais longevo da democracia e ele não quer colaborar com o acirramento da crise. Ele é da paz e da conciliação. Isso foi muito bom", afirmou Renan.

O presidente do Senado disse ainda que pretende organizar outras conversar com ex-presidentes como José Sarney (PMDB) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

"A gente tem muita preocupação com o agravamento da crise econômica, é preciso urgentemente retomarmos as agendas estruturais, porque quando você não resolve um problema fiscal, quando essa tarefa cabe ao Banco Central, essa tarefa vem com o agravamento da crise, da recessão, do desemprego e do juro alto. Eu acho que é hora do Brasil –e o presidente do Congresso Nacional à disposição deste sacerdócio–, para que a gente possa garantir a democracia, o equilíbrio entre os poderes e a harmonia entre o sistema representativo e o povo brasileiro", afirmou Renan.


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