Folha de S. Paulo


Fala de Lula indica o início da corrida para sucessão de Dilma

A suspeita que o PT explicitou, no sentido de que o depoimento sob vara de Luiz Inácio Lula da Silva visava, na verdade, atingir o virtual candidato presidencial do partido em 2018 não é uma especulação inteiramente vazia.

Judd Webber, no noticiário por e-mail do "Financial Times" sobre América Latina, escrevia nesta sexta-feira (4):

"Apenas alguns dias atrás, o ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva falava sobre ser candidato de novo. Essas esperanças parecem mortas agora: na sexta-feira, ele foi levado de sua casa para ser interrogado sobre a saga de corrupção do país. É difícil imaginar qualquer tipo de retorno agora".

Não concordo, Judd. A mais recente pesquisa do Datafolha dá 20% de intenções de voto a Lula, o que é um ótimo ponto de partida para um eventual candidato, bombardeado há meses por denúncias.

O próprio Lula parece discordar, ao dizer aos militantes do PT que o ouviram na sede partidária, que o episódio desta sexta-feira apenas "reacendeu" nele a certeza de que "a luta continua".

Só faltou acrescentar que será candidato de novo, o que será perfeitamente natural se se considerar que o PT nunca teve nem tem agora qualquer outro candidato natural e viável que não seja o próprio Lula.

Aliás, o prestígio de Lula só fez disparar depois de outro momento em que a polícia foi atrás dele, em 1980, daquela vez para prendê-lo de fato e não para conduzi-lo "coercitivamente" para depor.

Em 1980, Lula comandava uma greve de 17 dias dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema até que foi preso e o sindicato que presidia posto sob intervenção.

Mas há uma monumental diferença entre o Lula daquela prisão e deste depoimento: em 1980, os amigos de Lula eram operários de mãos rudes, reunidos no estadiozinho da Vila Euclides, em São Bernardo. Eu fui testemunha de defesa dessa turma quando foram a julgamento, por "subversão", na Auditoria Militar de São Paulo.

Acompanhei de perto, portanto, a transformação de Lula em grande amigo dos empreiteiros cujas negociatas e promiscuidade com os governos de turno eram denunciadas por ele e por seus companheiros metalúrgicos.

Mas a transformação não é estranha à história de Lula: desde os tempos de sindicato, ele dizia querer que os operários que fabricavam automóveis tivessem dinheiro para comprá-los.

É natural que ele tivesse idêntico desejo para ele próprio, que se diz favorecido pelo milagre de ter sobrevivido em um ambiente em que morrer antes dos cinco anos era a rotina.

Realizou o desejo a tal ponto que se gaba de ser o conferencista mais bem pago do mundo, atrás apenas de Bill Clinton.

O fato de estar sob suspeição de corrupção pode não ser letal do ponto de vista eleitoral, ao contrário do que crê Judd Weber. Afinal, o mensalão, o grande escândalo anterior envolvendo o PT, não o impediu de se reeleger em 2006.

O motivo é simples: há uma disseminada convicção de que todo político é ladrão. Logo, se Lula também é suspeito de maracutaias, não há nada demais porque seria, segundo essa difusa sensação, o "nosso ladrão", o político que se gaba de ter levado 40 milhões de pessoas à classe média, precária como seja essa classificação.

O problema para Lula é menos o depoimento forçado à Polícia Federal e mais o fato de que 3 milhões já voltaram à pobreza, pelo fracasso da sucessora que ele se gaba de ter eleito, para não falar do desemprego caminhando para 10%.

Em todo o caso, o pronunciamento que ele fez na sexta-feira, na sede do PT, e o anúncio de que está pronto para voltar a correr o país representam o início da campanha para suceder Dilma Rousseff, em 2018 ou antes eventualmente.


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