Folha de S. Paulo


Análise

Lava Jato enquadra agressividade de Lula, e protestos ganham força

A inédita operação visando diretamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é uma demonstração pujante de força institucional da Operação Lava Jato e um reforço simbólico ao movimento que pede a saída do governo petista do poder. Ela ocorre justamente no momento em que o petista anunciou publicamente sua disposição de ir para o enfrentamento.

Com o crescente cerco da Lava Jato, mas não só ela, sobre si e sua família, Lula buscou vestir novamente o figurino de líder sindical raivoso. Com discursos inflados, decretou a morte do "Lulinha paz e amor" que envergava para não assustar as elites que conquistou e nutriu para ter dois bem-sucedidos mandatos à frente da Presidência.

De duas semanas para cá, criou site para tentar intimidar jornalistas. Prometeu processar Deus e o mundo. Esbravejou na Justiça, e obteve vitórias no intento, que não poderia ser investigado. Derrubou José Eduardo Cardozo da pasta da Justiça com a enésima queixa de que ele não controlava a PF que agora bateu à sua porta.

Deu no que deu. Como outros personagens, sendo João Santana e sua mulher exemplos mais recentes, sabem, a Lava Jato não perdoa soberba. Obviamente, ser implacável anda de mãos dadas com correção: para o bem do futuro da força-tarefa, é bom que haja motivos bem sólidos para tudo o que está acontecendo na manhã desta sexta.

O recado para os poderes constituídos é brutal. Como disse, no hoje longínquo 2014, um dos capitães da investigação, "não sobrará ninguém". Perguntei se isso incluiria os próceres do poder e a resposta foi um assertivo sorriso.

A reação, previsivelmente, será também de força. A imagem de carros de polícia na frente da casa de Lula certamente remeterá, para os que ainda o apoiam no espectro petistas-governista, ao sindicalista preso na ditadura militar. Lula irá usar a analogia, buscará a vitimização a fim de somar o martírio à sua usual hagiografia.

Isso pode dar certo, embora seja incerto dado que os indícios acumulados contra o petista são muito grandes –de quebra, sítios e apartamentos, a fração teoricamente menos grave do que se imputa no escopo da Lava Jato ao líder petista, são ícones de fácil assimilação pela sabedoria popular.

Ainda assim, é previsível também que subiu o grau de risco de confronto no próximo fim de semana, para quando está marcado o próximo protesto pedindo o impeachment de Dilma Rousseff. Militantes a soldo e apoiadores espontâneos de Lula, cada vez mais pertencentes a nichos com demandas específicas e autointituladas progressistas, talvez tentem fazer frente ao provável engrossamento do coro antipetista em centros urbanos.

Politicamente, é um prego no caixão cada vez mais fundo na terra do PT e do governo. No caso do partido, Lula é passado, presente e futuro sob ameaça. É o único presidenciável viável da sigla, com respeitável apoio popular, ainda que decadente de forma acelerada.

O cerco contra o líder encima um longo processo pelo qual os petistas e suas práticas reveladas são as responsáveis centrais, apesar do choro contra elites, imprensa e os suspeitos de sempre. Nesse sentido, o batismo da operação, Aletheia, remete ao desvelamento da verdade além das aparências. Soa apropriado, ainda que alguém possa implicar com a associação nazista do principal filósofo a trabalhar o conceito no século 20, Martin Heidegger.

Já para Dilma, que em outros momentos talvez até agradecesse ver o antigo mentor e não ela no centro do fogo, não há boa notícia possível. Após a pré-delação vazada do seu ex-líder no Senado Delcídio do Amaral (PT-MS) a colocar diretamente na mira da Lava Jato, a petista vê a queda em desgraça do homem que a criou politicamente –e a quem entregou a cabeça de Cardozo, numa demonstração de fraqueza compatível com sua baixíssima popularidade e com o esfarelamento econômico e político do país sob seu comando.

A queda de Lula, que, ressalte-se, nem de longe pode ser considerada definitiva, só favoreceria uma Dilma em momento de força, algo que não acontece desde os protestos de junho de 2013. Agora, mesmo com ambos estremecidos, restará um tentar apoiar-se no outro. Lula é mestre em ressurreições e tem a resiliência política mais conhecida do país, mas tal abraço poderá ser de afogados sob os jatos d´água de Curitiba.


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