Folha de S. Paulo


Cardozo afirma que Delcídio pedia para interferir na Lava Jato

Alan Marques/Folhapress
Dilma dá posse aos novos ministros Wellington Silva (Justiça), Eduardo Cardozo (AGU) e Luiz Navarro de Brito (CGU), em Brasília (DF)
José Eduardo Cardozo (à esq.) durante transmissão do cargo de ministro da Justiça

O ministro José Eduardo Cardozo (Advocacia-Geral da União) afirmou que o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) "militava" em seu gabinete para pedir que o Ministério da Justiça interferisse na Operação Lava Jato.

A declaração foi dada durante a transmissão de cargo de ministro da Justiça para o procurador Wellington Cesar Lima e Silva, novo comandante da pasta. Horas antes, viera a público o acordo de delação premiada firmado por Delcídio com a Procuradoria-geral da República. O ministro Teori Zavascki, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidirá se homologa ou não a delação do petista.

De acordo com a revista "IstoÉ", o senador petista acusou Lula, Dilma e o próprio Cardozo de tentarem influenciar nos rumos da Lava Jato.

Cardozo, que deixou a pasta para assumir a AGU, afirmou que o parlamentar do Mato Grosso do Sul vivia em seu gabinete.

"Ele vinha quase diariamente tratar de vários assuntos. Dizia para eu tomar providências sobre a Lava Jato: 'temos que ver o que está ocorrendo. Réus estão sendo pressionados a fazerem delação. Tem que falar com o Janot, com Teori'. E eu respondia: 'Delcídio, representa (oficialmente), meu filho'. Depois eu vi que ele estava é defendendo sua sobrevivência", acusou Cardozo.

Esquema Delcídio

Argumentando que sequer pode dizer que são verdadeiras as notícias sobre a delação, o agora titular da AGU voltou a sustentar que o senador não tem credibilidade. Classificou os depoimentos como "um conjunto de mentiras" contra o governo e, principalmente, contra a presidente Dilma Rousseff.

REUNIÃO COM LEWANDOWSKI

Durante a entrevista coletiva após a cerimônia de transmissão de cargo, Cardozo abordou também o episódio em que ele se reuniu com Dilma e o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, na cidade de Porto, em Portugal, no ano passado.

"A razão principal do encontro, em verdade, foi a mudança nos rumos da Lava Jato. Contudo, a reunião foi uma fracasso, em função do posicionamento retilíneo do ministro Lavandowski, ao afirmar que não se envolveria", contou Delcídio aos investigadores, segundo a "IstoÉ".

Cardozo voltou a argumentar, como já fizera em outras ocasiões, que o encontro foi marcado para tratar de questões orçamentárias do STF. Deu-se no exterior, de acordo com o ministro, porque as três autoridades estavam no mesmo país naquela data.

"Se fosse para mudar rumo da lava jato, a conversa não seria com Lewandowski, mas com o ministro Teori Zavaski [relator dos processos relativos à operação no Supremo]. Quer conversar? Conversa com o relator. O presidente nem participa da Turma que decide sobre Lava Jato e jamais silenciaria diante de uma tentativa como essa", afirmou o ministro.

Embora tenha chamado a delação de conjunto de mentiras, Cardozo disse não poder afirmar se todo o conteúdo dos depoimentos do senador é mentiroso.

Indagado por jornalistas, disse também que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva jamais o criticou pessoalmente sobre investigações da Polícia Federal, corporação que está no guarda-chuva administrativo do Ministério da Justiça: "Ele teria liberdade para fazer as críticas, mas ele nunca fez".

Apesar da declaração, nos bastidores, Cardozo justificou sua saída pelos frequentes ataques que recebe de políticos, principalmente de Lula e demais integrantes do PT. O ex-presidente, inclusive, já havia defendido junto à Dilma a demissão de Cardozo.

Delação de Delcídio
Senador cita Dilma e Lula em acordo
Delcídio do Amaral

HABEAS CORPUS

De acordo com os documentos publicados pela revista, o senador também diz que Dilma usou sua influência para evitar a punição de empreiteiros, ao nomear o ministro Marcelo Navarro para o STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Em seu relato, Delcídio cita outros senadores e deputados, tanto da base aliada quando da oposição. Segundo a publicação, o ex-líder do governo no Senado revelou que Dilma tentou três vezes interferir na Lava Jato, com a ajuda de Cardozo.

"É indiscutível e inegável a movimentação sistemática do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da própria presidente Dilma Rousseff no sentido de tentar promover a soltura de réus presos no curso da referida operação", afirmou.

O senador diz, conforme a publicação semanal, que a terceira investida de Dilma contra a operação foi a escolha de Navarro para o STJ. "Tal nomeação seria relevante para o governo", pois o nomeado cuidaria dos "habeas corpus e recursos da Lava Jato no STJ", conta Delcídio.

Entre os beneficiados estaria Marcelo Odebrecht, dono da empreiteira que leva seu sobrenome e que sempre teve livre trânsito nos governos petistas.

Navarro, de fato, votou pela soltura do empresário, mas acabou derrotado por 4 a 1 pelos demais ministros. Cardozo argumenta que Delcídio montou suas declarações a partir dos fatos, já que o julgamento ocorrera antes de ele prestar os depoimentos.

"Na análise do habeas corpus, três dos cinco ministros foram nomeados pelo governo e dois votaram contra o habeas corpus. Por que [se quiséssemos influenciar] iríamos negociar apenas com um magistrado, já que outros também foram nomeados por esse governo? Isso não para em pé", afirmou.

Cardozo lembra ainda que o próprio Marcelo Navarro e o presidente do STJ, Francisco Falcão, outro citado por Delcídio, poderiam ter concedido a liberdade a empreiteiros, em decisões monocráticas, mas não o fizeram.

Ele disse ainda que não faz sentido a versão, contida na delação, de que a presidente Dilma pediu a Delcídio para conversar com Navarro a respeito do futuro dos empresários que, em tese, o governo gostaria de ver libertados.

"Por que a presidente pediria a um senador, que não tem relação alguma com a carreira do Judiciário, para checar votos de ministros, se era eu quem fazia as entrevistas dos candidatos a ministros?", questionou.

O ministro negou ainda que tenha viajado a Santa Catarina para se encontrar com o ministro do STJ Newton Trissoto para discutir a situação de réus presos pela Lava Jato, conforme o senador disse aos procuradores, segundo a "IstoÉ".

Para Cardozo, o correligionário mentiu na delação –"se é que houve delação", diz o ministro– em retaliação ao PT e ao governo. "A imprensa noticiou vários recados de Delcídio, dizendo que estava incomodado com o fato de o governo não atuar para libertá-lo", justificou o chefe da AGU.

PASADENA

Ele comentou ainda a acusação de que o ex-líder do governo, segundo a "IstoÉ", contou a Ministério Público que Dilma tinha amplo conhecimento do negócio envolvendo a compra da refinaria Pasadena, no Texas, pela Petrobras.

A aquisição ocorreu em 2006, com superfaturamento de cerca de R$ 790 milhões. À época, Dilma presidia o Conselho de Administração da Petrobras. Já na presidência da República, ela argumentou ter votado a favor da compra porque foi induzida a erro, por um relatório incompleto.

"Sobre Pasadena, ele (Delcídio) não acrescentou nada de novo", opinou o ministro.

A publicação semanal aponta também que o senador petista acusou a CPI dos Bingos de ter sido encerrada para proteger a presidente Dilma.

"A CPI vai de julho de 2005 a junho de 2006. A presidente havia assumido há cerca de uma semana a Casa Civil. Tem lógica intervir para beneficiar a presidente Dilma, que havia assumido a Casa Civil há uma semana?", indagou.

Delcídio delata


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