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Saio do Ministério da Justiça por desgaste político e pessoal, diz Cardozo

Alan Marques/Folhapress
O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, em entrevista exclusiva à Folha
O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, em entrevista exclusiva à Folha

Após cinco anos e dois meses no comando do Ministério da Justiça, José Eduardo Cardozo afirma que deixou o cargo por "desgaste pessoal e político" e admite que setores de seu partido, o PT, pediram que ele atuasse de forma diferente diante da Polícia Federal, para "melhorar a atuação" da corporação.

Em sua primeira entrevista após a demissão e um dia antes de assumir a Advocacia-Geral da União, Cardozo disse que não sofreu "pressão direta" do ex-presidente Lula para sair do ministério e que não há risco de a Operação Lava Jato ter qualquer tipo de interferência política.

"O novo ministro [Wellington César] agirá dentro dos padrões que têm caracterizado minha conduta", afirmou.

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Folha - O senhor ensaia há meses sair do Ministério da Justiça. Por que agora?
José Eduardo Cardozo - Sou o ministro mais longevo do período democrático. O tipo de atribuição que o Ministério da Justiça tem implica em uma série de desgaste, seja pessoal ou político, que recomenda que tenhamos renovação de ministros. Quando falei com a presidente Dilma, fiz ponderações sobre isso e acho que existe uma fadiga de material numa permanência tão alongada. Era a hora certa da substituição.

No seu caso foi desgaste pessoal ou político?
Os dois. O ministro da Justiça é acusado, especialmente em períodos de investigação da Polícia Federal, por investigar aliados –e aí não tenho o controle da polícia que alguns acham que eu deveria ter.

Quando os investigados são adversários, sou acusado de perseguição. Vivi as duas situações, que mostram o nível de tensão e desgaste político que um ministro da Justiça sofre no Brasil.

Está cedendo à pressão do ex-presidente Lula e do PT, que dizem que o senhor "não controla a Polícia Federal"?
Desconheço pressão do ex-presidente Lula. Estive com ele várias vezes e ele nunca fez nenhuma pressão direta a mim. Claro que li na imprensa muitas coisas, recebi críticas de setores do meu partido, mas acho que são críticas normais.

O Brasil está pouco ambientado com a dimensão de uma atuação institucional republicana. As pessoas sempre acham que, por força da PF estar vinculada ao Ministério da Justiça, tudo é uma ação política, quando não é.

O ex-presidente Lula nunca falou diretamente com o senhor, mas já disse à presidente Dilma e a interlocutores do governo e do PT que não estava satisfeito com sua atuação.
É fato que muitos rumores foram publicados, mas também é fato que conversei inúmeras vezes com o ex-presidente, pessoalmente e por telefone, e ele tem liberdade para fazer as críticas –eu iria ouvi-las. Mas não posso comentar 'diz que me disse'.

Nenhuma vez houve um pedido direto de Lula ou de outro petista para que o senhor agisse de determinada maneira à frente do ministério?
Falo em relação ao ex-presidente Lula. Muitas vezes, militantes ou parlamentares petistas me fizeram críticas e sugestões em relação a melhorar a atuação da Polícia Federal, evitar abusos e ilegalidades. Isso era frequente.

A presidente Dilma já pediu que o senhor atuasse em alguma operação ou investigação?
A presidente nunca, em momento algum, me dirigiu qualquer orientação para que tentasse obstar, criar dificuldades ou embaraços em qualquer investigação.

O senhor sofreu críticas por não saber com antecedência de operações que atingiriam quadros importantes do governo e do PT. Como vê isso?
O ministro da Justiça sabe de uma operação no momento de sua deflagração. Apenas verifica se os pressupostos jurídicos estão dados. As pessoas não entendem isso, talvez acostumadas a outro período da história brasileira.

A Polícia Federal mudou muito nos governos Lula e Dilma. Nós não criamos situações de engavetamentos, não nomeamos pessoas que paralisam investigações, ao mesmo tempo em que agimos quando temos desmandos e irregularidades.

Mas dizem que até presidente Dilma já se irritou algumas vezes, dizendo: 'Somos sempre os últimos a saber.'
A presidente, muitas vezes, fica justificadamente irritada quando tem vazamentos ilegais. Ou seja, nós respeitamos o sigilo, mas subitamente alguém, que pode ser um policial federal, um membro do Ministério Público, um advogado ou um juiz, vaza informações para a imprensa. Às vezes ela até chega a dizer isso como uma certa brincadeira [risos].

Com a troca no comando do ministério, pode haver mudança no andamento da Operação Lava Jato, como temem investigadores e delegados?
Não, há um forte compromisso do governo com o respeito ao Estado Democrático de Direito. O ministro que irá tomar posse [Wellington César] agirá, não tenho a menor dúvida, dentro dos mesmo padrões que têm caracterizado minha conduta. Ele tem o mesmo comprometimento democrático e talvez até maior habilidade para conduzir o processo do que eu.

Não é ruim deixar o posto no momento em que a Lava Jato pode chegar à campanha de Dilma, com a prisão do marqueteiro João Santana?
Se eu tivesse saído há um ano, você faria essa mesma pergunta. João foi preso agora. Nós já tivemos prisões de diretores da Petrobras, do tesoureiro do PT [João Vaccari Neto] e outras tantas. Tem um momento em que você tem que ter a clareza política de que é hora de sair.


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