Folha de S. Paulo


Operação ligada à Lava Jato investiga desvio de R$ 630 milhões em ferrovias

Eduardo Knapp - 6.jun.2008/Folhapress
Construção da expansão da Ferrovia Norte-Sul em Tocantins, que liga Acailandia (MA) a Palmas (TO)
Construção da expansão da Ferrovia Norte-Sul em Tocantins, que liga Acailandia (MA) a Palmas (TO)

Em mais uma ação derivada da Lava Jato, a Polícia Federal deflagrou, na manhã desta sexta-feira (26), uma operação para investigar suposto esquema de fraude, cartel e propina na construção de ferrovias. Só em Goiás, a PF apurou mais de R$ 630 milhões desviados na construção da ferrovia Norte-Sul.

Além da ferrovia Norte-Sul, a investigação foca o pagamento de propina na integração Leste-Oeste. Há indícios de prática de cartel e lavagem de dinheiro.

São cumpridos sete mandados de condução coercitiva (quando uma pessoa é levada para depor, mas liberada no mesmo dia) e 44 mandados de busca e apreensão no Paraná, Maranhão, Rio, Minas Gerais, São Paulo, Distrito Federal e Goiás.

Entre os alvos estão as empresas Odebrecht (Rio de Janeiro), Queiroz Galvão, Mendes Júnior Trading, Galvão Engenharia, Constran, OAS, Serveng Civilsan –incluindo a casa de um ex-funcionário da empresa, que atua nas áreas de engenharia e construção, mineração e energia–, Cavan Pré-Moldado, Tiisa e Braemp (São Paulo), CR Almeida e Ivaí Engenharia (Paraná), Servix, SPA Engenharia, Egesa Engenharia, Construtora Barbosa Mello, Consórcio Aterpa e Torc (Minas Gerais), e Elccom Engenharia, Evolução Tecnologia e Consórcio Ferrosul (Goiás).

Segundo o procurador Helio Telho Corrêa Filho, documentos apreendidos nesta sexta podem comprovar doações para campanhas eleitorais no ano passado. "Esta operação pode levar a desdobramentos que comprovam doações [ilegais] para campanhas de 2014", disse ele durante entrevista coletiva em Goiânia.

Questionado por jornalistas, ele não disse quais campanhas era essas, nem se eram estaduais ou referente à disputa presidencial.

A operação foi deflagrada a partir de informações fornecidas pela empreiteira Camargo Corrêa em acordos de leniência e delação premiada fechados com a Lava Jato. Em abril de 2015, o ex-presidente da empresa Dalton Avancini disse em delação que houve pagamento de R$ 800 mil em propina para José Francisco das Neves, o "Juquinha", ex-presidente da Valec, estatal do governo federal responsável pela construção de ferrovias no país.

O valor foi pago para execução das obras da ferrovia Norte-Sul. No acordo de leniência, se comprometeu a pagar à Valec cerca de R$ 65 milhões para ressarcimento de danos.

A Camargo confessou a prática de cartel, corrupção, lavagem de dinheiro e crimes de licitação. Também entregou provas documentais e testemunhais contra Juquinha e as demais empreiteiras suspeitas de integrar o esquema.

As buscas não significam que todas as empresas estejam envolvidas em crimes, mas sim que os investigadores julgaram relevante tentar obter provas das acusações feitas pela Camargo Corrêa.

A PF e o Ministério Público Federal de Goiás conduzem a operação. As diligências foram autorizadas pelo juiz Eduardo Pereira da Silva, substituto da 11ª vara federal de Goiânia.

CONTRATOS SIMULADOS

Os investigadores concluíram que as empresas fechavam contratos simulados. Segundo a PF, um escritório de advocacia (Heli Dourado Advogados Associados) e duas empresas com sede em Goiás (Evolução Tecnologia e Elcocm Engenharia) eram usadas como fachada para maquiar a origem ilegal de dinheiro, proveniente de fraude de licitações públicas.

"O método utilizado para o recebimento de propina consistia na realização, pelas empreiteiras executoras das obras, de pagamentos a um escritório de advocacia e para mais duas empresas sediadas em Goiás e indicadas por 'Juquinha', sendo que os pagamentos não se referiam a serviços efetivamente realizados", afirma o Ministério Público.

Para os procuradores, eram contratos de fachada para dar aparência de legalidade aos pagamentos feitos em benefícios de Juquinha.

A investigação também pretende descobrir se havia um "clube" de empreiteiras atuando em cartel para obter obras de ferrovias com recursos federais nos mesmos moldes do que foi constatado nas obras da Petrobras.

A partir das provas entregues pela Camargo, os investigadores obtiveram autorização judicial para quebrar o sigilo fiscal de outras construtoras citadas. A operação desta sexta buscou provas do pagamento de propina dessas outras empreiteiras.

O nome da operação –O Recebedor– faz referência à defesa apresentada por um dos alvos em uma investigação anterior intitulada "Trem Pagador", na qual seus advogados alegaram que "se o trem era pagador, o alvo não fora o recebedor".

Deflagrada em 2012, a Trem Pagador teve o ex-presidente da Valec como principal investigado. No ano passado, o Ministério Público Federal denunciou Juquinha e mais sete pessoas por diversas irregularidades em obras de ferrovias.

Os envolvidos podem responder por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

OUTRO LADO

As empresas que são alvos da investigação evitaram comentar detalhes da operação. A Odebrecht informou apenas que "nada foi apreendido" nas buscas em sua sede no Rio e que está "à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos". A Queiroz Galvão e o Grupo Galvão também disseram que não houve apreensões nas buscas desta sexta-feira.

A Mendes Junior e a Constran informaram que não comentam investigações em andamento.

Procurada, a Tiisa disse que "recebeu em seu escritório matriz a visita de agentes" da PF e que os documentos solicitados foram entregues. A Cavan afirmou que a sua participação nas obras ocorre "na mais estrita observância das leis" e que vai colaborar com as autoridades.

Os escritórios de Romero Ferraz Filho e Cleuler Barbosa das Neves, responsáveis pela defesa do ex-presidente da Valec e de sua família informaram que o os três prestaram todos os esclarecimentos à Polícia Federal.

Ainda de acordo com os advogados, durante o depoimento de Neves, que durou mais de uma hora, ele afirmou que jamais recebeu qualquer quantia ou vantagem ilícita das pessoas citadas na operação.

O advogado Heli Lopes Dourado, proprietário do escritório Heli Dourado Advogados Associados, considerou absurda e desnecessária a busca e apreensão a documentos em seu local de trabalho. Mesmo assim, garantiu que não teme as apurações.

Dourado disse que está em São Paulo e retornará a Goiânia no final de semana, quando estará à disposição para prestar esclarecimentos. Afirmou ainda que não está a par da investigação da Operação O Recebedor.

A gerente administrativa da Elccom Engenharia, Maria Inês Lopes Mendonça, informou que o diretor e proprietário da companhia, Juarez José Lopes Macedo, está viajando e retorna na semana que vem. Segundo ela, somente quando ele for notificado pela PF irá haver um posicionamento sobre as investigações.

A reportagem não conseguiu contato com a Evolução Tecnologia e Planejamento.

No Paraná, funcionários da CR Almeida disseram que só há expediente pela manhã e que ninguém poderia atender a reportagem na tarde desta sexta-feira (26). Ninguém foi encontrado na Ivaí Engenharia.

Em Minas, onde seis empresas são investigadas, a Barbosa Mello informou, via assessoria de imprensa, que foi feita a busca, mas que nenhum material foi apreendido. Funcionários da Egesa Engenharia disseram que a empresa atende de segunda a quinta e não havia nenhuma pessoa para responder ao pedido da reportagem.

A reportagem procurou, mas não conseguiu resposta das empresas Servix, SPA Engenharia e Torc.

O Consórcio Aterpa, em nota, diz que colocou à disposição todos os documentos relativos ao contrato de execução de trecho na ferrovia Norte Sul e afirma desconhecer qualquer tipo de irregularidade.

DERIVADAS

No final do ano passado, outra operação derivada da Lava Jato, a Crátons, foi deflagrada para investigar esquema de comércio e exploração ilegal de pedras preciosas em reserva indígena em Rondônia. Ela se iniciou a partir do rastreamento das atividades do doleiro Carlos Habib Chater, preso na primeira fase da Lava Jato, em março de 2014.

Segundo a PF, empresários, garimpeiros, comerciantes e até indígenas participavam da exploração de diamantes na reserva indígena Parque do Aripuanã, num local conhecido como Garimpo Lage, usufruto de índios da etnia Cinta Larga.

Trilhos sob suspeita


Endereço da página:

Links no texto: