Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Lava Jato exige apuração rigorosa da imprensa para evitar danos a citados

Bastidores da cobertura da Lava Jato

Politeia. Juízo Final. Pixuleko. Conexão Mônaco. Que País é Este. Passe Livre. Catilinárias. Triplo X.

São tantas fases com nomes criativos –a Operação Acarajé, que prendeu o marqueteiro João Santana, foi a 23ªâ€“ que não é só o leitor quem corre risco de se perder no noticiário da Lava Jato.

A megainvestigação também impõe um desafio aos jornalistas. Há quase dois anos, a imprensa desdobra-se diariamente para ler relatórios, cruzar dados, decifrar planilhas e transformar em notícia a enxurrada de informações vindas de Curitiba.

É uma corrida permanente contra o tempo. Enquanto delegados e procuradores têm meses para preparar cada passo, os repórteres contam com horas, às vezes minutos, para traduzir as revelações e relatá-las ao leitor em múltiplas plataformas.

A pressão pelo furo concorre com a necessidade de checar com rigor tudo o que será publicado. As investigações põem em xeque a biografia de centenas de pessoas, e uma notícia errada pode gerar um dano comparável ao de uma condenação injusta.

"O volume gigantesco de informações é o que me deixa mais atônito", disse o repórter especial da Folha Mario Cesar Carvalho, em debate realizado no Encontro Folha de Jornalismo no dia 19.

Thiago Herdy, repórter do jornal "O Globo" e presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), acrescentou outro problema estrutural: o enxugamento das Redações.

"É uma pena que a Lava Jato ocorra num momento de crise na economia e na mídia. Falta gente para dar conta da quantidade de informações", afirmou Herdy.

Os números do Ministério Público Federal reforçam a preocupação dos jornalistas. Até a primeira quinzena de fevereiro, a Polícia Federal já havia cumprido 411 mandados de busca e apreensão em todo o país.

A investigação prendeu 119 pessoas e fechou 43 acordos de delação premiada, um instrumento recente no meio jurídico brasileiro. Foram condenados 84 réus, cujas penas somadas chegam a 825 anos e dez meses de prisão.

TRANSPARÊNCIA

Além das delações, a Lava Jato trouxe outra novidade para a cobertura de escândalos de corrupção. O juiz Sergio Moro impôs um padrão inédito de transparência ao divulgar documentos que costumavam adormecer em sigilo nas varas criminais.

Relatórios, laudos e depoimentos da operação passaram a ser publicados todos os dias no site da Justiça Federal. Os vídeos das audiências permitiram aos jornalistas –e aos cidadãos que acompanham o noticiário– ouvir da boca dos réus como funcionou o esquema que assaltava a Petrobras.

Com tanta informação explosiva à disposição, a imprensa se vê diante de outra questão: como conduzir apurações próprias, evitando que as reportagens somente reproduzam o que a força-tarefa deseja divulgar?

A colunista Mônica Bergamo, que mediou o debate sobre a cobertura do escândalo, lembrou que a competição com os órgãos oficiais é desigual. "Os procuradores têm todos os instrumentos para fazer uma investigação muito mais eficiente do que o jornal", disse.

É uma constatação factual. Os procuradores têm poderes para quebrar sigilos, tomar depoimentos em juízo e requisitar documentos no exterior. À imprensa resta varar noites atrás de novidades nos papéis e, claro, gastar sola de sapato atrás de descobertas próprias.

O clima de luta política no país apresenta ainda outro desafio. Os jornalistas precisam buscar a isenção e, mesmo cumprindo bem seu papel, estão fadados a serem acusados de partidarismo pelas torcidas organizadas do governo e da oposição.

OUTRO LADO

Os repórteres também precisam garantir espaço à defesa dos réus, o famoso "outro lado". É comum que os investigadores reclamem do espaço dado aos advogados, mas a imprensa deve respeitar o contraditório e duvidar sempre das versões oficiais.

Mesmo que as apurações sejam conduzidas com seriedade, seus responsáveis não são infalíveis. No ano passado, a força-tarefa deu um exemplo disso ao pedir, por engano, a prisão de uma cunhada do ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores. Ela foi confundida com a irmã, responsável por um depósito sob suspeita.

A súbita popularidade do juiz Sergio Moro e dos procuradores de Curitiba impõe um último desafio. É preciso manter o distanciamento crítico de todas as fontes, mesmo as que passaram a ser vistas como símbolos do combate à corrupção.

Afinal, a fidelidade do jornalista é ao leitor, e não aos poderosos da vez. "A gente sabe que todo poder muito grande, sem controle, é um perigo", disse Mônica.


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