Folha de S. Paulo


Texto de Fernanda Torres sobre feminismo causa polêmica

A atriz, escritora e colunista Fernanda Torres viu seu perfil nas redes sociais ser tomado de assalto depois da publicação do texto "Mulher", no blog #AgoraÉQueSãoElas no site da Folha.

Nele, ela opinou sobre machismo, feminismo e assédio. Escreveu que a "vitimização do discurso feminista" a irrita mais do que o machismo, e que rejeita campanhas anti fiu-fiu porque considera "o flerte um estado de graça a ser preservado".

Em pouco tempo, sofreu uma avalanche de críticas, tanto em tom de debate como de agressão. Quarenta e oito horas e centenas de comentários depois, publicou uma retratação intitulada "Mea Culpa", na qual escrevia que jamais havia pensado que seu texto anterior "seria uma afronta tão profunda a nós mulheres".

"As críticas procedem, quando dizem que eu escrevi do ponto de vista de uma mulher branca de classe média. É o que sou", concordou. "Entendi que existe uma discussão maior, que vai da cidadania ao direito ao próprio corpo. E, acima de tudo, uma luta pela erradicação da violência contra a mulher."

Procurada, Torres não quis se manifestar sobre o texto nem sobre o pedido de desculpas.

Ser alvo de críticas em blogs, sites e perfis nas redes sociais, tudo ao mesmo tempo, é algo já vivido por escritores, apresentadores, celebridades, políticos e ativistas após a publicação de textos ou posts de opinião sobre os mais variados assuntos.

O escritor Antonio Prata e as roteiristas Tati Bernardi e Mariliz Pereira Jorge, todos colunistas da Folha, também sentiram na pele o que é ser alvo desse tsunami de críticas nos meios virtuais.

"Eu fiquei deprimida", lembra Tati sobre seu "linchamento" virtual após ter cedido sua coluna no jornal para o escritor Reinaldo Moraes, invertendo a lógica da campanha #AgoraÉQueSãoElas, que em 2015 ocupou espaços editoriais masculinos com textos de mulheres. "Me acusaram de ser má, egoísta e até defensora do estupro. Foi horrível!".

Mariliz destaca que a interpretação de suas colunas é algo subjetivo e diverso. "Já fui xingada de machista após um texto, e de 'feminazi' após outro", lembra ela. "Neste episódio da Fernanda Torres, li muitos comentários de mulheres que concordavam com o texto dela. Acho que as feministas que a atacaram deveriam perceber que não necessariamente representam o pensamento de todas as mulheres."

Já Prata, que recebeu um tsunami de quase mil comentários ao criticar a campanha #meuamigosecreto –que estimulou posts sobre comportamentos machistas de pessoas próximas–, pondera que apenas 20% deles eram "loucos de internet". "A grande maioria discordava respeitosamente da minha opinião. Só que, como quem grita mais alto, faz mais barulho, parecia que estava todo mundo me batendo", avalia.

Para ele, a grande questão não é a reação de "linchamento" na internet, do qual não se vê como vítima, mas o feminismo em si. "A questão séria ainda é o estupro, a encoxada no metrô e o salário mais baixo da mulher."

Sobre a resposta ao texto de Fernanda Torres, Tatiana Roque, co-editora da "Revista DR", feita só por mulheres, avalia que não houve ataque, mas críticas aos argumentos dela. "A questão aqui não é discordar ou concordar com o que a atriz escreveu, mas criticar o fato de ela ter produzido um texto desinformado sobre o feminismo."

INSULTOS

Para a historiadora e cientista política Isabel Lustosa, a possibilidade de participação direta propiciada pela internet cria um ambiente que "solta muitos bichos, o que faz parte do jogo democrático". Ela compara o momento atual com aquele retratado em seu livro "Insultos Impressos" (Companhia das Letras), quando a imprensa livre, recém criada no país, permitiu a publicação de textos anônimos, gerando debates bastante ofensivos.

Segundo ela, neste cenário de participação direta, "há também uma obsessão pelo politicamente correto e uma disputa sobre quem é o dono da palavra".

"A participação direta é muito positiva. Mas há uma autoridade difusa, que não sabemos de onde vem, e que impõe determinados códigos e eufemismos, que orientam ações punitivas. E isso merece reflexão", avalia ela. "Até onde alguém tem de ser amaldiçoado porque não está dentro de um código que não sabemos direito qual é?", completa.

Aquilo que se convencionou ser chamado de "linchamento virtual", quando centenas ou até milhares de pessoas criticam, agridem ou mesmo xingam alguém por algo que fez ou disse, extrapola os debates de nicho e já virou até título de disco: "Tribunal do Feicebuqui", de Tom Zé.

"Eu tenho chamado isso de Coliseu da internet. Cada semana tem um personagem e as pessoas são atiradas nesse Coliseu para linchamento. Pior é que muitas das pessoas que participam disso nem leram os textos ou a notícia em questão", diz Ronaldo Lemos pesquisador de tecnologia e colunista da Folha. "Comentários agressivos viram uma onda, e essa onda é contagiante. Aquele que estava inerte, ao assistir a dois ou três pessoas da sua rede fazendo determinada crítica, faz também. É um fenômeno de massa."

Para Lemos, "o linchamento virtual dura alguns dias e é substituído pelo linchamento seguinte". "Nesta semana foi Fernanda Torres. Na próxima, posso ser eu ou você."

Sérgio Branco, diretor do Instituto de Tecnologia Social (ITS) e professor de Teoria Geral do Direito Civil lembra que, em alguns casos, os comentários podem caracterizar violação de direitos individuais, como imagem, privacidade e honra, ou mesmo crimes, como calúnia, injúria e difamação.

Para ele, "a rede social é, muitas vezes, uma conversa de surdos em que todos querem falar e ninguém quer ouvir". "A inflexibilidade dos discursos também é agravada porque o uso de redes como o Facebook privilegia o surgimento de bolhas: você tende a seguir quem pensa como você e o algoritmo tende a dar a você aquilo que, supostamente, você quer, ou seja, mais dos que são seus iguais."


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