Folha de S. Paulo


Lula deve ser investigado 'por possível envolvimento' em crimes, diz PF

Jorge Araújo/Folhapress
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na reunião do Conselho Político do PT (Partido dos Trabalhadores), em São Paulo, nesta segunda
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na reunião do Conselho Político do PT, em São Paulo

Um relatório da Polícia Federal na Operação Acarajé, 23ª fase da Lava Jato, diz que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ser investigado pelo "possível envolvimento em práticas criminosas", mas "com parcimônia, o que não significa que as autoridades policiais devem deixar de exercer seu mister [dever] constitucional".

A principal suspeita, diz a PF, se relaciona a planejamento de gastos com a construção de uma nova sede do Instituto Lula, em São Paulo, "e/ou de outras propriedades pertencentes a Luiz Inácio Lula da Silva" foram bancados por recursos da empreiteira Odebrecht relativos a desvios do esquema da corrupção na Petrobras.

O relatório é assinado pelo delegado da PF Filipe Hille Pace, que observou no ponto sobre Lula: "É importante que seja mencionado que a investigação policial não se presta a buscar a condenação e a prisão de 'A' ou 'B'. O ponto inicial do trabalho investigativo é o de buscar a reprodução dos fatos. [...] Se os fatos indicarem a inexistência de ilegalidades, é normal que a investigação venha a ser arquivada".

As suspeitas sobre Lula tiveram origem, segundo o delegado, nos registros encontrados pela PF em uma planilha de computador apreendida em poder de Maria Lucia Guimarães Tavares, administradora de empresas que, segundo a PF, mantém "vínculo empregatício" com a Odebrecht, sediada em Salvador, desde janeiro de 2006.

A planilha intitulada "Posição Programa Especial Italiano", datada de 31 de julho de 2012, traz um campo com nomes de pessoas ligadas à Odebrecht, como Luiz Antonio Mameri, diretor superintendente da Odebrecht Angola, e Benedito Barbosa da Silva Júnior, vice-presidente de infraestrutura da Odebrecht Engenharia e Construção no Brasil, e outro campo denominado "Usos".

Entre os "usos" estão a anotação "Prédio (IL)" e o número 12.422.000, provável referência a R$ 12,4 milhões, segundo a PF. Os policiais apontaram que "não foram encontradas menções a tal sigla" no aparelho celular periciado de Marcelo Odebrecht, mas "pode ser uma alusão ao Instituto Lula".

Segundo a PF, o valor está dividido, na planilha, em três vezes de R$ 1 milhão mais os valores R$ 8,2 milhões e R$ 1 milhão.

Verificando o resultado da perícia encontrada em telefone celular do empreiteiro Marcelo Odebrecht, a PF localizou uma menção a "prédio novo" datada de 22 de outubro de 2010. Segundo a mensagem, uma pessoa identificada como André estava "administrando" o assunto.

Outra das descrições de "usos" são uma citação de "Menino da Floresta" e o valor de R$ 2 milhões. A PF ainda não sabe quem é o "menino". A anotação diz ainda que o assunto será tratado diretamente com ele.
Mais uma menção codificada na planilha é um certo "Projeto OH", relacionado ao valor de R$ 4,8 milhões. A partir da análise de outros elementos da investigação, a PF apontou como "hipótese investigativa" se tratar de uma referência ao presidente do Peru Ollanta Humala.

"A se confirmar esta hipótese investigativa, o então dirigente máximo do Peru teria sido beneficiado pelo Grupo Odebrecht e isto, de alguma forma, estaria atrelado aos investimentos feitos pelo governo federal naquele país", diz o relatório policial.

Outra informação relacionada a Humala, segundo a PF, foi localizada no celular de Marcelo Odebrecht, "quando este relaciona aquele [Humala] de forma oposta ao termo 'humildade', consta ainda nesta anotação a questão de dinheiro para Angola e Peru".

OUTRO LADO

Em nota, o Instituto Lula informou nesta segunda-feira (22) que em 2010, "ano indicado na planilha, o Instituto Lula não existia ainda. Tanto o Instituto Lula quanto o Instituto Cidadania não construíram nenhum prédio". Segundo a nota, o Instituto Lula foi fundado em agosto de 2011 "na mesma casa onde antes funcionava o Instituto Cidadania, ao qual sucedeu, e antes desse o Ipet (Instituto de Estudo e Pesquisas dos Trabalhadores). A sede fica em um sobrado adquirido em 1991".

Em novembro de 2010, a Folha divulgou que emissários do então presidente, que estava a poucas semanas de encerrar seu segundo mandato e deixar a Presidência, procuraram empresas de construção civil em busca de doações para erguer uma nova sede para o instituto, então chamada de Cidadania, e que Lula já havia descartado uma primeira opção de aquirir um prédio próximo do Parque do Ibirapuera, em São Paulo.

Indagado sobre ter cogitado a aquisição do prédio, a assessoria do Instituto Lula informou que "nem o Instituto Cidadania nem o Instituto Lula compraram qualquer sede". A Folha indagou novamente sobre o possível plano de aquisição narrado em 2010, mas a assessoria não havia respondido até o fechamento deste texto.

Em nota, a Odebrecht informou que "permanece à disposição das autoridades para colaborar, sempre que necessário". Segundo a empresa, "as equipes de polícia obtiveram todo auxílio da Odebrecht para o cumprimento" dos mandados de busca e apreensão emitidos pela Justiça Federal para os escritórios da empresa em São Paulo, Rio e Bahia. A Odebrecht informou ainda que Benedito Barbosa da Silva Júnior é diretor presidente da Construtora Norberto Odebrecht, e não vice-presidente de infraestrutura da Odebrecht Engenharia e Construção no Brasil, conforme havia sido apontado pela PF em relatório.


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