Folha de S. Paulo


'Não respondo por assessores', diz presidente da Assembleia de São Paulo

Moacyr Lopes Junior - 13.fev.2016/Folhapress
O presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Fernando Capez (PSDB), em entrevista à Folha
O presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Fernando Capez (PSDB), em entrevista à Folha

Em sua primeira entrevista após ser citado como destinatário de propina por ex-dirigentes da cooperativa Coaf, acusada de fraudar a merenda em São Paulo, o presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Capez (PSDB), sinaliza que pode estar sendo vítima de uma armação baseada em depoimentos frágeis.

Capez diz que prefere acreditar que seu nome tenha sido usado por ex-assessores. Dois ex-assessores do tucano são investigados: Jéter Rodrigues, que disse anteriormente à Folha que Capez nunca lhe pediu nada, e Merivaldo dos Santos, que caiu em um grampo da polícia.

A investigação apura um contrato da Coaf com a Secretaria Estadual da Educação para fornecimento de R$ 8,5 milhões em suco de laranja. Segundo ex-dirigentes da Coaf, o governo cancelou um primeiro contrato, em que não houve propina, para fazer um segundo, mediante um acerto.

Para o presidente do Legislativo, se houve um esquema na merenda, ele ocorreu em um "nível hierárquico mais baixo", sem envolvimento de políticos do PSDB.

O deputado também acusa a Associação do Ministério Público de criar "especulações mentirosas" de que sua mulher, que trabalha no Ministério Público, poderia favorecê-lo nas investigações.

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Folha - A que o sr. atribui a menção ao seu nome?
Fernando Capez - O interrogatório mais difícil de ser derrubado é aquele que mente na essência e dá alguns pontos periféricos verdadeiros. A essência é que eu não tenho nenhuma relação com as pessoas da Coaf. Não interferi em favor da Coaf na Secretaria da Educação. Não recebi nenhum centavo da Coaf. Não autorizei ninguém a falar em meu nome com a Coaf. Nenhuma dessas pessoas, pelos próprios depoimentos, teve contato comigo. Todos são 'supõe que', 'acha', 'ouviu dizer'.

E quais são os pontos periféricos verdadeiros?
Jéter Rodrigues trabalhou no meu gabinete. Merivaldo [dos Santos] é funcionário da Assembleia. O que tem de periférico e, ao que parece, o que levou meu nome a esse caso, são pessoas que em algum momento estiveram comigo e eu não sei se usaram meu nome ou não.

O que o Jéter fazia no seu gabinete?
O Jéter é funcionário concursado da Assembleia desde 1975, onde ele conheceu o ex-deputado Leonel Julio [pai do lobista Marcel Julio, ligado à Coaf]. O Jéter me foi apresentado para ajudar a fazer internações em hospitais, encaminhamentos de saúde, atender o telefone. Eu não o conhecia e não aprofundei nenhuma relação com ele.

Quem o apresentou?
O Merivaldo o trouxe para trabalhar comigo. Ele ficou no meu gabinete até o final de 2014.

O Jéter, segundo o advogado do lobista Marcel, deu recibos das comissões pagas. O sr. acha que ele recebeu dinheiro para interferir na Educação?
Não tenho ideia. Eu não posso responder por pessoas adultas, não posso responder pelos meus assessores. É fisicamente impossível que eu saiba o que cada assessor está escrevendo no computador, está falando no telefone, nas minhas costas. Esse é o ponto de fragilidade da política. O fato é que eu não cobrei nada de ninguém, não dei recibo para ninguém, não liguei em nenhuma secretaria para interferir.

O ex-presidente da Coaf diz que o Jéter pediu um carro emprestado para a sua campanha. O sr. sabe se o carro foi usado na campanha?
Não tenho ideia dos carros usados na campanha. É uma campanha de 300 mil votos no Estado inteiro. Quem cuida dos carros não sou eu. Temos um controle feito pelo coordenador da campanha e tudo é declarado. Declaramos 47 carros. Esse carro não está declarado, portanto, não passou pelo controle da campanha. Eu não pedi carro nenhum, mas não posso dizer se ele pegou ou não.

O outro assessor, Merivaldo, já trabalhou em seu gabinete. Ele caiu num grampo falando de R$ 58 mil. Ele pode ter atuado junto ao Jéter?
Não dá para trabalhar com achismo, tem que ser investigado. Agora, eu não tenho a menor ideia se fez e por que fez. É um funcionário com 30 anos de Assembleia, já trabalhou com vários deputados. Eu prefiro imaginar que não.

Os dirigentes da Coaf disseram que um primeiro contrato com a Educação foi cancelado e, para ter um segundo contrato, houve corrupção. O que o governo explicou para o sr. sobre isso?
Eu pedi que o governo acelere a apuração desses contratos porque a primeira coisa que temos que saber é se houve fraude neles. Teve superfaturamento? Teve desvio? Essas questões o governo precisa explicar e a Corregedoria está indo atrás. As informações que chegaram é que foi interrompido o primeiro procedimento porque havia uma dúvida se deveria ser chamada pública ou pregão eletrônico. Para mim, isso está dentro da rotina da secretaria. Não vejo como um parlamentar ou agente público poderia influenciar em procedimentos rotineiros da Educação.

A Coaf confessa que pagou propina de 10% sobre o contrato com o governo, de R$ 8,5 milhões. Um esquema desse porte pode ser feito somente no nível de assessores, sem participação de políticos?
O que pode existir é venda de prestígio, venda de nomes, e outros envolvimentos que não sejam em nível de governo. Só a investigação pode dizer. É possível que tenha ocorrido [o esquema] num nível mais baixo, com pessoas se valendo de informações privilegiadas, como a data em que vai ser feito um pagamento, e as manipulando como se estivessem usando pessoas [influentes]. A venda, usando nomes de pessoas [influentes], combinada com informações técnicas privilegiadas, pode ter levado a esse tipo de esquema. Não acredito que o secretário da Educação esteja envolvido, não acredito no envolvimento do Duarte Nogueira [secretário de Transportes]. Quando houve pedido ao Tribunal de Justiça de quebra do meu sigilo bancário e fiscal, eu já havia entregue minhas declarações de renda e autorizado a remessa de dados bancários.

Um das linhas de apuração é que o dinheiro fosse para o PSDB. Logo, não vai estar na conta de ninguém, não vai ter rastro.
Na minha opinião, essa linha de investigação não vai levar a nada. Acho mais uma versão inverossímil. O que está me parecendo é que houve uma atuação num nível hierárquico menos elevado, com uso de nomes de pessoas, sem esse tipo de envolvimento [partidário].

Em um grampo, o ex-chefe de gabinete da Casa Civil Luiz Roberto dos Santos, o Moita, orienta a Coaf sobre como aumentar os ganhos no contrato. O sr. teve contato com o Moita?
Eu não tenho nenhum contato com o Moita. O fato é que não houve nenhum aditamento nem reequilíbrio econômico [no contrato] e os preços praticados em 2015 foram inferiores aos de 2013 [do contrato cancelado]. O segundo fato é que eu não fui flagrado pedindo para fazer nenhum reequilíbrio econômico, eu não telefonei para ninguém. Eu jamais conversei com o secretário Herman [Voorwald, da Educação] sobre esse assunto.

Outro membro do governo citado é o ex-chefe de gabinete da Educação, o Fernando Padula. O sr. o conhece?
Conheço o Padula de nome apenas, não tenho relação com ele e acho que é preciso cautela.

Pode ter havido armação contra o sr.? Fogo amigo?
Não quero acreditar, não posso acreditar e prefiro não acreditar. Se houve, o que não acredito, que cada um responda perante Deus, porque terá sido uma tremenda maldade.

Nas transcrições dos grampos, os membros da Coaf referem-se a Moita e Padula como 'nosso amigo'. Já no depoimento, um dos investigados diz que o 'nosso amigo' era o tratamento dado ao sr..
Quem fez a pergunta [ao investigado] não leu que no relatório técnico o 'nosso amigo' referido não era eu, e ainda assim perguntou e fez constar. Então, reforça a fragilidade dos depoimentos de 'ouvir dizer'.

Como ficou sua relação com o governo?
Acho que o governador tinha de ser cauteloso e, no momento em que ele formou convicção, ele falou aquilo que ele sentia, o que para mim basta. [Na última sexta-feira, Alckmin disse acreditar na inocência de Capez. ]

O sr. tem planos de se lançar candidato a governador em 2018. Como ficam esses planos? Como fica seu capital eleitoral?
Nunca disse que seria candidato a governador, essa foi mais uma especulação que não saiu da minha boca. Agora, está sendo uma provação. Eu saio desta provação mais forte do que entrei, porque ninguém gosta de injustiça. Acho que minha maior qualidade na política, que é a boa fé, que é acreditar nas pessoas, passou a ser meu maior defeito. Talvez eu tenha que rever um pouco esse conceito.

Sua mulher trabalha no Ministério Público, que o investiga. Seu irmão é promotor aposentado e o sr. também é promotor. Essas relações causam especulações de favorecimento.
Essa é outra enorme decepção. Jamais imaginei que a disputa interna pela Procuradoria-Geral [que terá eleição neste ano] pudesse levar pessoas que me conhecem da faculdade a fabricar esse tipo de especulação mentirosa. A Procuradoria-Geral [que investiga Capez] tem várias subprocuradorias, onde minha mulher faz contrarrazões de apelações em processos de furto, roubo, homicídio. Infelizmente, em razão da eleição para procurador-geral, com um grupo querendo desgastar o outro, eu estou no meio desse tiroteio. Partiu da Associação do Ministério Público uma insinuação de que minha esposa [poderia interferir na apuração]. Aí vem a crueldade.

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Nesta segunda (15), após a publicação desta entrevista, a Associação Paulista do Ministério Público rebateu as afirmações de Capez. Leia a nota da entidade na íntegra:

A respeito de afirmações contidas na matéria "'Não respondo por assessores', diz presidente da Assembleia de São Paulo", a Associação Paulista do Ministério Público (APMP) ressalta que não faz insinuações nem "cria especulações" de qualquer espécie e que, na disputa para a Procuradoria-Geral de Justiça, mantém sua tradicional postura independente e imparcial, defendendo, acima de tudo, que o candidato mais votado pela classe seja o nomeado para o cargo. Além disso, a APMP, entidade que representa os promotores e procuradores de Justiça paulistas e atua em sua defesa, também não aceita afirmações de que o Ministério Público presta "desserviço" à sociedade.

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FRAUDE NA MERENDA - ENTENDA O CASO

Do que se trata a Operação Alba Branca?
Investigação da Polícia Civil e do Ministério Público sobre suposto pagamento de propina em contratos de fornecimento de merenda a escolas de São Paulo. Seis ex-dirigentes da Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf) foram presos, suspeitos de envolvimento no esquema

Quais são as suspeitas sobre Fernando Capez (PSDB-SP)?
Ex-funcionários da Coaf disseram que o tucano, entre outros políticos, beneficiou-se do esquema. O lobista Marcel Julio, pego em grampos da operação, disse que fez pagamentos ao ex-assessor do tucano Jéter Rodrigues. O Ministério Público pediu a quebra de sigilo bancário e fiscal de Capez

Quem mais foi mencionado?
Os deputados federais Baleia Rossi (PMDB) e Nelson Marquezelli (PTB) e o deputado estadual Luiz Carlos Gondim (SD)


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