Folha de S. Paulo


Queda de secretário de Alckmin afligiu lobista da merenda, revela grampo

Um grampo da Polícia Civil, feito em 4 de dezembro, dia da demissão de Herman Voorwald da Secretaria de Educação do governo Geraldo Alckmin (PSDB), revela que integrantes do esquema que fraudava merenda escolar em São Paulo ficaram preocupados com as mudanças na pasta.

Eles foram avisados da queda de Voorwald pelo ex-chefe de gabinete da Casa Civil, Luiz Roberto dos Santos, o Moita, que também os instruiu sobre como aumentar os ganhos em um contrato vigente com o Estado desde março.

Tal contrato, segundo confessaram dirigentes da Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar) à polícia e ao Ministério Público, já havia rendido propina de 10% a políticos. Pelos depoimentos, um dos beneficiados foi o presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Capez (PSDB).

Feitas com autorização judicial, as interceptações, segundo o entendimento da polícia, revelam que a preocupação do grupo era agir rápido, diante da possibilidade de o chefe de gabinete de Voorwald, Fernando Padula, também sair da pasta.

Em ligação ao lobista Marcel Ferreira Julio, apontado como operador do esquema, Moita diz: "Acabei de falar com o Padula e ele entende, assim como eu, que não é aditivo, é reequilíbrio econômico. Não põe aditivo porque você não está mantendo o preço".

Pelo contrato original, de R$ 8,5 milhões no total, cada litro de suco de laranja da Coaf saía por R$ 6,10 –valor que o grupo pretendia aumentar. Investigadores analisam se houve sobrepreço.

Moita diz a Marcel que Padula "é o cara que estava na frente com isso". Em seguida, o lobista telefona para um funcionário da cooperativa para repassar as orientações.

Afirmando estar dentro do Palácio dos Bandeirantes, onde tinha ido encontrar o Moita, o lobista diz a César Augusto Bertholino, funcionário da Coaf: "O Herman caiu. O Geraldo [Alckmin] mandou ele embora. [Mas] O nosso amigo aqui [Padula] está por enquanto lá."

Marcel diz, então, que enviaria por WhatsApp as alterações que deveriam ser feitas rapidamente no contrato.

'NOSSO AMIGO'

Nos grampos a que Folha teve acesso, os dois integrantes do governo, Padula e Moita, são tratados como "nosso amigo".

Padula foi integrante de sucessivos governos tucanos desde 2003. Foi demitido da Educação nesta quinta (28), pelo novo secretário, José Renato Nalini, que assumiu no lugar de Voorwald. A Folha apurou que Nalini foi avisado que a investigação da merenda poderia atingir o funcionário, o que pesou na demissão.

Já Moita deixou a chefia de gabinete da Casa Civil, antessala do gabinete de Alckmin no palácio, um dia antes de a operação policial ser deflagrada.

A Polícia Civil começou a investigar o esquema nas merendas em junho de 2015. Segundo relatório da corporação, o lobista Marcel, nas conversas com Moita, "demonstra saber e interferir nos assuntos de interesse da Coaf e estaria agindo diretamente no contrato da cooperativa com o Estado".

OUTRO LADO

O ex-secretário da Educação, Herman Voorwald, afirmou desconhecer as pessoas investigadas por fraudes na merenda e disse que as relações com fornecedores não eram de responsabilidade direta do titular da pasta.

"A ação minha na secretaria era através das coordenadorias. Elas é que desempenham um papel em cada uma das ações: obras, merenda, transporte. O relacionamento do secretário não é com essas pessoas [investigadas], portanto, não conheço e não conheci nenhuma delas", disse.

Questionado sobre os grampos da polícia que citam suposto envolvimento de seu ex-chefe de gabinete, Fernando Padula, Voorwald não quis comentar.

"A chefia de gabinete é ordenadora de despesas, tem um papel importante na coordenação e elaboração dos processos [de contratação, por exemplo]. Eu não gostaria de me manifestar sobre isso porque não tenho a menor ideia do que foi dito [nos grampos]."

"Eu tenho quase 40 anos de vida pública e toda minha vida foi pautada por uma ação muito correta. Tudo o que tenho é baseado em trabalho honesto", concluiu.

A Folha não conseguiu localizar Padula. O outro membro do governo citado nas interceptações, Luiz Roberto dos Santos, o Moita, também não foi localizado.

Moita era chefe de gabinete da Secretaria da Casa Civil, uma das mais importantes do governo. O titular da pasta, Edson Aparecido, afirmou que pediu à Corregedoria que apure o caso.

"Ele [Moita] tinha função interna e burocrática. Se ele fez isso [interferiu na Educação], fez de maneira irregular. Se fez, foi completamente por conta própria e vai ter que responder", disse.

O deputado Fernando Capez (PSDB) nega veementemente envolvimento no esquema.


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